A CONTESTAÇÃO COMO INSTRUMENTO PROCESSUAL APTO A AFASTAR A ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA ANTECIPADA

13/07/2020

Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi

Em linhas iniciais, é relevante destacar que há autores e juristas que defendem que somente a interposição de Agravo de Instrumento (artigo 1.015, I, do CPC/15) seria capaz de impedir a estabilização. Todavia, outros autores sustentam que, no artigo 304 do CPC, aonde se lê ‘‘recurso’’, a interpretação mais correta, partindo de uma leitura constitucional, seria ler ‘‘impugnação lato sensu’’. Dessa maneira, a simples apresentação de contestação ou reconvenção, no prazo do agravo de instrumento, já seria suficiente para promover o afastamento da estabilidade.

De igual forma, é importante citar uma curiosidade acerca do processo legislativo que originou o atual Código de Processo Civil. A versão aprovada no Senado, no ano de 2010 (artigos 281, parágrafo 1º e 282 do PLS 166/2010) referia-se, de forma ampla, à ‘‘impugnação’’. Entretanto, a versão aprovada na Câmara em 2014 (artigo 305 do PL 8.046/2010) passou a referir-se, tão somente, ao ‘‘recurso’’. Então, a versão aprovada posteriormente pelo Senado, em dezembro de 2014, sendo objeto de sanção presidencial em março de 2015, manteve a restrição terminológica operada pela Câmara e, portanto, o artigo 304 do Código de Processo Civil de 2015 menciona ‘‘recurso’’, ao invés de ‘‘impugnação’’[1].

Para Bruno Garcia Redondo, a interpretação constitucional mais adequada para o artigo 304 do Código de Processo Civil de 2015, à luz das garantias do contraditório e da ampla defesa é, não obstante a modificação de nomenclatura ao longo do procedimento legislativo, qualquer ato impugnativo lato sensu do réu, apresentado dentro do prazo do recurso, possuindo o condão de impedir a estabilização da tutela antecedente e a extinção do processo. Assim, seja a interposição do Agravo de Instrumento, seja a propositura de demanda impugnativa autônoma (apenas reclamação, pois, como não temos coisa julgada, não caberia nesse momento a ação rescisória), seja ainda a apresentação, em primeiro grau, de contestação ou reconvenção. Isso porque, a estabilização seria uma sanção pela inércia do réu. Vindo ele, então, a resistir ao pedido do autor por qualquer dos atos supracitados, desde que dentro do prazo para a interposição do Agravo, ficaria impedida a estabilização dos efeitos da tutela antecipada antecedente e afastada, portanto, a extinção do processo. [2]

Dessa forma, seguindo o entendimento doutrinário no sentido de que qualquer manifestação do réu, e não somente a interposição do respectivo recurso, como diz a lei, seria capaz de impedir a estabilização da Tutela Antecipada, o Superior Tribunal de Justiça, inicialmente, adotou este posicionamento. Assim, a leitura do dispositivo legal que trata da estabilização, qual seja, o 304 do CPC/15, deveria ser realizada a partir de uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, sob pena de se estimular a interposição de agravos de instrumentos, que acabariam por sobrecarregar desnecessariamente os Tribunais, conforme o Recurso Especial 1.760.966/SP.

No mesmo sentido, Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira sustentam que, se o réu não interpõe o recurso de agravo de instrumento dentro do prazo, mas resolve antecipar o protocolo de sua defesa, afasta-se a sua inércia, o que acaba por impedir a estabilização. Afinal, se contesta a tutela antecipada e a própria tutela definitiva, será necessário dar seguimento ao processo, para o Juiz aprofundar sua cognição e decidir se mantem a decisão antecipatória ou não. Isso porque, não se pode negar à parte ré o direito a uma prestação jurisdicional de mérito definitiva, com aptidão para formar a coisa julgada. [3]

Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero também entendem dessa forma, afirmando que pode acontecer de o réu não interpor o recurso de Agravo de Instrumento, mas desde logo oferecer contestação, no mesmo prazo. Ou, ainda, manifestar-se dentro desse mesmo prazo, requerendo a realização de audiência de conciliação ou mediação. Nesse cenário, tem-se que entender que a manifestação da parte ré em primeiro grau de jurisdição serve tanto quanto a interposição de recurso para impedir a estabilização dos efeitos da Tutela. Nota-se, dessa maneira, a devida relevância para a manifestação de vontade constante na contestação ou do requerimento pela audiência de conciliação, visto que a vontade do réu é inequívoca no sentido de exaurir o impasse com o prosseguimento do procedimento. [4]

Semelhantemente, a melhor resposta para o professor Cássio Scarpinella Bueno diante da análise sobre a tese apresentada seria a aceitação da leitura ampliativa do texto do caput do artigo 304 do CPC/15. Qualquer manifestação expressa do réu em sentido contrário à tutela provisória antecipada em seu desfavor deve ser compreendida no sentido de inviabilizar a estabilização. [5]

Daniel Amorim Assumpção Neves possui um entendimento ainda mais amplo e admite qualquer forma de manifestação de inconformismo do réu, ainda que não seja voltado à impugnação da decisão concessiva de tutela antecipada antecedente, sendo suficiente para se afastar a estabilização prevista no artigo 304 do CPC/15. Segundo o autor, o réu pode, à título de exemplo, peticionar perante o próprio juízo que concedeu a tutela antecipada afirmando que embora não se oponha à tutela antecipada concedida não concorda com a estabilização, e que pretende dar continuidade do processo com futura prolação de decisão de mérito fundada em cognição exauriente, passível de formação de coisa julgada material. Dessa forma, entende que a mera irresignação em primeiro grau, ainda que não acompanhada de pedido expresso de reforma ou anulação de decisão, já será o suficiente para se afastar a aplicação do artigo 304 do CPC/15. Além disso, a própria hipótese de oposição de Embargos de Declaração com efeitos modificativos ou infringentes, nos quais é possível a reforma ou anulação da decisão recorrida, seria capaz de evitar a estabilização da Tutela Antecipada pois, neste diapasão, os Embargos tentarão cumprir o objetivo de qualquer outra espécie recursal, não havendo qualquer sentido afirmar que o réu deixou de se insurgir por meio de recurso cabível.[6]

Há autores, inclusive, que questionam a inconstitucionalidade da obrigatoriedade da interposição do recurso na presente situação, sendo o caso de Eduardo de Avelar Lamy e Fernando Vieira Luiz. Sob a ótica destes, não só o Agravo de Instrumento teria o condão de evitar o fenômeno da estabilização, mas também qualquer outra forma de impugnação do réu, capaz de demonstrar seu desejo de submeter à cognição exauriente da matéria, com o objetivo de formação de coisa julgada, bem como a manifestação tendente a desconstituir dito pronunciamento judicial. Por essa via, o melhor caminho processual seria a partir de uma leitura constitucional do processo, que faça o instituto se amoldar à Constituição. Isso porque o direito de ação impende reconhecer que o autor detém a possibilidade de discutir de forma ampla o direito material posto em jogo e de buscar a cognição exauriente, a fim de formar, ao final, a coisa julgada e ver definitivamente resolvida a questão.[7]

Recentemente, em 03 de outubro de 2019, o Superior Tribunal de Justiça reconsiderou seu posicionamento no Recurso Especial 1.797.365/RS, compreendendo que, onde está escrito ‘‘respectivo recurso’’, deve-se ler exatamente assim.

Humberto Theodoro Júnior defende a corrente restritiva. Para o respeitável professor, uma leitura ampliativa não afigura uma boa medida, visto que não se compatibiliza com o procedimento legal, que cuida da audiência e contestação somente após a emenda à inicial, para formular o pedido principal da parte autora. Por esse entendimento, contestar antes de o pedido ter sido devidamente complementado e antes de realizada a audiência de conciliação provocaria um tumulto e uma subversão do procedimento comum, ao qual se sujeita a medida antecipatória caso não seja concedida. Na sua visão, só a inquietação com a economia processual não justifica a solução extralegal em cogitação, visto que fatalmente conduziria a perplexidades e procrastinações maiores que a própria interposição de Agravo de Instrumento para evitar a estabilização de Tutela de Urgência Antecipada. [8]

Cabe ressaltar que ambos os julgados mencionados são Recursos Especiais, proferidos em casos individuais e, portanto, não integram nenhuma das hipóteses de precedentes do artigo 927 do Código de Processo Civil.

Todavia, parece que o acórdão do Recurso Especial 1.760.966-SP atende mais ao princípio da razoabilidade, diante de uma visão constitucional do processo. Isso porque, no referido julgado, observamos uma interpretação ‘‘teológica e sistemática’’ do instituto, que se atenta à finalidade e a coerência na regulação da estabilização da Tutela Antecipada, com enfoque na redução da litigiosidade, diante da satisfação de ambas as partes no mundo do ser.

Por esse aspecto, havendo outras circunstâncias que evidenciem o interesse do réu em dar continuidade na demanda, capaz de expressar sua insatisfação com o resultado da decisão em que foi concedida a Tutela Antecipada, deverá a estabilização ser afastada.

Há que se mencionar, igualmente, que o entendimento lato sensu sobre o meio adequado de afastar a estabilização promoveria a igualdade no tratamento das partes. Isso porque, o autor, ao realizar sua manifestação pela escolha da estabilização, exterioriza essa vontade por intermédio de uma petição simplificada, conforme prevê o próprio artigo 303 do CPC/15. Por outro lado, a manifestação de vontade do réu, em não concordar com a decisão que acaba por conceder a Tutela Antecipada, é condicionada à um recurso, sendo exigido, dessa maneira, um meio mais complexo. Nota-se, dessa forma, que a simplicidade processual conferida ao autor deveria ser igualmente oferecida ao réu, fazendo jus, inclusive, a conotação instrumentalista que o procedimento antecedente possui como característica.

Nessa perspectiva, é latente que a via recursal se apresenta como mera ferramenta para um objetivo distinto ao que se dedica. Não é conveniente aceitar que a própria legislação estimule a interposição de recursos infundados, tendo-se em vista que o mero ato de interpô-lo, por si só, obsta o regime estabilizatório.

Ademais, o deferimento de uma Tutela no procedimento Antecedente já acaba por implicar em um sacrifício momentâneo do contraditório. Então, interpretando o impasse por uma diretriz constitucional, não parece acertado onerar ainda mais o contraditório com a rigidez de letra seca da Lei. A mera interpretação literal do dispositivo pode acabar, de fato, prejudicando a ampla defesa, bem como o caráter instrumental do processo. Apesar do ipsis litteris do artigo 304 do CPC/15, não se pode olvidar as normas fundamentais que possuem o objetivo de orientar o Processo Civil como um todo. E, por essa via, o emprego da interpretação literal do referido dispositivo colidiria com a celeridade processual e com a própria garantia fundamental do acesso à justiça.

Conclui-se que a flexibilização da leitura da Lei pode ser interpretada como um avanço no mundo jurídico, desde que resguardado os limites legais, haja vista a relevância da segurança jurídica. É incumbência da Jurisprudência, e da literatura processual, proporcionar coerência ao conjunto de regras que parece não dialogar entre si. Como estamos diante de uma Lei Federal, observando nossa ordem constitucional, o Superior Tribunal de Justiça deveria avocar essa figura de uniformar a Jurisprudência, mantendo-a estável, íntegra e coerente, tarefa prevista no próprio CPC/15, mais especificamente no artigo 926.

Como se pôde perceber, trata-se de um grande e evidente desafio hermenêutico. Portanto, diante das decisões e reflexões explanadas, é notório que a matéria vem carregada de questionamentos e críticas. A tarefa agora é, não só buscar a melhor interpretação, seja ela stricto sensu ou lato sensu, mas, também, atentar-se para eventuais correções de rumos que possam ser realizadas, bem como acompanhar o posicionamento dos Tribunais Superiores de nosso país pois, apesar das decisões terem sido proferidas inter partes, existe um sistema promissor de precedentes em nosso ordenamento jurídico.

 

Notas e Referências

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão nº Recurso Especial 1706966/SP. Relator: Relator Marco Autélio Bellizze. Brasília, DF, 04 de dezembro de 2018. Dje. Brasília, 07 dez. 2018.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão Recurso Especial nº 1.797.365/RS. Relator: Ministro Sérgio Kukina. Brasília, DF, 03 de outubro de 2019. Dje. Brasília, 22 out. 2019.

BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil: Volume Único. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2018, 912 p.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2020. 568 p.

DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. 11ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2016, 687 p.

GOUVEIA, Lúcio Grassi de; PEREIRA, Mateus Costa. Breves comentários acerca da estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente. Revista de Processo, São Paulo, v. 280, p. 185-209, jun. 2018.

LAMY, Eduardo de Avelar; LUIZ, Fernando Vieira. Estabilização da tutela antecipada no novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, v. 260, p. 105-129, out. 2016.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Manual do processo Civil. 4 ed. São Paulo: RT, 2019, 690 p.

MILAGRES, Marcelo de Oliveira. Tutela provisória e a liminar possessória. In: NETTO, Felipe Peixoto Braga; SILVA, Michael César; THIBAU, Vinícius Lott (org.). O Direito Privado e o Novo Código de Processo Civil: repercussões, diálogos e tendências. Repercussões, Diálogos e Tendências. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 169-178.

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REDONDO, Bruno Garcia. Estabilização, modificação e negociação da tutela de urgência antecipada antecedente: principiais controvérsias. Revista de Processo. São Paulo: RT, a 40, v. 244. Jun. 2015. p. 167-194.

THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Volume I: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento, procedimento comum, 60ª ed. Rio de Janeiro: Forense: 2019, 1328 p.

VIEIRA, Rhayne Kerllen Pereira. Método de impugnação da estabilização da tutela antecipada antecedente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5740, 20 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69123. Acesso em: 30 abr. 2020

[1] REDONDO, Bruno Garcia. Estabilização, modificação e negociação da tutela de urgência antecipada antecedente: principiais controvérsias. Revista de Processo. São Paulo: RT, a 40, v. 244. Jun. 2015.

[2] REDONDO, Bruno Garcia. Estabilização, modificação e negociação da tutela de urgência antecipada antecedente: principiais controvérsias. Revista de Processo. São Paulo: RT, a 40, v. 244. Jun. 2015.

[3] DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. 2016, p. 622.

[4] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Manual do processo Civil. 2019, p. 259.

[5] BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil: Volume Único. 2018, p. 300.

[6] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2018. pág. 524-525 e 527.

[7] LAMY, Eduardo de Avelar; LUIZ, Fernando Vieira. Estabilização da tutela antecipada no novo Código de Processo Civil. 2016. p. 105-129.

[8] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil - Teoria Geral do Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento e Procedimento Comum. Volume I. 2017, p 683.

 

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