A COVID-19 E A POESIA: ENFRENTANDO A PANDEMIA COM TONS E SOBRETONS POÉTICOS  

22/08/2020

Em decorrência do corrente estágio evolutivo epidemiológico da COVID-19 (Sars-CoV-2), em Pernambuco, a ideia do ‘’fique em casa’’ (a qual, vale mencionar, foi difundida mundo à fora, tornando-se, inclusive, lema no combate a COVID-19) tornou-se mais do que sugestiva: é uma ordem.

Vivemos um momento atípico, sem precedentes, em que, ficar em casa significa mais do que apenas buscar o conforto e o refrigério das energias que o lar pode nos oferecer. (Mas, não é errado pensar o contrário, dado que fomos ensinados, com o passar dos anos, a utilizar, única e exclusivamente, a casa como local de descanso por excelência). Significa, além do mais, e a bem da verdade (e da saúde), cuidar da saúde, nossa e daqueles que convivem conosco – um dever coletivo (e não apenas individual) em prol da humanidade.

Os impactos do COVID-19 desaguam em todas as esferas da sociedade (pernambucana), sobremaneira, e a princípio, na esfera do convívio social, onde o psicológico parece padecer mais (quando não se recorre, por ausência de escolha, ao mundo-web), em face da calamidade pública que nos aflige.

Pouco a pouco, os momentos sociais-presenciais tornaram-se apenas memórias, e é a saudade que fica: a (saudade) de receber os familiares, colegas, amigos, em casa, para um café ou uma conversa (algo que, pouco a pouco, foi sendo ‘’suprida’’ pelas chamadas de vídeos e as ‘lives’ em redes sociais); a de visitar locais de lazer (como Shoppings, clubes sociais, bares, restaurantes, lanchonetes, praia e afins); a de frequentar escolas, faculdades/universidades, ou, quem sabe, o próprio local de trabalho; a de viajar Estado e/ou mundo à fora; a saudade da liberdade: de ser livre para ir e vir, sem maiores riscos (à saúde, inclusive), salvo o de ser feliz – se bem que, pela felicidade, vale(ria) a pena correr o risco.

Nessa crise, padrões de comportamento e hábitos que antes pareciam tão presentes em nossa rotina tendem – e é normal que assim ocorra – a mudar e/ou adaptar-se ao ‘’Novo Normal’’ que, muito resumidamente, remete à uma vida sujeita a uma série de leis, recomendações, orientações e, sobretudo, protocolos de saúde, elaborados por profissionais e especialistas da saúde e aplicados à sociedade, como forma de reduzir e/ou prevenir os impactos do vírus; realidade que, a cada dia, insere-nos numa vida cada vez mais digital ou remota, online, e menos física ou presencial.

Alguns desses padrões já são visíveis, nos mais diversos âmbitos de nossa sociedade, e a tecnologia os acompanha a todo instante.

No âmbito social-comunicacional, as chamadas de áudio e vídeo, as quais tornaram-se senão um dos principais meios para se comunicar com as pessoas. Seja em grupo ou em conversas individuais, tais mecanismos tem se mostrado uma alternativa bastante válida e tecnológica em meio a essa pandemia: hoje, graças aos avanços tecnológicos podemos, se possível, nos comunicar com as pessoas, respeitando o distanciamento ou isolamento social e a quarentena – porquanto evitando o contato físico e se prevenindo do vírus.

No âmbito econômico, as empresas precisaram agregar novas funcionalidades, para incluir e alinhar as suas equipes, sem prejuízo de treiná-las para o ‘’Novo Normal’’; além de implementar novas ferramentas (como o ‘’e-commerce’’) e instrumentos, a fim de manter e/ou alavancar a produtividade durante o trabalho.

No campo educacional, as instituições educacionais (escolas, faculdades, universidades), atendendo às exigências ministeriais, suspenderam as aulas presenciais, substituindo-as pelas aulas ‘’em meio digital’’. De sorte que os educadores, professores, tiveram que se ‘’reinventar’’ para lecionar suas aulas à distância, evitando o contato físico e direto com os seus respectivos alunos.

D’outro lado, e a despeito do distanciamento ou isolamento social e da quarentena, a poesia parece ter interpenetrado a vida das pessoas e ter se tornado um grande aliado no combate da COVID-19.

Ora, se tais medidas afastam-nos uns dos outros, por que não recorrer a outras formas de lidar com elas? Há quem pratique exercícios físicos ou algum esporte. Outros preferem descansar o corpo e a mente. Há quem prefira exercitar a leitura. Verdade é que cada um encontra sua própria forma de lidar com tudo isso, e não há nada de errado em fazê-lo ‘’à nossa maneira’’.

Talvez seja isso o que a capelã e professora aposentada de Madison, Catherine O’Meara, que, com devida vênia a outros escritores, já se pode chamar de poetisa, escreveu em seu poema intitulado ‘’In The Time of Pandemic’’ (em português: ‘’No Tempo da Pandemia’’), publicado no blog de língua inglesa ‘’The Daily Round’’. (Esse poema, o qual merece ser divulgado, foi interpretado, ‘’em tempo de pandemia’’, pelo ator brasileiro, Antônio Fagundes, em seu perfil do Instagram’’).

Em tons e sobretons poéticos e com toda delicadeza e sutileza de uma arista em potencial, Catherine retratou o momento pelo qual estamos passando, atribuindo-lhe outro sentido que não o meramente doentio que tanto é divulgado mundo à fora. De forma que, por meio dele, é possível fazer uma reflexão: ainda que estejamos reféns à pandemia, podemos (ou, quem sabe, poderíamos) respirar outros ares, quem sabe ‘’fazer arte’’, como sugeriu O’Meara.

Tal como as demais atividades do dia-a-dia, ler, escrever ou ouvir, poesias, é uma forma de preservar a saúde física e mental. Há, sim, pessoas que desfrutam das poesias e as utilizam para agradar outrem. Um remédio para além do comum e para além da linguagem.

Como uma mágica – l’a poesie est magie pure et inspirant –, os poemas conseguem transcender o chamado ‘’mundo real’’, em verdade, é esse o principal desafio enfrentado por quem o escreve, a cada linha que escreve, onde tudo pode acontecer, a depender de quem o escreve e, claro, de quem o lê.

Cada poeta ou poetisa tem, por excelência, seu tom e sobretom, que é transmitido em seus poemas, através das estrofes, rimas e métricas, no seu modo de enxergar o mundo à fora. Uns (umas) falam de amor e de como é difícil amar. Outros (as) ousam falar da vida e de suas experiências. Há aqueles que ousam falar da felicidade – felicidade, que é isto? Há aqueles que falam da tristeza – mas, nem toda tristeza é triste, e nem toda felicidade é feliz. À sua maneira, sensibilizam, emocionam e tocam as demais pessoas, comunicando-se por uma linguagem para além de nosso mundo: a poesia – a poesia, com a sua beleza singular, seduz a alma, e alimenta-a com seus encantos.

Talvez por isso o artista e poeta brasileiro, Manuel Bandeira, teve tanta dificuldade para defini-la, restringindo-se a tão somente senti-la. Dizia ele, em breve palavras, que que, de sua experiência, desde os dez anos, compondo versos, e sentindo a poesia passar por mim como uma corrente elétrica e afluir aos meus olhos sob a forma de misteriosas lágrimas de alegria’’, definir o que era poesia era a sua maior dificuldade – La poésie est dans la rue, La poésie est dans la ruelle, La poésie est dans l’âme…

A pandemia fomentou, em maior ou menor grau, a busca pela poesia. E é possível arriscar dizer o ‘’porquê’’. A Poesia e a COVID-19 dialogam, em cantorias diferentes, nos sistemas sociais, como uma melodia atravessada e assinalada, a todo instante, por contínuos movimentos harmônicos, de diversidades sonoras crescentes da comunidade e de crescentes tendências de reconhecimento singular e plural. ‘’A Poesia está viva’’ – e quem sabe ela não esteja dentro de nós apenas esperando um momento para se libertar? – e pode, talvez, ser a nossa cura...

 

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