Soraia, fale sobre você, como escolheu o Direito e como foi sua trajetória profissional?
Desde muito cedo acompanhei meu pai em suas atividades políticas e sindicais, portanto, minhas brincadeiras sempre tiveram a ver com tribunais, julgamentos, disputas eleitorais, debates partidários acalorados. Sou filha de uma família gaúcha e trabalhista, isso explica muita coisa... Fui criada para “ser homem”, se bem me faço entender. Ou seja, para gostar da vida pública, para defender causas. Minha mãe sempre dizia que mulher tinha de ir adiante.
Me lembro de que quando tinha 16 anos, no justo momento de prestar o vestibular, resolvi que não faria Direito, mas Sociologia. Minha mãe interveio. Me disse que não tinha criado filha para cuidar dos filhos dos outros e “bater sineta na frente do Piratini” (é que no RS, quando faziam greve nos anos 80-90 – de fato, muitas greves! – os professores e professoras acampavam em frente ao Palácio do Governo, o Piratini, e com sinetas nas mãos ensurdeciam toda Porto Alegre). Enfim, passei no vestibular para Direito e da faculdade, confesso, saí sufocada.
Passei a advogar.
É bem verdade que tomei a advocacia (assim como tomo a docência) como um espaço de militância em prol do ideário de construção de uma sociedade verdadeiramente livre, justa e igualitária. Advoguei para sem-terra, sem-teto, rádios comunitárias, ongs de gays e lésbicas, para grupos de apoio a pessoas que vivem com aids, associações de travestis e transexuais (esta sim, uma experiência reveladora e significativa de vida) e, claro, para o movimento de mulheres. Mas, como o desejo de ar era ainda persistia, então, prestei novo vestibular para Ciências Sociais.
Foi estudando sociologia, antropologia e ciência política na Universidade Federal do Rio Grande do Sul que me apaixonei e casei também academicamente com a política. E daí ser o meu mestrado nesta área na UFRGS. Do mestrado saiu um livro, o “Esfera Pública e Liberdade de Comunicação”, no qual trato dos espaços comunitários surgidos desde as rádios comunitárias como esferas públicas contra-hegemônicas ao discurso da grande mídia. Neste trabalho meu referencial já vinha de teóricas feministas como Nancy Fraser e de seus embates com Habermas.
Terminado o mestrado, sentindo os pulmões mais cheios de ar, voltei ao Direito. Agora para o doutorado na Universidade de Brasília onde meus estudos voltaram-se completamente para a criminologia e a busca de um referencial feminista. Da tese nasceu mais um livro, o “Criminologia Feminista: novos paradigmas”.
O que significou para você o convite para participar da coluna Feminismos?
Sem dúvida significou – e significa – uma satisfação e uma responsabilidade muito grande.
Sou professora e pesquisadora e sinto o quanto ainda somos carentes da compreensão do(s) feminismo(s) enquanto uma pauta de luta e reivindicações que nasce das ruas e que toma corpo na academia enquanto um referencial metodológico e epistemológico de construção do conhecimento.
Transformar a luta em texto e, mais, em um texto capaz de atingir um grande número de pessoas para as quais, muitas vezes, “gênero” é um conceito que causa estranhamento é o nosso grande desafio em espaços como este, ainda tão raros no universo jurídico.
Quais suas expectativas em fazer parte do time de colunistas do Empório do Direito?
Confesso que me sinto lisonjeada. Não somente pela trajetória acadêmica dos/as colegas que fazem parte deste seleto time, mas, principalmente, pelo compromisso que cada um e cada uma demonstra em seus diferentes campos de atuação com a democracia em nosso país.
Você acredita que o empoderamento da mulher passa por iniciativas como esta da coluna?
Com certeza! É verdade que ao longo dos anos (e especialmente das últimas décadas) a participação feminina tem crescido em número em todos os segmentos do mundo jurídico. Somos juízas, promotoras, procuradoras, professoras, defensoras públicas, advogadas, desembargadoras e ministras.
Contudo, muitas ainda são as dificuldades que enfrentamos para que minimamente cresçamos em quantidade e que esporadicamente cheguemos aos mais altos cargos nas diversas organizações. Nossas vozes ainda precisam ser ouvidas como agentes capazes de intervir decisivamente em tudo o que diz respeito aos rumos de nosso país.
Em minha ótica, cada passo dado hoje é a continuação de uma longa caminhada das tantas e tantas mulheres que, muitas vezes aos gritos e quebrando vidraças, iniciaram a luta por respeito e visibilidade neste mundo onde de modo majoritário imperam as gravatas e os ternos. Esta coluna é um espaço de diálogo e, pari passu, um lugar de fala que serve para conhecermos o ontem, analisarmos o hoje e projetarmos o amanhã.
Deixe um mensagem para os futuros leitores dos seus artigos, o que eles podem esperar?
O que eles e elas podem esperar…? Bem… costumo dizer seja em sala de aula, seja em palestras, e assim não é diferente em meus textos, que não tenho nada a ensinar. O que me encanta é o diálogo, é o debate de ideias. O que não significa que a troca, por vezes, não se faça em tom elevado. Na verdade, se algo há de se escrever em minha lápide isso será “aqui jaz uma mulher indignada”. Me defino menos pela candura do que pela indignação, confesso.
Vivemos um tempo em que as luzes parecem apagarem-se. Aborto, violência doméstica, estupro, feminicídio, discriminação, perseguição são palavras que continuam em nosso vocabulário. Penso seja esta a chave de meus artigos: indignação. Quem sabe um dia não precisemos mais falar sobre tudo isso.
Por ora, contudo, como falar (e às vezes gritar) ainda se faz necessário, a Coluna Feminismos será um espaço para compartilhar inquietações, inconformidades, angústias e um pouquinho de esperança de que cada minúsculo texto possa contribuir para conter o vento que ameaça apagar a vela.
Confira amanhã o artigo de estreia de Soraia da Rosa Mendes na coluna Feminismos.