Diante da presença ainda marcante de empresas familiares no Brasil e da necessidade da internalização da experiência advinda das práticas de governança e de estratégias societárias capazes de dar sustentação ao negócio no mercado, mostra-se salutar entender a holding pelo viés da proteção legal do patrimônio constituído pela entidade familiar, sob a âncora do princípio da preservação da empresa e da separação da responsabilidade patrimonial.
Todavia a solução não poderá ser desmedida e impensada, sendo preponderante a elaboração de um bem estruturado plano de reorganização societária e de sucessão empresarial.
Embora muito se venha falando sobre holding, como se algo novo fosse, fato é que sua existência remonta aos idos dos anos 70, quando da promulgação da Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, a famigerada Lei das S.A’s. Conforme disposição do artigo 2°, §3° da referida Lei, a sociedade pode ter por objeto a participação em outras sociedades, ainda que não haja previsão no estatuto, sendo esta participação facultada como meio de realizar o objeto social ou para beneficiar-se de incentivos fiscais.
Buscando-se a tradução livre para a palavra holding, ela significa segurar; manter; controlar; deter; ou seja, tudo a dar a ideia de um ente que detém o domínio; controle; poder sobre os demais.
Conforme define Tarcisio Teixeira, a holding é uma sociedade constituída para deter participação societária em uma ou mais empresas, podendo ser pura (de controle ou de participação) ou mista. A holding pura de controle exercerá o poder de controle societário, enquanto que a pura de participação apenas participa, como quotista ou acionista, sem deter o controle. Por outro lado, a holding mista caracteriza-se não apenas pela participação ou controle, mas pela efetiva prática da atividade econômica de produção ou circulação de bens e ou serviços[i]. Lembre-se que a holding, como organização empresarial, vincula-se a regulamentação do tipo societário escolhido, não havendo autonomia do conceito ou desconexão com o tipo legal adotado.
Não obstante, nem sempre a constituição de uma holding será a melhor opção a ser adotada, devendo a sua viabilidade ser avaliada caso a caso, e, preferencialmente, acompanhada de um especialista, o qual analisará a situação apresentada, as alternativas que viáveis e, por fim, definirá as estratégias a serem adotadas.
Quando se fala em planejamento estratégico societário, não causa estranheza que se busquem oportunidades para maximizar lucros e minimizar perdas. Talvez por isso, as holdings, por sua natureza e características, atraem a atenção dos profissionais do direito e áreas afins, cujas atuações convergem em prol do interesse da preservação da empresa.
A constituição deste tipo de organização societária ganhou considerável relevância nos últimos tempos entre as empresas familiares, eis que, além de estruturar/organizar a atividade empresarial, apresenta-se como uma alternativa para elaboração de planejamento sucessório, patrimonial, societário e tributário.
Por familiar, “o tratamento teórico mais comum é aquele que reconhece [...] as empresas cujas quotas ou ações estejam sob o controle de uma família, podendo ser administradas por seus membros, ainda que com o auxílio de gestores profissionais.”[ii]
Vê-se a relevância da abordagem da holding familiar quando observada a realidade do empresariado brasileiro, em que, dentre os 19 milhões de empresas existentes, 80% são familiares. Essa estatística não pode ser ignorada, uma vez que este “dado mostra o poder das empresas familiares na economia brasileira e desmistifica a crença limitante de que ‘empresa do dono’ é retrógrada e não sobrevive de uma geração para outra.”[iii]
Diante deste cenário, mostra-se de extrema relevância e notoriedade a constituição de holdings como forma de planejamento estratégico nas empresas familiares, não apenas do ponto de vista da proteção patrimonial e busca por redução da carga tributária, mas também como forma de organização societária e sucessória.
O quadro de instabilidade econômica vivida pelo país nos últimos anos, aliado à constante criação e majoração da já elevada carga tributária, fez com que inúmeras empresas familiares tenham recorrido à criação de holdings familiares/patrimoniais.
Outro fator determinante para a constituição deste tipo de organização societária é a busca pela proteção do patrimônio constituído ao longo dos anos, assim como o planejamento da sucessão destes bens.
No entanto, é preciso ter cautela com o conceito equivocado que vem se dispersando no mercado, de que seria possível “blindar” o patrimônio, por meio de sua integralização numa holding, o que impossibilitaria, desta forma, eventuais execuções contra ele. A contrario sensu, não há nenhuma hipótese, juridicamente concebível, que possibilite a proteção absoluta dos bens.
Desta forma “percebe-se de imediato que a ideia de uma estrutura em que o patrimônio esteja imune a incidências tributárias, a débitos trabalhistas ou às normas de direito de família é, obviamente, falaciosa.”[iv]
Uma vez feitas estas considerações, é necessário que, anteriormente à constituição da holding, seja realizada toda uma análise da administração do negócio, devendo ser observados os processos reestruturais da empresa, para que se defina qual a melhor arquitetura para as atividades produtivas, buscando-se aquela que melhor expresse a realidade vivida pela empresa e projete seus objetivos futuros, como indica Gladston Mamede[v]. Em outras palavras, a constituição de uma holding nem sempre será a melhor opção a ser seguida.
Se, da análise do negócio, chegue-se à conclusão de que será viável a criação da holding, o próximo passo a ser dado é a reestruturação societária do empreendimento. De nada adiantaria toda a análise prévia à constituição da holding, caso não houvesse a construção de um contrato/estatuto social bem elaborado para dar sustentação à operação.
Quer se queira quer não, é preciso lembrar-se de que, numa empresa familiar, o relacionamento entre seus membros ultrapassa a esfera meramente profissional, o que pode acabar gerando situações estranhas ao cotidiano empresarial, influenciadas pela carga negativa de sentimentos como amor, ódio, ressentimento, gratidão, ciúme, paixão, etc., situações estas advindas de relacionamentos domésticos.[vi]
Os benefícios do planejamento societário, nas palavras de Gladston Mamede, demonstram que:
[...] por um lado, uma boa estruturação societária compreenderá as características e as necessidades das atividades negociais para, então, sugerir uma distribuição do conjunto dos atos empresariais por uma ou mais pessoas, concentrando numa só sociedade ou desmembrando por duas ou mais, de modo a otimizar relações jurídicas, conter custos e riscos etc. Por outro lado, a parte não operacional do patrimônio da pessoa ou da família pode ser, ela própria, atribuída a uma sociedade (holding) [...]. essa parte não operacional do patrimônio pode ser constituída, inclusive, pelas participações societárias, em uma ou mais sociedades, o que também será muito proveitoso [...].[vii]
Ato contínuo à reestruturação societária é imprescindível diferenciar a concepção de planejamento sucessório de sucessão empresarial, conforme expõe Moisés Oliveira:
Enquanto a sucessão empresarial se volta à substituição do controle acionário e gerencial das empresas, tendo como objetivo específico a manutenção e a perpetuação do negócio e da própria empresa — considerada enquanto figura dissociada dos sócios ou do quadro de acionistas — no mercado, o planejamento sucessório é um mecanismo de organização e estruturação antecipada do processo de sucessão, e que visa à garantia de que a transmissão patrimonial causa mortis seja menos traumática e mais eficiente e célere, com menor custo de operacionalização jurídica e fiscal para os envolvidos e permitindo-se a estruturação e perpetuidade do patrimônio familiar.[viii]
No contexto da referida obra, o autor citado esclarece sobre a importância do planejamento e da organização do plano sucessório, a fim de evitar que a morte de um dos membros da família repercuta em instabilidade econômica e perdas patrimoniais para a entidade familiar.
Uma vez que a holding esteja constituída, tornam-se visíveis os benefícios de natureza tributária e fiscal. Como exemplo, pode-se mencionar a antecipação dos efeitos da sucessão em vida, de forma organizada, planejada e consensualizada, o que resultará significativa redução ou eliminação de impostos, despesas e demais taxas judiciárias de um futuro processo de inventário, além de prevenir a ocorrência de conflitos e desentendimentos entre herdeiros, mola propulsora de um quadro de crise societária sistêmica, atraindo a extinção da atividade empresária.
Na hipótese de pagamento de alugueres aos imóveis integralizados na holding, a título de ganho de capital, a tributação incidente na operação corresponderá a um percentual entre 11,33% e 14,53%, ao passo que o imposto para pessoa física é de 27,5%[ix], ressalvadas as particularidades de enquadramento dos recebíveis na respectiva tabela.
Em relação ao ITBI, a Constituição da República traz uma como hipótese de não incidência a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, bem como a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil (art. 156, §2º, I).
O ITCMD incidirá tanto na transmissão pela via sucessória legítima ou testamentária, quanto pela sucessão provisória ou doação. No Paraná, a Lei 18.573/2015 estabelece que haverá incidência do ITCMD sobre a transmissão de qualquer título ou direito representativo do patrimônio ou do capital de sociedade e companhia, tais como ação, quota, quinhão, participação civil ou comercial, nacional ou estrangeira, direito societário, debênture, dividendo e crédito de qualquer natureza (art. 8°, I).
Na doação de quotas com reserva de usufruto a tributação do ITCMD, no Paraná, é diferida. Isto porque o bem é dividido em duas partes: o bem de fato, que é a nua propriedade (o terreno, a casa, o apartamento, quotas societárias, etc.) e o bem de direito, que é o usufruto (o direito de uso/habitação e o direito ao fruto proveniente de sua renda). Por isso o imposto é calculado sobre a metade do valor do bem com a base de cálculo de 50%, nas transmissões com instituição de usufruto.[x]
Com a extinção do usufruto, independentemente do motivo: falecimento, cancelamento, renúncia ou baixa, paga-se o imposto sobre o restante do valor do bem, calculado, portanto, sob a base de 50% do respectivo valor na data da extinção (data do fato gerador). Com o fim do usufruto, o bem torna-se integralmente do mesmo proprietário, que já detém a nua propriedade e passa a deter também o usufruto, desta forma, 100% do bem passa a ser de um único proprietário com 100% do imposto pago[xi].
Apesar da aparente novidade, a utilização da holding como forma de organização societária já é algo bastante comum, sendo sua criação autorizada pela Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976.
Ademais, resta evidente que a constituição de uma holding nem sempre será a solução mais eficaz para todos os casos. A análise de sua viabilidade deve ser observada caso a caso, com base em um critério multidisciplinar, ou seja, não apenas do ponto de vista jurídico, mas também sob a ótica econômica, de gestão e administração empresarial.
Como exposto, a reorganização societária, por meio da constituição da holding, pode ser utilizada para garantir a preservação e perpetuação do negócio familiar (sucessão empresarial); para organizar a transferência e proteger o patrimônio constituído pela família (desconstituição da ideia de “blindagem” patrimonial) ou como mecanismo de planejamento tributário estratégico.
Notas e Referências:
[i] TEIXEIRA, Tarcisio. Direito empresarial sistematizado: doutrina, jurisprudência e prática. 6 Ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 374.
[ii] MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta. Holding familiar e suas vantagens: planejamento jurídico e econômico do patrimônio e da sucessão familiar – 10. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018, p. 200.
[iii]TRAJANO, Luiza Helena. O valor das empresas familiares. LinkedIn. Disponível em: < https://www.linkedin.com/pulse/o-valor-das-empresas-familiares-luiza-helena-trajano/>. Acesso em 25 de ago. 2018.
[iv] OLIVEIRA, Moises M. Planejamento Sucessório e a estruturação do patrimônio em holding familiar. ConJur. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-mai-15/moises-oliveira-planejamento-sucessorio-holding-familiar>. Acesso em 25 de ago. 2018.
[v] MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta. Holding familiar e suas vantagens: planejamento jurídico e econômico do patrimônio e da sucessão familiar – 10. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018, p.67.
[vi] MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta. Holding familiar e suas vantagens: planejamento jurídico e econômico do patrimônio e da sucessão familiar – 10. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018, p. 198.
[vii] MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta. Holding familiar e suas vantagens: planejamento jurídico e econômico do patrimônio e da sucessão familiar – 10. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018, p. 13.
[viii]OLIVEIRA, Moises M. Planejamento Sucessório e a estruturação do patrimônio em holding familiar. ConJur. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-mai-15/moises-oliveira-planejamento-sucessorio-holding-familiar>. Acesso em 25 de ago. 2018.
[ix] ASSOLARI, Juliana. As vantagens da holding patrimonial. Migalhas. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI277296,61044-As+vantagens+da+holding+patrimonial>. Acesso em 04 de out. 2018.
[x] Secretaria da Fazenda do Estado do Paraná. ITCMD. Disponível em: <http://www.fazenda.pr.gov.br/arquivos/File/FAQ/PerguntasMaisFrequentesITCMD_vOUT2016.pdf>. Acesso em 28. nov. 2018.
[xi] Secretaria da Fazenda do Estado do Paraná. ITCMD. Disponível em: <http://www.fazenda.pr.gov.br/arquivos/File/FAQ/PerguntasMaisFrequentesITCMD_vOUT2016.pdf>. Acesso em 28. nov. 2018.
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