A CONDENAÇÃO E SUAS LIÇÕES JURÍDICAS   

04/07/2018

Julgar é um ato muito complexo, por isso a razão de alguns magistrados se apartarem da vida em sociedade e do convívio comum. O mister de juiz é a própria sociedade posta em função primordial. Como ensinava Edgar de Moura Bittencourt: “O magistrado é um intelectual. […] é ele o juiz, [intimado] a preencher as lacunas da lei, a contornar, quando possível, suas imperfeições, e a orientar a tarefa subsequente do legislador”.[1]

É necessário que o juiz exale o hálito da lei e que a sociedade sinta, ao cheirar esse aroma, um bom cheiro e assim tenha a sensação de segurança. Afinal, como tão bem apregoava Bergeret: “A lei é morta; O magistrado é vivo. Nisto está a grande vantagem dele sobre ela”.

O juiz, em regra, é um servidor do Estado, aprovado em rígido concurso público, com provas e atividades que perpassam, as vezes, 4 fases de perscrutações sobre o conhecimento do candidato. Diferentemente, o Tribunal Popular, ou Tribunal do Júri, é um instituto em que a sociedade se faz juiz sentada no salão de julgamentos e representadas por homens e mulheres escolhidas para aquele ato judicatório. Na maioria dos países em que se adota o rito do Tribunal do Júri, este é formado por populares, pessoas da sociedade, muitas vezes com conhecimentos anômalos da técnica ou do saber básico do Direito.

O longa é ambientado em uma pequena cidade estadunidense e traz em seu enredo dois irmãos extremamente ligados um ao outro. Betty Anne (Hilary Swank) e Kenny (Sam Rockwell) cresceram sozinhos, zelando reciprocamente pela existência dos dois. Viveram uma infância inquieta e com muitas doses de indisciplina e pequenos delitos. Já adulto, e por ter uma ficha extensa na adolescência, Kenny passa a ser perseguido pelas autoridades policiais da pacata cidade em que vive.

Sempre que ocorre um ato criminoso, Kenny é levado à delegacia, sem nenhuma prova ou indício de sua participação ou autoria. Em uma determinada manhã, a Policial Nancy Taylor, prende-o pelo assassinato de uma jovem. Dias ulteriores, Kenny está sentado no tribunal e assiste vários depoimentos atestando ser ele portador de um comportamento criminoso contumaz. No fim, Kenny é condenado à prisão perpétua.

Betty Anne acredita na inocência do irmão e nunca se conforma com o veredicto. Sem dinheiro para pagar advogado, ela resolve voltar a estudar e tentar o vestibular para Direito. Depois de formada faz o Exame de Ordem e assume o caso do irmão como sua advogada.

Algo interessante, ao assistirmos essa película cinematográfica, é a forma como o ensino jurídico é conduzido nas universidades americanas. Passa bem distante do nosso modelo brasileiro. Podemos perceber um rigor e um estilo bem mais responsável do que o nosso. O Brasil lidera o ranking de cursos de Direito no mundo, sozinhos temos 1/3 dos cursos de Direito de todo o planeta. Talvez por isso nosso método de ensino seja tão flexível como nossos discípulos. Em determinada cena podemos contemplar a professora dizer a Betty que  não receberá o seu trabalho de curso pelo atraso de 1 minuto. Em plagas brasileiras se isso ocorresse ou o aluno tentaria entregar vencendo o professor no cansaço ou, até mesmo, moveria um processo contra o mestre. Em algumas instituições que possuem o curso de Direito aqui no Brasil, temos a nítida sensação de que o aluno  comanda e conduz a forma do curso e não a instituição e seus docentes. Betty Anne mesmo com todas as dificuldades se forma e passa na Ordem dos Advogados.

Como advogada ela tem apenas um objetivo: inocentar o irmão. Afinal foi só para isso que ela voltou a estudar e se formou em Direito.

O brilhante ministro Nélson Hungria advertia: “condenar um possível delinquente é condenar um possível inocente” e Roberto Lyra, o maior Promotor de Justiça brasileiro, bradava: “melhor inocentar um culpado, do que culpar um inocente”. Gritos ululantes como estes devem ser ouvidos e ressoados aos quatro ventos na hodiernidade.

Não são com injustiças que vamos educar a sociedade, afinal não podemos olvidar de vista que o criminoso deve ter receio de praticar crimes por conta da sanção que sofrerá, e não porque será, desde o início, apenado pela sociedade sem provas ou elementos fortes e cabais para a condenação.

Nossa opinião também reside nestas sábias pérolas de juristas tão admiráveis. Não se paga o preço do crime com o valor de uma injustiça.

Durante sua via crucis em prol da liberdade do irmão, Betty encontrou um folheto que falava da descoberta do DNA e que tal avanço estaria auxiliando a inocentar pessoas acusadas de crimes infamantes, como estupros e assassinatos. Foi graças ao DNA e a um escritório que trabalhava para inocentar pessoas que Betty Anne conseguiu libertar seu irmão do cárcere perpétuo. O exame de DNA comprovou que Kenny Waters era INOCENTE!

O enredo é real, ou seja, foi escrito baseado em fatos e pessoas reais. Betty Anne se formou em Direito e lutou pela inocência do irmão, depois disso voltou para trás do balcão de um bar na função de garçonete. Kenny depois de seis meses de liberdade tragicamente morre ao cair do telhado de sua casa, mas, segundo Betty, “ele teria vivido os seis meses mais felizes de sua vida.”

No Brasil tivemos casos semelhantes de injustiças graves. Citarei dois, para não me alongar, o caso dos Irmãos Naves e o caso do mecânico Marcos Mariano da Silva. E se fôssemos falar do Julgamento de Jesus Cristo, de Sócrates, de Joana D'Arc?

Quantos mais Kennys, Naves, Marcos, Jesus, Sócrates, Joanas precisarão ter suas vidas ceifadas da convivência social para que nós tenhamos julgamentos mais justos, corretos e equilibrados?

Assistir “A Condenação” consiste em querer se melhorar para enxergar a sociedade que devemos restaurar e jamais esquecermos que a justiça aplicada pelo Estado, caros leitores, deve ter a certeza da nova aurora e a convicção da natureza, a rigidez de um monarca e a humanidade de um asceta, a fortaleza do tronco jucá e a flexibilidade do bambu, a velocidade do vento e a perseverança das abelhas-operárias. Destarte, teremos o começo da construção de um novo mundo.

Notas e Referências

A CONDENAÇÃO. Título Original: Conviction. Direção: Tony Goldwyn. Elenco: Hilary Swank, Sam Rockwell, Minnie Driver, Melissa Leo, Julliete Lewis, et. al. COR, EUA, 2011, Drama, DVD, 107 min.

[1]      BITTENCOURT, Edgard de Moura. O Juiz. Campinas: Millennium, 2002, p. 12

 

Imagem Ilustrativa do Post: Praça dos Três Poderes // Foto de: Senado Federal // Sem alterações

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