A contribuição pragmática das teorias econômicas para o entendimento da noção de empresa  

21/03/2019

 

            Os atos de comércio davam sustentação ao direito comercial desde o Código Napoleônico de 1807, até a entrada em vigor do Código Civil Italiano de 1942, que se identificou com a teoria da empresa.

            Com o desbordamento da noção purista lastreada em atos de comércio, a teoria da empresa ganhou espaço, por mais abrangente. O conceito legal atribuído pela legislação brasileira à empresa decorre do conteúdo do artigo 966, caput, do Código Civil, ao definir o empresário como sendo “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.

            Assis Gonçalves diz que apesar de o legislador não ter se preocupado em enunciar o conceito de empresa, verifica-se que o Código Civil, sob a rubrica do direito de empresa,

“define o empresário, seus direitos e obrigações (arts. 966 a 980), as sociedades empresárias e não empresárias (arts. 981 a 1.141), cuida da estrutura utilizada por estes entes para o exercício da atividade econômica (arts. 1.142 a 1.149) e dispõe, finalmente, sobre os institutos que lhes são complementares (arts. 1.150 a 1.195)”.[i]

            Em textos pretéritos nesta coluna tratamos da empresa como estratégia para o retorno do investimento, a relevância do conteúdo dos atos constitutivos e dos acordos parassociais, bem como a importância da atividade empresarial para o desenvolvimento econômico de um país, na medida da riqueza, cujos efeitos se espraiam para a rede de relacionamentos, direta ou indiretamente.

            Como diz TIMM, a sociedade encontra no mercado um espaço público, um local de tomada de decisão, sobre o que produzir e o que consumir, mas há distorções no sistema produtivo, como refere ao citar a “tragédia dos comuns”, uma despreocupação ou uma conduta fundada na irracionalidade em relação aos bens coletivos, como, por exemplo, o meio ambiente, que, sem a devida proteção do Estado, tende ao esgotamento.[ii]

            De fato tem razão ao autor ao identificar distorções no sistema de alocação de recursos de uma sociedade, justificando-se a presente abordagem que visa estabelecer importância circular que se quer dar a ferramentas de apoio a tomada de decisões em um ambiente de incertezas.

            Neste contexto, pretende-se dar importância, dentre as inúmeras teorias da empresa, às teorias econômicas de repercussão que apoiam o jurista na definição de suas estratégias, tanto no período inicial, para criar a melhor estrutura jurídica para o novo empreendedor, como no período da evolução de suas atividades, para auxiliar nas suas relações internas e externas com foco no crescimento sustentável dos negócios por ela gerados.

            Com o apoio da doutrina de Mackaay e Rosseau pretende-se direcionar a abordagem. Para eles, de cuja visão compartilha-se, as principais teorias econômicas específicas da empresa, que servem como ferramentas aos juristas, são: a teoria dos custos de transação; a teoria da coalização; a teoria da rede de contratos e a teoria dos direitos de propriedade.[iii]

            A teoria dos custos de transação foi concebida, despretensiosamente, por Coase, Nobel de economia em 1937, em artigo intitulado The nature of the firm. A teoria foi aprimorada por Williamson, sob o enfoque de que são os custos de transação que determinam a escolha do modelo institucional para organizar a produção, bem como os custos derivados das relações entre as empresas.[iv]

            A referida teoria recebeu críticas de Alchian e Demsetz ao conceberem a teoria da coalizão, que se sustenta a partir da lacuna deixada por Coase na relação da empresa com o mercado, no sentido de que a teoria dos custos de transação para a firma/empresa deve estar associada ao processo de mercado, não havendo, por parte da empresa, tanta autoridade em relação a ele (mercado). Por outro lado, há necessidade de cooperar com outros agentes e fornecedores. Como uma empresa, por si só, não detém todos os insumos para a produção de bens e serviços, o processo cooperativo mostra-se fundamental pelas necessidades de formar coalizões que resultem em ganhos, inclusive os de natureza tributária. O problema central desta teoria é o oportunismo e os custos de transação para exercer o controle de tais lateralidades.[v]

             Em prolongamento à teoria da coalizão, insere-se a teoria da empresa sob o enfoque da rede de contratos. Os principais expoentes desta teoria são Jensen e Meckling, ao justificarem a empresa a partir das suas relações contratuais, desde a origem (contrato social ou estatuto) e na regulação com agentes internos, sócios e funcionários, além de externos, clientes, fornecedores, credores, entre outros tantos que se inserem na cadeia produtiva.[vi]

            Sobre este tema, Paula Forgione trata a empresa, contratos e mercados a partir de conceitos indissociáveis, onde os riscos e as interações convergem em uma mesma perspectiva.[vii]

            Já a teoria dos direitos de propriedade para a empresa tem como principal precursor Oliver Hart. Ele não se afasta das demais teorias dos custos de transação, da coalizão e da rede contratual, mas, diante da racionalidade limitada, impõe críticas às teorias anteriores, especialmente diante da imperfeição dos contratos. Traz, no contexto, a governança como inerente aos direitos de propriedade, cujo titular, ao conservar o controle residual sobre o bem, detém o poder para resolver diferenças e lacunas contratuais. A ideia central reside na hipótese de que a propriedade sobre os ativos tangíveis da produção é fundamental para conter comportamentos oportunistas e dar norte aos objetivos da atividade. Esta teoria também recebe críticas, pois, para a nova economia, os recursos humanos não são tão dependentes dos ativos e, também, a ineficiência contratual não se resolve apenas sob o viés dos direitos de propriedade. É preciso ampliar esta teoria, segundo Rajan e Zingales, que colocam outro elemento: o “controle de acesso” aos ativos tangíveis, no sentido de domínio sobre o uso do recurso (maquinário, por exemplo) fundamental para a produção[viii].

            Adicione-se, às teorias citadas, a visão de Frank Easterbrook, em sua obra Economic Structure of Corporate Law, ao comparar a empresa a um conjunto de promessas, afinal o empresário e administrador dessa organização promete — para o consumidor — um produto ou serviço de qualidade — para o empregado — um salário digno e competitivo, e — para os sócios — uma lucratividade constante.[ix]

            Como visto, as teorias econômicas não são excludentes uma da outra e  contribuem para a compreensão da empresa a partir de elementos pragmáticos, permitindo alcançar-se uma interpretação empírica e colaborativa para a construção jurídico-legal do conceito, sobretudo ao darem (as teorias econômicas) bases hermenêuticas aos profissionais do direito e das áreas compartilhadas, habilitando-os para a criação de estratégias relacionais seguras e estruturas jurídicas menos onerosas e mais eficientes, capazes de direcionar o empreendedor rumo ao sucesso.

 

Notas e Referênciasi

[i] GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 7ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 76.

[ii] TIMM, Luciano Benetti. Artigos e ensaios de direito e economia: quais os destinos do Law and Economics nos Estados Unidos em meio à crise? Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2018, p. 134.

[iii]  MACKAAY, Ejan e ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. 2ª. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 519-520.

[iv] MACKAAY, Ejan e ROUSSEAU, Stéphane. Obra citada, p. 519-520.

[v] MACKAAY, Ejan e ROUSSEAU, Stéphane. Obra citada, p. 523-524.

[vi]  MACKAAY, Ejan e ROUSSEAU, Stéphane.  Obra citada, p. 524-525.

[vii] FORGIONI, Paula A. Contratos empresariais. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 25.

[viii]MACKAAY, Ejan e ROUSSEAU, Stéphane. Obra citada, p. 526-527.

[ix]EASTERBROOK, Frank. Economic  Structure of Corporate Law. Livre tradução e interpretação.

 

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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