A criminalização do advogado criminal e a luta pelos Direitos Humanos

06/07/2016

Por Wagner Francesco - 06/07/2016

Em primeiro lugar, eu não sou um advogado. Ainda. Mas serei...

Dito isto vamos ao que interessa. Não precisei me formar ainda para já perceber o quão árdua é a vida do advogado criminal. Isto porque todos os advogados, de qualquer ramo, trabalham demais, se esforçam demais, mas ao que me parece somente o que lida com crimes é, não raras vezes, confundido com e considerado um delinquente:

“Vai defender bandido? Vixii, é bandido também. Quem anda com porcos, come farelo.”

E isto não é de hoje, não. Se dermos um passo para trás e alcançarmos a Revolução Francesa, saberemos que os advogados compareciam aos julgamentos sob a ameaça expressa de serem guilhotinados com seus clientes. É muito famosa a frase que Nicolas Berryer, famoso jurista francês, pronunciava sempre que iniciava uma defesa no tribunal:

Trago à convenção a verdade e a minha cabeça; poderão dispor da segunda, mas só depois de ouvirem a primeira.

Hoje não é diferente, pois com o incentivo da mídia que bombardeia o indivíduo com má informação, induzindo o ódio e a injustiça sob o pretexto de que se está pregando a luta por uma sociedade mais justa e a definitiva aplicação do Direito, o advogado criminal é tratado com enorme desconfiança – e desconfiança esta que ultrapassa o profissional e alcança sua vida privada. Experimente você, estudante de Direito, dizer que vai ser um criminalista e você sentirá, antes de ser um, o início das dores.

A luta pelos direitos humanos e a criminalização do advogado criminal

Outra coisa preocupante em nossos dias é o ataque concentrado contra os Direitos Humanos – que hoje chamam, pejorativamente, de “Direito dos manos” – e que, lógico, acerta em cheio o advogado criminal. Vivemos numa sociedade que prega o fim da prevalência dos Direitos Humanos e, de quebra, se puder, o fim dos “advogados dos vagabundos”.

Algumas poucas palavras sobre isto: Advogado criminal não defende bandido; defende, pois é seu dever, o Direito e a Justiça. Está a serviço da aplicação da Lei. E mais: todos têm direito a uma defesa e recai sobre os ombros do advogado criminal esta árdua e honrosa tarefa. Demonizar o advogado criminal é demonizar o alicerce do Estado Democrático de Direito.

Ao defender a prevalência dos Direitos Humanos o que estamos afirmando é também a nossa Humanidade. Ao defender os Direitos Humanos estamos dizendo que a despeito da crueldade do outro, nós somos humanos a tal ponto que lhe daremos um tratamento diferente. Que humanidade teremos nós se tratarmos os cruéis com crueldade? Defender os Direitos Humanos, afirmo, é um atestado de que nós não somos brutos.

Também estou sujeito a cometer os crimes que porventura eu venha a defender ou a acusar. Como diria o filósofo Terêncio: "sou um ser humano e nada do que é humano me é estranho."

Esta frase quer afirmar a ideia de fraternidade e humanidade coletiva. Somos parte de um todo e somos corresponsáveis uns pelos outros. Também, por sermos todos nós humanos, demasiados humanos, estamos sujeitos às mesmas doçuras e fúrias.

O advogado criminal não defende nenhum monstro e não se torna monstro, mas atua ao lado de um ser humano com histórias pessoais e tragédias vividas. E por ser um ser humano de histórias e tragédias, merece estar protegido pelo manto sagrado dos Direitos Humanos, protegido pela dignidade que há em nós - que dizemos que somos humanos.

A luta pelos direitos humanos e a criminalização do advogado criminal

Para ir finalizando, busco o escudo do jurista Rui Barbosa. Este responde a uma consulta, formulada pelo amigo Evaristo de Moraes, em uma carta intitulada “O dever do advogado”. Rui aconselha seu amigo a aceitar a defesa criminal de Mendes Tavares, acusado de mandante do assassinato de uma pessoa ilustre da capital federal (em 1911). O acusado era adversário político de Evaristo de Moraes e, também, de Rui Barbosa. Confuso não apenas por ser inimigo político, mas por se tratar de um acusado de crime que comoveu o país (o advogado começou a sofrer perseguição por querer aceitar defender o rapaz...), Evaristo pergunta e recebe de Rui a seguinte resposta:

Recuar ante a objeção de que o acusado é ‘indigno de defesa’, era o que não poderia fazer o meu douto colega, sem ignorar as leis do seu ofício, ou traí-las. Tratando-se de um acusado em matéria criminal, não há causa em absoluto indigna de defesa. Ainda quando o crime seja de todos o mais nefando, resta verificar a prova; e ainda quando a prova inicial seja decisiva, falta, não só apurá-la no cadinho dos debates judiciais, senão também vigiar pela regularidade estrita do processo nas suas mínimas formas.

Devemos refletir bastante nas palavras acima, pois, se há humanidade em nós, haveremos de as compreender e, compreendendo, de mudar o rumo de nosso pensamento.

E ainda mais, finalizo com outro trecho da Carta escrita por Rui Barbosa:

O patrocínio de uma causa má, não só é legítimo, senão ainda obrigatório; porquanto a humanidade o ordena, a piedade o exige, o costume o comporta, a lei o impõe.

E não se esqueçam do que diz o artigo 133 da Constituição Federal

O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.


Wagner Francesco. . Wagner Francesco é teólogo, acadêmico de Direito e pesquisador do Direito Penal. . . .


Imagem Ilustrativa do Post: Endurance // Foto de: Simon Blackley // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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