A Construção do Conceito Limite do Político pela Teoria Schmittiana  

29/05/2019

Coluna Substractum / Coordenadores Natã Ferraz, Juliana Jacob e Luciano Franco

Carl Schmitt, natural de Plettenberg, na Alemanha, viveu por 96 anos e foi um renomado estudioso e pensador político. A literatura Schimittiana é de certa forma bastante vasta, abarcando os campos acadêmicos da ciência política, sociologia, filosofia, direito, teologia, bem como dentre as obras se encontram relatos de viagens, interpretações de textos tradicionais da literatura alemã, sátiras e investigações históricas.

Schmitt manifesta em grande medida a influência decorrente de uma família ultra católica que se exteriorizou em sua conexão com partido nacional socialista alemão, bem como em relações com o próprio governo nazista. Tais conexões de Carl Schmitt, em certo sentido, pode-se dizer, acabaram causando o desprezo da sua condição de jurista pela sociedade ocidental.

Nada obstante, não há que se negar que a obra do pensador, sistematizada nas relações de amizade-inimizade, foi de grande envergadura para a sedimentação da política enquanto uma ciência autônoma. O Conceito do Político de Carl Schmitt é dentre a ampla produção do autor, sua obra mais conhecida, tanto é que por muito tempo ficou sendo o único livro do pensador traduzido para a língua inglesa.

Não é novidade no campo da ciência política a tentativa de conceder ao político um viés de autonomia, de modo a dissocia-lo dos diversos outros campos da vida comum, já que é significativo o conjunto de obras e teóricos que se debruçaram sobre a questão. Todavia, Schmitt inova na forma pela qual aborda e dá o devido tratamento à problemática, na medida em que sua principal intenção concentra-se em promover a política enquanto uma matéria significativamente autônoma, propondo limites e critérios que seriam as balizas norteadoras para a nova ciência.

Para Schmmitt o Estado é genuinamente o locus do político, o que se depreende da seguinte expressão: “El concepto del Estado supone el de lo Político” (SCHMITT, 1932, p. 49). Eis o ponto de partida para se pensar o político, tendo em vista que o Estado concentra o domínio exclusivo da atividade política. Em outras palavras: Não havendo Estado não há política.

Ao centralizar o foco no Estado como o lugar, por excelência, no qual se manifesta o político, evidencia-se o bloqueio do Estado Total, que se refere ao ato de repelir a irrupção dos mais variados e diferentes conteúdos de outras searas da sociedade no âmbito político.

Nesta senda Schmitt refuta a teoria de que tudo é política, na medida em que uma eventual concepção neste sentido insere ao conceito elementos que são intrinsecamente estranhos ao político, o que apesar de ser usual na contemporaneidade, acaba por trazer à baila uma investida que tende a neutralizar o político. Assim, uma vez que o social penetra no político, tem-se como resultado a perda da referência do Estado como localização da política. O objetivo da obra concentra-se na construção de um conceito que resguarde a autonomia do político, isto é, “o grau extremo do político”.

Por el contrario la ecuación estatal=político se vuelve incorrecta e induce a error em la precisa medida em la que Estado y sociedade se interpenetran reciprocamente; em la medida em que todas las instancias que antes eran estatales sevuelven sociales y, a la inversa, toda las instancias que antes eran meramente sociales se vuelven estatales, cosa que se produce com caráter de necesidad n uma comunidade organizada democraticamente. Entonces los âmbitos antes neutrales –religión, cultura, educación, economia- dejan de ser naturales en el sentido de no estatales y no políticos. Como concepto opuesto a essas neutralizaciones y despolitizaciones de importantes domínios de la realidade surge um Estado tata/basado em la identidade de Estado y sociedade, que no se desinteressa de ningún domínio de lo real y está dispuesto em potenciaa abarcarlos todos. De acuerdo com esto, em esta modalidade de Estado todo es al menos potenciamente político, y la referencia al Estado ya no está em condiciones de fundamentar ninguna caracterización específica y distintiva de lo político. (SCHMITT, 1932, p. 53)

Diante da complexidade de estabelecimento de forma precisa acerca do que é ou não é o político, o autor se propõe a trazer um conceito que viabilize a identificação do momento preciso do político, isto é, a fórmula pela qual se pode discernir um fenômeno como político ou não político. “[...] promover uma definição no sentido de um critério e não uma definição exaustiva ou um conteúdo indicativo”. (SCHMITT, 2007, p. 26).

Desta feita, trata-se o conceito do político de um critério. Schmitt dissocia da política o que não lhe é próprio, ou seja, diferencia o campo da política, por excelência, dos demais campos do agir humano, quais sejam: estético, econômico, moral, etc.

Com efeito, se o domínio do estético é demarcado pela distinção entre o belo e o feio; o domínio do econômico com a distinção entre o beneficial e o prejudicial ou entre o rentável e o não rentável; e o domínio da moral determina-se com a distinção do bem e do mal. Em termos de política, tal distinção se faz através do critério do amigo-inimigo.

Cabe ressaltar que o autor deixa claro que se refere ao inimigo público, a fim de que não se confunda inimigo com o indivíduo pelo qual, por questões particulares, não se tolera.

Enemigo no es pues cualquier competidor o adversário. Tampoco es el adversario privado al que se detesta por cuestión de sentimentos o antipatia. Enemigo es sólo um conjunto de hombres que siquiera eventualmente, esto es, de acuerdo con uma posibilidad real, se opone combativamente a otro conjunto análogo. Sólo es enemigo el enemigo público, pues todo cuanto hace referencia a um conjunto tal de personas, o en términos más precisos a un pueblo entero, adquiere e o ipso carácter público. (SCHMITT, 1932, p. 58 e 59).

O critério do político, que se exterioriza nas relações amigo/inimigo, constitui o conceito limite do político. Daí que a mais extrema manifestação de inimizade manifesta-se nas situações de guerra, as quais consequentemente, permitem o reconhecimento da natureza das formas da política. E é na conjuntura de uma guerra que se pode perceber, por meio de um panorama privilegiado, o que não se capta no cotidiano e no habitual. Isso porque é na circunstância fática de uma guerra em que a ótica presente em cada indivíduo acerca do político será desenvolvida, o que não se processa em situações ordinárias e corriqueiras.

Assim, ao romper com a normalidade, a guerra, em sua perspectiva genuinamente de exceção, apresenta-se reveladora, na medida em que anuncia a essência do político. Sucintamente, significa dizer que a guerra faz emergir o político, e que portanto a guerra é a condição existencial da política. Sob este enfoque, sobreleva ressaltar que Schmitt não quer dizer que a política tem como finalidade ou objetivo a iminência de uma guerra, todavia, não há que se negar que a guerra é uma probabilidade que se manifesta na política.

No posicionamento de Carl Schmitt a probabilidade de haver guerra é o político. Embora esta concepção, em certo sentido radical, seja o que concede originalidade a obra, não se trata de entender o conceito do político, pura e simplesmente, como conflito, mas sim em pensa-lo e refleti-lo sob um grau extremo.

Não se pode negar a relevância do elemento guerra na proposição do conceito do político, o que por outro lado, não implica em uma defesa propriamente dita da eventualidade da guerra, já que fica claro que a guerra não é o fundamento nem o objetivo da política. Além disso a guerra não se insere na demarcação dos elementos amigo/inimigo, nem tampouco é conteúdo da política, mas sim, a guerra é possibilidade da política.

Estabelecer o conceito do político como um grau máximo de intensidade do político, embora seja a grande inovação da teoria Schmittiana, pode também representar um perigo. Uma vez que o inimigo se encontra destituído de quaisquer substâncias, existe então um vazio lançado que deverá ser preenchido. Nesse sentido, se o lugar que ocupa o inimigo está vazio, ele pode ser preenchido por qualquer elemento. E é o soberano, no bojo de sua unidade política, que dispõe da prerrogativa para decidir acerca do inimigo, é pois, o soberano quem desvela os grupos aos quais devem ser combatidos.

A decisão referente ao preenchimento do lugar do inimigo é, o que em alguma medida, parece ser arbitrário em Schmitt, pois torna a decisão perigosa, uma vez que não há um fundamento pela qual tal decisão deve se respaldar. Em certo sentido, o lugar da decisão é incompreensivo às percepções humanas, o que pode culminar no aparecimento do autoritarismo.

Há presente na obra de Schmitt a crítica à teoria liberal, cujo panorama e princípios tinham na mira a retirada da natureza autônoma do Estado, de certo modo despolitizando-o, já que despreza sua unidade política. Ao promover uma padronização entre sistema estatal e demais sistemas sociais, regula-se o controle estatal em face das contradições oriundas das instituições sociais (econômicas, religiosas, sindicatos, associações).

Em remate, o pensar de Carl Schmitt conceitua de modo límpido e conciso a natureza autônoma e soberana, bem como o âmago do político, por meio de reflexão crítica às condutas oriundas do pensamento liberal. A problemática pronunciada no Conceito do Político, igualmente se apresenta nos dias de hoje.

 

Notas e Referências

SCHMITT, Carl. El concepto de lo político. Disponível em: ˂https://arditiesp.files.wordpress.com/2012/10/schmitt-carl-el-concepto-de-lo-policc81tico-completo.pdf˃. Acesso em 19 de abril de 2018.

 

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