Tendo em vista o recente julgamento pelo plenário do S.T.F., que reconheceu a incompetência da 13ª.Vara Federal de Curitiba para processar e julgar o ex-presidente Lula, estimulado pelos equivocados e toscos votos vencidos, resolvi publicar alguns textos mais antigos sobre o tema, bem como divulgar o “link” de um áudio que gravei, na semana passada, sobre o sistema de competência no processo penal.
Antes de mais nada, como preliminar, cabe salientar que não poderia o Ministro Fachin, no julgamento acima mencionado, decidir matéria pertinente a outros processos e julgamentos. Quando tais processos forem julgados pelo colegiado competente, aí sim, se examinará se tal julgamento está prejudicado ou não pela decisão que anulou os processos do ex-presidente Lula por incompetência do juízo.
Note-se ademais que a questão relativa à suspeição do ex-juiz Sérgio Moro já foi integralmente decidida pela segunda turma e somente por recurso próprio e tempestivo poderá ela ser reexaminada pelo plenário do STF.
Agora, vamos por partes:
1 - Lanço aqui um DESAFIO para os leigos em Direito e para qualquer Procurador da República sobre a alegada existência de conexão que prorrogue a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar crimes que teriam sido praticados em São Paulo, todos da competência da Justiça Estadual. Vamos lá:
Que hipótese de conexão do artigo 76 do Cod. Proc. Penal existe entre o crime de lavagem de dinheiro, praticado pelo doleiro Alberto Youssef, através do Posto Lava Jato, sito no Paraná, e os crimes atribuídos ao ex-presidente Lula, que teriam sido praticados em São Paulo ???
Código de Processo Penal:
Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
Art. 76. A competência será determinada pela conexão:
I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;
II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.
O juiz Sérgio Moro não diz, não explica, não demonstra. Ele apenas assevera que os processos contra o ex-presidente Lula são da sua competência, porque conexos com aquele processo originário e outros mais. Meras afirmações, genéricas e abstratas.
A Constituição da República dispõe, expressamente, em seu artigo 5, que:
"Inciso LIII - ninguém será PROCESSADO nem sentenciado senão pela autoridade competente". (grifamos)
Trata-se pois de incompetência absoluta, que acarreta nulidade absoluta de todo o processo, na medida em que estamos diante de um direito fundamental tutelado pela Constituição Federal.
Ressalto que a prevenção é critério de fixação da competência entre órgãos jurisdicionais que sejam todos já genuinamente competentes. A prevenção não é critério de modificação da competência!
Como uma incompetência tão flagrante e acintosa pode perdurar em um país sério ???
Note-se que aqui sequer estamos pondo em questão a própria competência (ou incompetência) do juiz Sérgio Moro para aqueles processos originários, que teriam "atraído" os demais crimes para a 13ª Vara Federal de Curitiba.
De qualquer forma, é importante notar, tendo em vista o art.109 da Constituição Federal, que:
a) A Petrobrás é uma sociedade empresária de direito privado (economia mista);
b) A competência da justiça federal é prevista, taxativamente, na Constituição Federal, que leva em consideração o titular do bem jurídico violado pelo delito e não a qualidade do seu sujeito ativo; Aqui, o importante é o bem jurídico atingido pelo crime e não a qualidade do autor do delito. Também não tem relevância quem é a vítima das infrações penais.
c) A prevenção não é fator de modificação ou prorrogação de competência, mas sim de fixação entre foros ou juízos igualmente competentes.
Relevante salientar ainda que, no processo penal, a conexão ou continência se dá entre infrações penais e não entre processos.
Ademais, importa ressaltar que a conexão pode modificar a competência de foro ou juízo, mas não a competência de justiça, prevista na própria Constituição Federal. O Código de Processo Penal não pode ampliar e nem derrogar a competência prevista na Lei Maior, salvo quando ela expressamente o admite, como nos crimes eleitorais, pois ela menciona expressamente os “crimes eleitorais e comuns conexos”.
Por derradeiro, a conexão pode modificar a competência, como acima dito, para que haja unidade de processo e julgamento, evitando dispersão da prova e sentença contraditórias.
(Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo: ...)
No caso em tela, que contradição poderia haver entre a sentença do caso originário do doleiro e a sentença relativa ao Triplex do ex-presidente Lula??? Fica aqui mais um desafio: apontem uma possível contradição entre as duas sentenças.
De qualquer sorte, se um dos processos já foi julgado, não haverá por que modificar a competência originária, pois não haverá mais possibilidade de um só processo e uma só sentença.
Neste caso, diz a lei que eventual unificação e soma de penas se fará no juízo das execuções penais. Vejam o que diz o art.82:
“Se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação das penas)”.
Saliento, mais uma vez, que a prevenção é critério de fixação da competência entre órgãos jurisdicionais que já sejam todos genuinamente competentes. Vale dizer, a prevenção não modifica a competência, mas “desempata” entre foros ou juízos igualmente competentes.
Assim, se um determinado órgão jurisdicional pratica uma medida cautelar sem competência para tal, ele não passa a ser competente para as infrações conexas. A sua incompetência originária não é sanada, mas sim ampliada.
A toda evidência, a regra do art.70 do Cod. Proc. Penal está sendo desconsiderada de forma absurda. Tal dispositivo legal é expresso ao dizer, de forma cogente, que a competência de foro é fixada pelo lugar em que se consumou a infração penal e, no caso de tentativa, pelo lugar em que foi praticado o último ato de execução.
Destarte, não havendo conexão entre infrações praticadas em foros distintos ou não havendo mais a possibilidade de um só processo e um só julgamento, não há justificativa para a modificação da competência do foro originário.
Desta forma, verifica-se que o ex-presidente Lula não está sendo julgado por um órgão jurisdicional competente. Na realidade, o juiz Sérgio Moro escolheu o seu réu e, com o auxílio entusiasta do Ministério Público Federal, foi buscar um determinado contexto insólito para “pinçar” acusações contra o seu “queridinho réu”.
Vale dizer, a garantia do “juiz natural” foi totalmente postergada. Por isso, muito antes da sentença condenatória, todos sabiam que o ex-presidente Lula seria condenado por seu algoz !!!
Para que o juiz Sérgio Moro tenha a sua competência prorrogada, para processar e julgar supostos crimes consumados em São Paulo, NÃO BASTA que estes supostos delitos "TENHAM LIGAÇÕES COM AS FRAUDES PRATICADAS CONTRA A PETROBRÁS".
Acho até mesmo que estas “ligações” não existem, mas o que vai nos ocupar agora é outra questão processual: pode a competência de foro do Estado de São Paulo ser subtraída em prol do juiz Sérgio Moro???
Pelo nosso sistema processual penal, a ampliação da competência de foro ou juízo pressupõe a existência de conexão entre as infrações, a fim de que haja unidade de processo e julgamento. São questões jurídicas e que estão tratadas expressamente no Código de Processo Penal.
Direito não é para leigos, mormente se são jornalistas a serviço de um trágico punitivismo.
Desta forma, cabe realçar que, para que o juiz Sergio Moro tenha competência para os três processos em que o ex-presidente figura como réu, se faz necessário que fique claro que os supostos crimes ocorridos no Estado de São Paulo são conexos com o “crime-mãe" da competência do juiz Sérgio Moro, bem como que este delito poderia atrair para a sua competência os demais crimes conexos, consumados em locais diversos.
Vejam quando ocorre a conexão, segundo previsão legal (Código de Processo Penal):
"Art. 76. A competência será determinada pela conexão: (na verdade, trata-se de modificação por prorrogação de competência)
I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;
II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração."
Ora, diante do que está disposto na lei processual, não basta que um suposto crime tenha alguma "ligação com os crimes contra a Petrobrás". Para que seja subtraída a competência do foro de São Paulo se faz absolutamente necessária a presença de uma das hipóteses de conexão acima transcritas.
Por outro lado, se o "primitivo" delito - o que teria força para atrair os delitos conexos - já foi objeto de julgamento de mérito, não faz mais sentido subtrair a competência do foro de São Paulo, pois NÃO HAVERÁ possibilidade de UNIDADE DE PROCESSO E JULGAMENTO dos crimes conexos, escopo que levaria à prorrogação da competência do juiz Sérgio Moro.
Ademais, a competência da justiça federal está toda ela prevista na Constituição da República e não pode ser ampliada pelas regras do Código de Processo Penal, nada obstante uma equivocada súmula do S.T.J.
A toda evidência, a Constituição Federal não pode ser modificada pela lei ordinária (Cod. Proc. Penal), salvo quando ela expressamente o autoriza, quando dispõe, por exemplo, sobre a competência penal eleitoral : “crimes eleitorais e os conexos”.
Por último, importa ressaltar que o critério constitucional para a fixação da competência da justiça federal é a titularidade do bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora. A Petrobrás é uma sociedade empresária de direito privado (sociedade de economia mista). Vejam o que dispõe o art.109 da Constituição Federal:
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;”
Desta forma, não prospera a assertiva do juiz Sérgio Moro, em sua sentença condenatória, de que o réu Lula exercia o relevante cargo de Presidente da República. Primeiro porque, quando do evento do apartamento “Triplex”, ele já não era Presidente há muito tempo; segundo, porque o critério da Constituição não é “intuito personae”, vale dizer, não está relacionado com o cargo ou função do suposto autor ou partícipe do delito.
Enfim, além do suposto crime atribuído ao ex-presidente Lula não ter ligação com os crimes praticados por empresários, diretores e gerentes da Petrobrás S.A., em face dos quais não há qualquer participação do ex-presidente com relevância jurídica, efetivamente não está presente nenhuma das hipóteses legais de conexão.
Entretanto, mesmo que houvesse tal “ligação”, há várias outras hipóteses legais e constitucionais que impedem a subtração da competência do foro de São Paulo, em razão da absurda ampliação da competência do juiz Sérgio Moro.
Desta forma, de duas uma: ou a grande imprensa está de má-fé ou é totalmente leviana e descuidada, pois teria de consultar um jurista para depois fazer as irresponsáveis considerações.
Lamentável.
Independentemente das concepções políticas ou ideológicas da cada um, é preciso que os operadores jurídicos tenham boa-fé na interpretação e aplicação do Direito, bem como não se afastem da indispensável honestidade intelectual.
2 - Relevante julgamento pelo Supremo Tribunal Federal está ocupando a atenção da comunidade jurídica e da imprensa em geral. Tudo isto em face de possíveis consequências para algumas sentenças condenatórias da chamada “Lava Jato”.
Desta forma, publico, nesta coluna do site Empório do Direito, dois breves escritos recentes, onde examino a questão relativa às nulidades no processo penal e critico a posição do Supremo Tribunal Federal que busca minimizar os efeitos de uma correta decisão de seu Plenário, tendo em vista uma indevida proteção a mais um equívoco da “Lava Jato”, flexibilizando princípios constitucionais.
1) A "BLINDAGEM" DA LAVA JATO E O PUNITIVISMO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
RESUMO DO MEU ENTENDIMENTO SOBRE AS NULIDADES NO PROCESSO PENAL.
O Supremo Tribunal Federal começou o julgamento. Deve terminá-lo em breve. Duas questões têm de ser enfrentadas neste julgamento, que podem beneficiar alguns réus nos processos da "Lava Jato". São elas:
- Há nulidade processual pelo fato de o réu delatado ter apresentado as suas alegações finais no mesmo prazo do réu delator?
- Para o reconhecimento de tal nulidade se faz necessário que o réu delatado demonstre prejuízo, em decorrência de não ter se manifestado nos autos por último?
Examinei estas questões em breve estudo que publiquei em minha coluna deste Site Empório do Direito, conforme link abaixo. O título deste referido e sucinto trabalho é: “O réu delator funciona, no processo penal, como uma espécie de assistente da acusação apresentada pelo Ministério Público”.
Sustentei, dentre outras questões, que o delator é um réu que não precisa se defender, mas sim acusar o réu delatado. Em outras palavras, ele se defende (pelo prêmio) acusando o corréu. Por isso, o réu delatado tem direito a apresentar suas alegações finais após as demais alegações finais, em face das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Tendo em vista o teor do voto do min. Fachin do S.T.F., prolatado no Plenário (mais uma vez o ministro espertalhão retirou o processo da 2a.Turma, onde sabia que iria perder!!!), bem como alguns pronunciamentos doutrinários sobre o tema, apresento um resumo do meu entendimento sobre esta questão processual.
1) Mesmo que não prevista a nulidade na lei processual, ela deve ser declarada sempre que o procedimento ou ato do processo estiver em conflito com algum princípio ou regra constitucional;
2) Se há testilha com a Constituição Federal, não há como negar que tal nulidade é absoluta. Violar um direito fundamental não pode acarretar apenas uma nulidade relativa.
3) Tratando-se de nulidade processual absoluta, ela é insanável e está fora do poder dispositivo das partes. Deve ser reconhecida de ofício pelo Poder Judiciário, em qualquer fase do processo.
4) Cuidando-se de nulidade absoluta, descabe indagar ou presumir prejuízo para as partes, numa perspectiva privatista do processo penal.
O Estado-Juiz também é sujeito da relação processual e tem interesse na concretização de um processo justo, obediente ao que se convencionou chamar de "devido processo legal".
5) Assim, havendo uma nulidade absoluta no processo penal, o prejuízo é real e concreto para a correta atividade jurisdicional do Estado, vale dizer, para o Estado Democrático do Direito. Nele, não é valioso punir a qualquer preço.
6) As regras expressas no Código de Processo Penal que podem levar à sanatória são pertinentes apenas para as nulidades relativas. Nestas, sim, é preciso que a parte proteste na fase processual própria e demonstre o prejuízo sofrido em razão do ato inválido.
7) O princípio da "instrumentalidade das formas" não se refere às nulidades absolutas. Quando está em jogo o interesse público, quando está em jogo um direito fundamental, a forma processual é essencial e o seu desrespeito é a própria negativa do Estado de Direito.
8) Enfim, repetindo: Diante de uma nulidade processual absoluta, haverá sempre prejuízo para a atividade jurisdicional.do Estado.
A nulidade absoluta deve ser declarada até mesmo contra a vontade de todas as partes processuais. O que prevalece é o interesse público. O processo não é "coisa das partes", como se dizia na antiguidade.
Por derradeiro, peço licença aos nossos leitores para encaminhá-los ao nosso vídeo que, na semana passada, publicamos no Youtube.
Nele, resumimos o sistema de nulidades, em nosso Código de Processo Penal, não compreendido por alguns ministros do Supremo Tribunal Federal.
https://www.youtube.com/watch?v=cKs_Oz0ergs&t=268s
Imagem Ilustrativa do Post: close up photo of gavel // Foto de: Tingey Injury Law Firm // Sem alterações
Disponível em: brown wooden smoking pipe on white surface photo – Free Law Image on Unsplash
Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode