A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O PÊNDULO DA HISTÓRIA    

13/09/2018

Através do exame da principiologia constitucional dos direitos fundamentais individuais e sociais, bem como da ordem econômica constitucional, pode-se notar que não há conflito de direitos fundamentais na ordem constitucional, mas de interpretações, por isso inútil uma solução em termos jurisdicionais e hermenêuticos,  devido a pressuposição de visões de mundo opostas das quais decorrem modelos de Estado que no texto constitucional coexistem. Esses modelos, porém, se contrapõem não só no contexto social mais amplo de polarizações político-ideológicas, mas também no contexto laboral dos próprios intérpretes oficiais do texto constitucional.

O presente texto tem como escopo refletir sobre a importância da Constituição Federal na construção de uma sociedade livre, igualitária e socialmente justa e do papel do Judiciário na promoção do princípio da supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico pátrio.

            Toda discussão jusfilosófica ao longo da modernidade revelou-se incapaz de resolver a questão do papel do Estado em relação à sociedade que o institui, tampouco será resolvida através da pena dos ministros e magistrados, pelo ótimo argumento de que tais agentes públicos não foram investidos de autoridade pelo próprio Estado senão para cumprir suas funções dentro dos limites legais e com a finalidade última de contribuir na consolidação do Estado Democrático de Direito e não de implodi-lo.

            Com efeito, não há um consenso sobre se o Estado deve guiar-se para a direita ad eternu ou, pelo contrário, se deve dirigir-se à esquerda cada vez mais. Se tem que proteger apenas indivíduos proprietários e deixá-los negociar livremente gozando de suas propriedades como bem entender. Ou, ao revés, se é seu dever destruir as liberdades individuais, o respeito às diferenças e uniformizar a vida com as camisas-de-força de uma ideologia delirante para o prazer de um grupo de sádicos presunçosos.

Por luta e empenho de homens e mulheres de valor, temos a Constituição Federal de 1988, que aponta para um outro caminho possível e sugere que devemos cuidar para que os indivíduos não ultrapassem os limites de sua liberdade, a fim de que outros possam também gozar de seus direitos e de sua vida, sob certos limites e com segurança.

            No âmbito meramente da discussão político-ideológica e doutrinária parece não haver solução conciliatória, embora, seja possível tentativas de buscar a justa medida.  Parece não ser possível superar o conflito entre o Estado liberal e o Estado Democrático de Direito como pressuposto de uma certeza que deveria funcionar como solução ideal a suplantar todas as variedades e circunstâncias da vida concreta.

            As recentes decisões prolatadas pelo STF acerca da Reforma Trabalhista, por exemplo, mostram o vigoroso papel do Poder Judiciário em sua nobre missão de diminuir a distância entre as normas constitucionais e a realidade fática, mas também indicam o inaceitável ativismo judicial subestimando a Supremacia da Constituição sobre o STF e sinalizando o contrário; pelo que deve-se ressaltar que, de nenhum modo, pode o povo tolerar a ideia de que sejam os ministros mais supremos que a própria Constituição!

            O julgamento da ADPF 324 que resultou na invalidação de trechos da Súmula 331 foi um lamentável espetáculo pelo qual as bases e valores da ordem econômica foram desprezados e aviltados, uma vez que os votos dos senhores ministros foram baseados em interpretações solipsistas, porque sem a devida e iluminadora inspiração dos princípios constitucionais, a fim de que a opção ideológica do intérprete prevalecesse sobre as os princípios constitucionais que protegem a ordem econômica, entre eles  a “propriedade privada”, a “livre concorrência” e a “busca do pleno emprego”.

            Nesta perspectiva, Mendes, Coelho e Branco (2010, p. 1360) observam que o Estado pode, por via legislativa, procurar conciliar o princípio da livre iniciativa e o princípio da livre concorrência com os princípios da defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais, indicando com isto que tais valores de que estão revestidos os referidos princípios não são realmente inconciliáveis, já que é abusivo o poder econômico que visa ao “aumento arbitrário dos lucros”.

            No entanto, deve-se com mais acuidade notar que o Legislador Constituinte funda o Estado Democrático de Direito em alguns fundamentos, entre os quais destaca-se: “Os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa”, ambos lado a lado, conquanto não nos escape aqueles que vêm primeiro[i].

            A explicação esclarecedora dos aspectos teleológicos ou finalísticos do Estado – leia-se o Estado Democrático de Direito – estabelecidos pela suprema Carta Magna obriga-o a uma atividade jurisdicional e a decisões jurídicas que pressupõem reconhecer e admitir que os princípios insertos no sistema jurídico encontra-se sempre em equilíbrio, devendo o intérprete harmonizar sua interpretação com eles também.

            Neste sentido, quis o Legislador Constituinte, dar aos julgadores o privilégio de clarificar a função disciplinadora do Estado Democrático de Direito sobre a economia do país, mas em nenhum momento ele terceirizou a responsabilidade de seus agentes, quer do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, de atuar diligentemente na configuração do controle do poder econômico e da prevenção de abusos. Caberia aos eminentes intérpretes fazer valer a interpretação da economia em termos jurídicos, contendo e delimitando os direitos e as responsabilidades dos agentes econômicos de maneira a preservar a sagrada dignidade da pessoa humana.

            A Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17) e a Lei das Terceirizações (Lei 13.429/17) foram criadas para gerar mais empregos? As políticas governamentais dos últimos tempos não parecem ser norteadas pelo princípio econômico da busca pelo pleno emprego, o qual visa assegurar uma atividade produtiva a toda a força produtiva do país que possa exercê-la e garantir a necessária renda por meio do trabalho digno.         

            Se a devida intervenção estatal que visa proteger a pessoa conforme a Constituição não for de tal modo que proteja também os agentes econômicos, principalmente os pequenos e médios empresários, a jurisdição constitucional não foi social e constitucionalmente adequada; por outro lado, se os trabalhadores forem massacrados com o pesado martelo do Judiciário, logo o pêndulo da História que ora pende para a direita, voltará a pender para a esquerda, e, quiçá, encontrará um povo mais consciente do que antes.

 

Notas e Referências

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. LEI Nº 13.429, DE 31 DE MARÇO DE 2017.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. LEI Nº 13.467, DE 13 DE JULHO DE 2017.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988.

MENDES, Gilmar; COELHO, Inocênio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva,  2010.

[i] Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Justice // Foto de: CAPTAIN ROGER FENTON 9th.WEST MIDDLESEX VRC // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/762_photo/2233509492/

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura