A constitucionalização do direito ambiental

12/08/2018

Introdução.

Ambiente, segundo dicionário Aurélio[1], é o que cerca ou envolve os seres vivos ou as coisas, por todos os lados. Por tal motivo, muitos entendem a expressão meio ambiente redundante. A definição legal de meio ambiente se encontra insculpida no art. 3º, inciso I da Lei n.º 6938/81[2], em que doutrina define ser o meio ambiente um conjunto de condições, leis, influencias e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Não há uniformidade doutrinária para a definição de meio ambiente, havendo inúmeras críticas ao conceito legal, em razão da ênfase exclusiva dos elementos biológicos (expressa uma perspectiva relacionada a ideia de direito ecológico, voltado para o ambiente natural). O texto constitucional, por sua vez, já interpretado pelo STF na ADI n.º 3540/MC de 2005[3], reconheceu a existência de quatro espécies de meio ambiente: a) meio ambiente natural, b) meio ambiente artificial, c) meio ambiente cultural e, d) meio ambiente do trabalho.

De igual forma, mostra-se também complexo pretender definir o Direito Ambiental. AMADO (2012, pg. 11) compreende o direito ambiental como sendo um ramo do direito público composto por princípios e regras que regulam as condutas humanas que afetem, potencial ou efetivamente, direta ou indiretamente, o meio ambiente, quer o natural, o cultural ou artificial.[4]

O direito ambiental, portanto, pretende ao menos: a) realizar o controle da poluição pelo licenciamento ambiental, mantendo-a dentro dos padrões legais e ambientais; b) instituir um desenvolvimento econômico que seja sustentável, atendendo as necessidades do presente sem privar a qualidade de vida das futuras gerações.

Sendo ramo do direito, o estudo da disciplina nas faculdades, de forma autônoma, evoluiu com a inclusão de um capitulo especifico na Constituição Federal de 1988 e, também, com a fixação das regras e dos princípios próprios. Atualmente, na academia, o estudo o direito ambiental é transversal, chegando aos diversos ramos do direito e às áreas do conhecimento humano.

De outro lado, a legislação ambiental brasileira é esparsa e não codificada ou consolidada em nível federal, existindo muitas leis federais e Resoluções do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente, editadas antes da CF/88 e com irresolução constitucional.

Atualmente, com a crise ambiental que assola a sociedade, o direito ambiental é chamado a fazer a imbricação com o inexorável paradoxo socioeconômico de crescer, gerar riqueza, rendas e empregos de forma sustentável. A tutela dos recursos naturais, face a degradação (ir)racionalmente do ambiente, provocada pelo Ser Humano e afetando negativamente a vida no planeta terra, passou a exigir a implementação e a efetivação de normas constitucionais ambientais, garantindo que o meio ambiente passasse a figurar na hierarquia normativa do ordenamento jurídico brasileiro.

Nesse diapasão, o presente artigo eleva os elementos relacionados à constitucionalização do direito ambiental.

Os marcos históricos propulsores da constitucionalização do direito ambiental. 

A sociedade mundial, a partir de 1960, aprofundou os estudos e os debates políticos sobre modo de produção capitalista e os efeitos da implantação de uma sociedade de consumo de massa em face do meio ambiente. O resultado foi o paradoxo de crescer economicamente sem destruir e degradar, de evoluir no uso de tecnologias sem comprometer a vida das presentes e futuras gerações, de consumir bens, produtos e serviços sem exaurir os recursos naturais, limitados e escassos para fazer frente às “inevitabilidades” de consumo da população mundial. O antagonismo da relação do Ser Humano e suas necessidades socioeconômicas com a natureza, revelou uma interdependência explicitada pela inclusão do conceito de sustentabilidade na orbita do meio ambiente; uma pretensão de garantir o crescimento econômico inescusável e realizar a preservação dos recursos naturais, elementares à sobrevivência no planeta.

A sustentabilidade ambiental, de acordo com Ignacy Sachs[5], refere-se à capacidade de sustentação dos ecossistemas, compreendida como a capacidade de absorção e recomposição dos ecossistemas. Para Sachs a sustentabilidade ambiental pode ser alcançada por meio da intensificação do uso dos recursos potenciais, com propósitos socialmente válidos; pela  limitação do consumo de combustíveis fósseis e de outros recursos e produtos presentes na natureza e com possibilidades de esgotamento ou, ainda, prejudiciais ao meio ambiente, substituindo-se por recursos ou produtos renováveis e/ou abundantes e ambientalmente inofensivos; redução do volume de resíduos e de poluição e a intensificação da pesquisa de tecnologias limpas".

Nesse sentido, os países começaram explicitamente a partir de 1960, a editar normas jurídicas rígidas para proteção do meio ambiente. No Brasil, são exemplos: o Código Florestal de 1965 (lei n.º 4.771/65), a política nacional de meio ambiente (lei n.º 6938/81) e a Lei de Crimes Ambientais em 1998, chegando ao ano de 2018 com o novo Código Florestal (lei n.º 12.651/2012), e inúmeras normas publicadas em relação à proteção do meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho.  

O marco responsável pela mudança de paradigma mundial, em relação ao meio ambiente e ao direito ambiental, foi a conferência de Estocolmo, na Suécia, ocorrida em 1972, promovida pela ONU, com a participação de 113 países, onde houve um grande alerta mundial sobre os riscos à existência humana trazidos pela degradação ambiental excessiva.

Depois de Estocolmo, dentre inúmeras outras importantes conferências, destacou-se a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, ocorrida no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, conhecida pelo codinome  de ECO 92 ou Rio 92; oportunidade em que o alerta sobre a crise ambiental mundial foi explicitado de forma técnica e científica através da aprovação e da publicação da Declaração Rio, documento contendo 27 princípios ambientais e da Agenda 21, instrumento não vinculante com metas para redução da poluição e alcance de um desenvolvimento sustentável.

A Constitucionalização. 

Desde de 1972, com Estocolmo, há uma tendência mundial na positivação constitucional do direito ambiental, oportunizando o nascimento das constituições “verdes”, fruto do Estado Democrático Social de Direito Ambiental (AMADO, pg. 19).

Para Herman Benjamin, citado por AMADO (2012, pg. 19), a partir do direito comparado, as constituições ambientais passaram a possuir as seguintes similitudes:

  1. Adoção de uma compreensão sistêmica e legalmente autônoma do meio ambiente;
  2. Compromisso ético de não empobrecer a terra e sua biodiversidade;
  3. Estimulação de atualização do direito de propriedade para adequá-lo à proteção ambiental;
  4. Opção por processos decisórios abertos, transparentes, bem informados e democráticos;
  5. Preocupação com a implementação das normas constitucionais ambientais, trazendo às constituições instrumentos de efetivação.

No Brasil, toda a base e fundamento do direito ambiental se encontra sedimentada na Carga Magna, sendo: a) competências legislativas (art. 22, IV, XII, e XXVI, art. 24, VI, VII e VIII, e art. 30, I; b) competência administrativa (art. 23, III, IV, VI, VII e XI; c) ordem econômica ambiental (art. 170, VI); d) meio ambiente artificial (art. 182), meio ambiente cultural (art. 215 e 216), meio ambiente natural (art. 225).

O legislador constituinte, ao constitucionalizar do direito ambiental (art. 225), reconheceu expressamente a existência de um direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, constituindo normas de eficácia plena e com os seguintes talantes:

  1. um direito de terceira geração (dimensão)
  2. um direito coletivo e transindividual
  3. um direito que tutela um bem, o meio ambiente, com um bem de uso comum do povo;
  4. um direito imaterial e de natureza difusa;
  5. um direito cuja titularidade é a coletividade.

AMADO (2012, pg. 20), por sua vez, aponta as seguintes individualidades que elevaram o direito ambiental ao patamar de direito ambiental constitucional:

  1. Historicidade – decorre de conquistas por lutas dos povos em prol da defesa do meio ambiente.
  2. Universalidade – são direitos dirigidos a toda a população mundial, com alguma variação entre as legislações das nações.
  3. Irrenunciabilidade – o povo não poderá abrir mão do direito ao equilíbrio ambiental.
  4. Inalienabilidade – é um bem fora do comércio.
  5. Limitabilidade – são direitos relativos, pois nenhum direito fundamental é absoluto.
  6. Imprescritibilidade – são direitos que não prescreve pelo não exercício. Assim, a pretensão de reparação do dano ambiental, segundo o STJ, é perpétua.

AMADO (2012, pg. 21), destaca-se, ainda, como consequência do status de direito fundamental, a vedação ao retrocesso ambiental, ou seja, a imposição de que a legislação ambiental deverá ser cada vez mais protetiva dos ecossistemas naturais, limitando o consumo de recursos naturais e exigindo que a sociedade (Poder Público e Coletividade), desenvolva tecnologias de uso renovável para atenuar a crise ambiental. Nesse sentido, pela constitucionalização do direito ambiental, fala-se que o Ser Humano tem direito a existência verde, aos direitos ecológicos mínimos necessários à vida no presente sem prejudicar a vida no futuro.   

O art. 225 da Constituição Brasileira, inspirado no art. 66 da Constituição Portuguesa de 1976, pode ser interpretado reconhecendo os seguintes pressupostos[6]:

Pelo teor do caput do art. 225, extraímos que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Assim, é direito de todos os cidadãos brasileiros natos ou naturalizado a qualidade de vida amparada em um ambiente ecologicamente equilibrado. O equilíbrio do ambiente é o objeto imaterial a ser preservado pelo Direito Ambiental, representado pelos recursos ambientais bióticos e abióticos. Trata-se de um bem comum (res communi).

Há uma imposição de responsabilidade pela preservação deste ambiente ao Estado enquanto Poder Público, assim como a toda coletividade com a finalidade de sua defesa para as presentes e futuras gerações. Desta forma, os sujeitos de direito presente deverão atuar para que os bens ambientais não pereçam para as futuras gerações que deles dependam. Neste sentido a responsabilização pela degradação se estende a todos os poluidores, considerados aqueles que atuam por ação ou por omissão, desde que se relacionem com o evento danoso ao meio ambiente. As tutelas civil, administrativa e penal buscam coibir as ilicitudes baseando-se muitas vezes nos princípios ambientais da precaução, prevenção, poluidor-pagador e da responsabilidade.

O status constitucional do direito ambiental modificou o centro de atenção das políticas públicas, outrora focada apenas no desenvolvimento econômico e, agora, voltada para uma sadia qualidade de vida, designo de que a sociedade deve crescer garantindo vida saudável para todos os seres viventes do planeta.

Conclusão.

A crise ambiental não deixa margem à dúvida quanto a necessidade de adequar e equilibrar o crescimento econômico à luz da regra matriz da sustentabilidade, uma vez que o desenvolvimento a qualquer custo gera mazelas sociais e ambientais que degradam e desequilibram as relações ecológicas. É indene de hesitação que o direito ambiental é, antes de tudo, um direito constitucional, restando por resolver os problemas relativos à eficácia e a efetividade da proteção do meio ambiente, representado pela fauna, pela flora, pela cultura e, especialmente, pelo Ser Humano, uma espécie aviltada, vilipendiada e torturada pela sociedade de consumo, desumana e egoísta.    

 

Notas e Referências

[1] Disponível em https://dicionariodoaurelio.com/ambiente. Acesso em 10 de ago. 2018

[2] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm. Acesso em 10 de ago. 2018

[3] Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=387260. Acesso em 10 de ago. 2018

[4] AMADO, Frederico Augusto Di Trindade. Direito ambiental esquematizado. 3º ed. Rio de Janeiro. Forense: São Paulo: Método. 2012.

[5] Disponível em http://www.culturaambientalnasescolas.com.br/noticia/meio-ambiente/o-que-e-sustentabilidade-ambiental. Acesso em 11 de ago. 2018.

[6] ALMEIDA, Paulo Santos de. O meio ambiente e sua sistematização constitucional: breves considerações. Disponível em http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2666. Acesso em 11 de ago. 2018.

 

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