A CONTRIBUIÇÃO DO NEOFINALISMO NA CRIAÇÃO DE NOVOS PARADIGMAS PARA OS CRIMES DE CORRUPÇÃO EMPRESARIAL

05/09/2024

O neofinalismo, como evolução teórica do finalismo de Hans Welzel, surge no cenário jurídico contemporâneo como uma resposta às limitações das teorias tradicionais e às demandas cada vez mais complexas da sociedade moderna. Caracterizado por uma abordagem que combina a análise finalista da ação humana com a incorporação de elementos sociais, normativos e contextuais, o neofinalismo oferece uma base teórica robusta para o desenvolvimento de novos paradigmas no direito penal. Em vez de rejeitar a teoria finalista, o neofinalismo busca expandir ou reinterpretar suas ideias para responder a críticas ou para incorporar novos conceitos, como a influência de fatores sociais ou psicológicos no comportamento humano. Neste artigo, exploraremos a contribuição do neofinalismo na formulação de um novo paradigma para a responsabilização penal dos crimes de corrupção, com ênfase no contexto empresarial, considerando a Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), a nova Lei de Improbidade Administrativa e a crescente demanda por uma responsabilização mais efetiva das pessoas jurídicas.

A corrupção, em suas múltiplas facetas, constitui um dos maiores desafios para o Estado Democrático de Direito, especialmente no que tange à preservação da integridade da Administração Pública e à confiança da sociedade nas instituições. A Lei 12.846/2013, também conhecida como Lei Anticorrupção, representou um avanço significativo ao prever a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas por atos de corrupção, independentemente da comprovação de dolo ou culpa. Contudo, a aplicação dessa norma tem revelado lacunas e desafios que exigem uma abordagem mais sofisticada e condizente com a realidade empresarial.

O neofinalismo, ao incorporar a análise dos fins pretendidos pelos agentes dentro de um contexto normativo e social mais amplo, permite uma compreensão mais aprofundada das dinâmicas de corrupção, especialmente no âmbito empresarial. Tradicionalmente, o direito penal brasileiro esteve fortemente centrado na responsabilização individual, o que se mostrou insuficiente diante da complexidade das estruturas empresariais modernas, em que a prática de atos corruptos frequentemente envolve a participação de múltiplos agentes e setores, tornando difícil a identificação de uma vontade dolosa específica.

A partir da perspectiva neofinalista, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas deve ser reavaliada para além do conceito de culpa organizacional, propondo um novo paradigma que considere a intencionalidade coletiva e os fins subjacentes às práticas empresariais corruptas. Isso implica em um deslocamento do foco tradicional na identificação de culpados individuais, para uma análise mais holística e funcional das estruturas empresariais e das culturas organizacionais que favorecem ou toleram a corrupção. Neste sentido, a tipicidade penal das condutas empresariais corruptas deve ser redefinida para abarcar não apenas os atos isolados de seus sócios e integrantes, mas também as omissões e práticas corporativas que, direta ou indiretamente, incentivam ou permitem a ocorrência de atos corruptos.

Este novo paradigma deve, portanto, reconhecer a empresa como um ente dotado de uma vontade coletiva, cuja culpabilidade é aferida a partir de suas políticas, procedimentos e práticas corporativas. A responsabilidade penal da pessoa jurídica, sob esta ótica, não seria meramente objetiva, mas sim decorrente de uma análise do nexo entre as decisões corporativas e os atos de corrupção praticados. A empresa, ao adotar políticas que favorecem práticas ilícitas, estaria agindo com dolo coletivo, integrando assim a finalidade criminosa ao núcleo da estrutura típica do crime.

Além disso, a partir de uma perspectiva neofinalista propomos uma responsabilização mais dinâmica e adaptativa, capaz de responder às mudanças e complexidades do ambiente empresarial. Isso se traduz na necessidade de incorporar à legislação mecanismos que permitam a revisão contínua e a adaptação das normas penais às novas práticas empresariais e às inovações tecnológicas que possam favorecer a corrupção. A flexibilização das penas, com a inclusão de medidas como programas de compliance e acordos de leniência, deve ser vista não apenas como sanções, mas como mecanismos preventivos que alinhem as finalidades empresariais aos princípios de integridade e transparência.

No âmbito da Lei de Improbidade Administrativa, lapidada pela Lei 14.230/2021, o neofinalismo também oferece ferramentas valiosas para uma abordagem mais integrada e eficaz. A improbidade administrativa, enquanto manifestação da corrupção no setor público, frequentemente envolve a colaboração e participação de empresas privadas, o que reforça a necessidade de uma responsabilização conjunta e coerente entre as esferas penal e administrativa. O novo paradigma neofinalista propõe, portanto, uma harmonização entre as sanções penais e administrativas, de modo que a punição não se limite a aspectos formais, mas abranja a totalidade das práticas ilícitas, considerando a finalidade e os contextos em que ocorrem.

Nesse sentido, a persecução penal e a administrativa, no âmbito empresarial, devem ser vistas como partes de um mesmo processo de responsabilização, em que as sanções aplicadas em uma esfera possam complementar e reforçar as da outra. A adoção de penas que visem não apenas a punição, mas também a reestruturação das empresas e a promoção de uma cultura de integridade, pode ser um passo decisivo na construção de um novo modelo de combate à corrupção.

Ademais, o neofinalismo, ao ressaltar a importância do contexto normativo e social, aponta para a necessidade de uma abordagem preventiva que vá além da mera punição. A criação de novos paradigmas para os crimes de corrupção exige que o direito penal, em consonância com outras áreas do direito e com as políticas públicas, adote uma postura proativa, voltada para a transformação das condições que propiciam a corrupção. Isso inclui o fortalecimento das instituições de controle, a promoção da transparência e a conscientização da sociedade sobre os efeitos perniciosos da corrupção.

Em conclusão, o neofinalismo, neste contexto, oferece uma base teórica sólida para a construção de um novo paradigma de responsabilização penal nos crimes de corrupção, especialmente no âmbito empresarial. Ao reconhecer a complexidade das práticas corruptas e a importância da análise finalista em um contexto normativo e social mais amplo, essa abordagem permite uma responsabilização mais justa e eficaz das pessoas jurídicas, sem descurar da necessária persecução dos atos de improbidade administrativa. Este novo paradigma, ao integrar a análise das estruturas corporativas e a cultura organizacional ao direito penal, tem o potencial de revolucionar a forma como a corrupção é combatida no Brasil, promovendo uma maior coerência e efetividade na aplicação da lei penal e administrativa.

 

Imagem Ilustrativa do Post: 2560px still from the 'Monkaa' Creative Commons Attribution 'open movie'. // Foto de: Futurilla // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/futurilla/35371308085

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura