A construção do conceito material de culpabilidade de Hans Welzel

05/03/2015

Por Marina de Cerqueira Sant´Anna - 04/03/2015

Parte 3

Veja a Parte 1 aqui

Veja a Parte 2 aqui

O modelo finalista, que instituiu o novo sistema jurídico penal, pautou-se em estruturas lógico-objetivas, representadas pela ação finalística e pelo reconhecimento do livre arbítrio para conceber a ação, ontologicamente, de forma pré-jurídica, como o exercício de uma atividade finalística, ou seja, como um movimento humano dirigido a uma determinada finalidade[1].

Nesse contexto, os elementos subjetivos passaram a ser analisados no âmbito da tipicidade, já que, como o dolo e a culpa pertencem à ação humana, não poderia haver a configuração de uma conduta típica sem a sua constatação e, nessa medida, sem uma finalidade.

A culpabilidade se tornou, portanto, normativa pura, representando um juízo de valor consubstanciado pelo “poder atuar de outro modo” e composto pela imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.

Com efeito, na Teoria Finalista, o objeto da culpabilidade passou a ser apreendido de uma dupla relação, fundada na constatação de que a ação de vontade do autor não ocorreu conforme o direito e de que o autor poderia e devia ter realizado sua conduta voluntariamente conforme a norma[2].

Nesta feição, Hans Welzel revela que:

[...] A antijuridicidade é, como vimos, uma relação de discordância entre a ação e o ordenamento jurídico [...] A culpabilidade não se conforma com essa relação de discordância objetiva entre a ação e o ordenamento jurídico, mas lança sobre o autor a reprovabilidade pessoal por não haver omitido a ação antijurídica apesar de tê-la podido omitir. A culpabilidade contém, pois, dupla relação: a ação do autor não é como exige o Direito, apesar de o autor ter podido realizá-la de acordo com a norma. Nessa dupla relação, do não dever ser antijurídica com o poder ser lícita, consiste o caráter específico de reprovabilidade da culpabilidade [...] O Juízo de desvalor da culpabilidade vai mais além, e lança sobre o autor a reprovabilidade pessoal por não haver atuado corretamente apesar de ter podido obrar conforme a norma[3].

A reprovabilidade da culpabilidade pressupõe, nessa esteira de intelecção, que o sujeito tenha podido adotar uma resolução de vontade antijurídica conforme a norma, e isso não no sentido abstrato de um homem qualquer no lugar do autor, mas no sentido concreto de que esse homem, naquela determinada situação, podia e devia atuar conforme o Direito.

Como bem pontua Sebástian Borges de Albuquerque Mello:

[...]Welzel conceitua culpabilidade como a falta de autodeterminação conforme o sentido em um sujeito que era capax de tê-la. Não é a decisão em si mesma, mas sim o fato de o ser humano deixar-se arrastar por impulsos contrários ao valor. Portanto, a culpabilidade não seria uma livre decisão em favor do mal; ela consiste no fato do sujeito deixar-se prender pela coação causal dos impulsos, sendo capaz de determinar-se conforme o sentido [...][4].

A liberdade humana é, portanto, concebida como um dado ontológico, pré-jurídico, inerente ao homem, sendo definida como “a capacidade de poder reger-se conforme os fins”[5]. De acordo com Hans Welzel, é a liberdade humana que determina a possibilidade de atuar de outro modo, configuradora da culpabilidade puramente normativa, compreendida como uma falta de decisão conforme o sentido de um sujeito responsável[6].

Nesse mesmo contexto sustenta Sebástian Borges de Albuquerque Mello que a construção do injusto penal e do fundamento material da culpabilidade em Welzel tem íntima correlação com a ideia de livre arbítrio, assim concebido em um triplo aspecto: antropológico, caracteriológico e categorial[7].

Observa-se, que a teoria normativa pura da culpabilidade, adotada pelo Código Penal Brasileiro, utiliza, como pressuposto, a liberdade humana (“livre arbítrio”), assentada na noção de autodeterminação conforme o sentido. Diante de tal formulação teórica, surgem as seguintes indagações: é teoricamente possível a adoção de uma resolução de vontade correta no lugar da equivicada? E, No caso de que seja admitida essa possibilidade, o autor concreto teria essa capacidade?[8]


MarinaGraduada em Direito pela Universidade Salvador (UNIFACS), Especialista em Direito do Estado pelo Instituto Excelência- JUSPODIVM, Especialista em Ciências Criminais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Servidora Publica do Ministério Público do Estado da Bahia e membro efetivo do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP).


[1] WELZEL, Hans. O Novo Sistema Jurídico Penal. Tradução de Luiz Regis Prado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

[2] Ibidem.                                                                                                                                                              

[3] Ibidem. P. 86.

[4] MELLO, Sebástian Borges de Albuquerque. O Conceito Material de Culpabilidade . O fundamento da imposição da pena a um indivíduo concreto em face da dignidade da pessoa humana. Salvador:Editora JusPODIVM:2010.P.162.

[5] WELZEL, Hans. O Novo Sistema Jurídico Penal. Op. Cit. P.100.

[6] Ibidem.

[7] MELLO, Sebástian Borges de Albuquerque. O Conceito Material de Culpabilidade. O fundamento da imposição da pena a um indivíduo concreto em face da dignidade da pessoa humana. Op. Cit.

[8] WELZEL, Hans. O Novo Sistema Jurídico Penal. Op Cit.P.94.


Imagem Ilustrativa do Post: Black & White Flower (...) // Foto de: Vinoth Chandar // Sem alterações Disponível em: http://www.flickr.com/photos/44345361@N06/6895047173 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura