Por Marcelo Ribeiro - 17/02/2016
A compreensão, interpretação e aplicação do novo ordenamento jurídico processual vai enfrentar uma legislação entrecortada por princípios e supostamente acolherá uma infinidade de possibilidades hermenêuticas.
Na ponta deste sistema de justiça, que se realiza pela especificidade do caso concreto, o Novo Código de Processo Civil vai colocar para juízes, promotores, advogados, e todos os outros operadores do Direito o desafio de uma interpretação democrática e adequada às referencias constitucionais.
A percepção desses novos(?) sentidos processuais, no Estado Democrático de Direito, ao tempo em que não pode investir em essências, ainda hoje pontuadas pelo real sentido da lei ou da interpretação originária; também não pode decorrer da subjetividade do intérprete. Do contrário, garantias processuais tão arduamente conquistadas podem ser comprometidas pela discricionariedade judicial. É dizer: não se pode ler a nova ordem processual sob a ótica da legislação de 1973, mesmo considerando todas as reformas já feitas no texto, e isso por um motivo elementar: o CPC 2015 não traz mera atualização mas sim uma virada paradigmática e nesse novo campo hermenêutico, pré-juizos incompatíveis com a democracia trarão apenas prejuízos para o exercício da jurisdição.
A necessária atualização das correntes hermenêuticas, em nosso entendimento, é fundamental para o exercício da democracia e para a concretização da nova legislação. Por isso, consideramos as influências da virada ontológico-linguística, a fim de identificar limites e possibilidades para a interpretação dos recém decantados princípios processuais.
De início, afirmamos que a superação do esquema sujeito-objeto traduz a invasão da filosofia pela linguagem e resgata a facticidade no Direito, agora comprometido com a peculiaridade do caso e atrelado às referências da carta constitucional. Se Moral e Direito, nesse horizonte constitucional são co-originários, o que traduz escolhas sociais sobre diversas possibilidades, a percepção dessas escolhas, frequentemente apresentadas por meio de princípios e garantias, ao revés da subjetividade do intérprete, deve ser feita num contexto contemporâneo, a fim de que na identidade do caso prático incida toda a dimensão normativa consolidada pela tradição jurídico-brasileira, e não apenas convicções individuais.
Com efeito, a introdução dos princípios no texto constitucional e a fundação de um regime democrático, incompatível com as subjetividades assujeitadoras, se fez, dentre outros fatores, pela eleição de referências morais compartilhadas pela comunidade. Essa nova ordem constitucional, onde Direito e Moral são co-orignários, de há muito é comentada por Streck:
“Veja-se a pouca importância dada pelo positivismo à teoria da interpretação, sempre deixando aos juízes a “escolha” dos critérios a serem utilizados nos casos complexos. Para o pós-positivismo, uma teoria da interpretação não prescinde de valoração moral[1].”.
A interconexão entre as escolhas da comunidade política e o horizonte constitucional da interpretação, traz consigo a responsabilidade de uma leiura contemporânea sobre essa influência moral na compreensão, interpretação e aplicação do texto processual
Nesse sentido, Ronald Dworkin, vai dizer que: os princípios são um padrão a ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão de moralidade[2].
Por essa razão, entendemos que a compreensão e aplicação de um principio processual, para muito além das convicções do homem, se faz no espaço público, por meio de um constrangimento hermenêutico-epistemológico. Com linhas mais simples: não se pode admitir a criação de princípios processuais ad doc para supostamente legitimar decisões judicias ou justificar toda e qualquer interpretação. Ao contrário, a concepção de um texto processual mais aberto e entrecortado por termos vagos, tais como razoabilidade, adequação, proporcionalidade ou cooperação; ao revés de autorizarem discricionariedades, se prestam à melhor tutela do caso concreto. Essa tutela específica, entretanto, não se afasta da tradição jurídico-semântica. Evidente que percepções são sempre testadas, e isso permite um novo olhar para o caso. Todavia, a mudança, no atual sistema brasileiro, deve reclamar sólida fundamentação.
Essas premissas apresentam duas consequências: os sentidos de muitos dispositivos do novo CPC só serão conhecidos diante da faticidade, pois não se pode mesmo delimitar semanticamente toda sua extensão sem que antes a vida reclame, pela relação jurídica afirmada em juízo, uma interpretação democrática do dispositivo. Somente pela experiência teremos, por exemplo, parâmetros para a proporcionalidade da multa, a adequação da medida ou da evidência da tutela.
De outro lado, a tradição jurídico-constitucional imprime para o intérprete um horizonte hermenêutico na compreensão de princípios já compartilhados pela comunidade política que por esse motivo, traduzem um sentido democrático das normas processuais, não devendo ser afastados por percepções individuais de mundo ou leituras solipsistas do novo CPC. Afinal, nem sempre nossa compreensão vai ao encontro da Constituição.
Notas e Referências:
[1] STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. P. 07.
[2] DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. São Paulo: Martins Fontes, 2007. P .36.
. Marcelo Ribeiro é Advogado. Graduado pela UFBA. Mestre e doutorando pela UNESA/RJ. Pesquisador acadêmico vinculado ao grupo DASEIN/Unisinos. Membro do IBDP e da Academia Brasileira de Direito Processual. Autor de obras jurídicas. . .
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