A coerência da fixação da tese de repercussão geral para o Tema 1127, o resgate da segurança jurídica e os efeitos positivos ao mercado imobiliário: é constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial

07/07/2022

O tema representativo da controvérsia sobre a penhorabilidade do bem de família do fiador foi levado a julgamento pelo STF, cujo julgamento dá diretriz vinculativa a todos os casos em que se discute a matéria.

Como tratei anteriormente nesta mesma coluna em 09/08/2018[i] a respeito de decisões judiciais desestabilizadoras do mercado, caberia, por critério de atualização e de justiça, trazer à baila a decisão estabilizadora, no caso a aqui comentada.

Os Tribunais já haviam pacificado o entendimento de que o artigo 3º, inciso VII, da Lei 8.009/90, cujo dispositivo foi introduzido pela Lei 8.245/91 era constitucional, inclusive, com o precedente do próprio STF quando, ainda em 2006, por ocasião do julgamento do recurso RE407688, de relatoria do Ministro Cesar Peluso, apreciou-se a questão sob o enfoque da constitucionalidade desta exceção, definindo-se pela convivência harmônica entre a exceção e a regra constitucional que prevê o direito à moradia.

Lembre-se, ademais, que o STJ já havia uniformizado a jurisprudência e consubstanciado o entendimento na súmula 549, que dispõe: “é válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação”[ii].

Ocorre que a decisão resultante do julgamento do RE 605709 (junho de 2018), ao declarar vencedor o voto divergente da Ministra Rosa Weber, vencidos os Ministros Barroso e Tófoli, colocou em dúvida o assunto há muito tempo pacificado, diante do reconhecimento da impenhorabilidade, quebrando-se a regra disposta no citado artigo 3º, inciso VII, da Lei 8.009/90, impondo um custo sem precedentes ao Poder Judiciário, ao juiz, ao advogado e as partes (jurisdicionados), que aguardariam praticamente 4 anos para o resgate da estabilidade aqui comentada.

É fato que a referida decisão trouxe grande instabilidade ao mercado de locações e de compra e venda de imóveis, com consequente aumento dos custos de transação e externalidades negativas, ou seja, quis a decisão comentada alterar uma dinâmica há muito tempo consagrada, repercutindo negativamente, inclusive, no mercado de investimentos em cotas de fundos imobiliários e em imóveis comerciais destinados à locação. Instaurou-se verdadeira insegurança jurídica.

Por isso é que se defende tanto a necessidade do aperfeiçoamento do julgador em análise econômica do direito (AED), para que ele possa perceber, realmente, os impactos e as externalidades que a sua decisão gera, a ponto, inclusive, de modificar severamente ou extinguir segmentos do mercado diante da quebra de práticas legítimas e consolidadas, especialmente aquelas decorrentes da autonomia privada.  

Com o julgamento do tema 1127 pelo STF, decorrente do RE 1307334, e com repercussão geral, a instabilidade ao mercado tende a cessar com a continuidade dos processos trancados, os quais deveriam ter avançado diante da consolidação jurisprudencial anterior à instabilidade gerada pela decisão preambularmente comentada.

Observe-se que não se trata de desprezar o direito de moradia, mas do estabelecimento de um critério de exceção, de cujo efeito e por consenso, o fiador conhece sobre a extensão da garantia prestada. Isso ficou evidente no corpo do v. acórdão, ao estabelecer: “no pleno exercício de seu direito de propriedade, o fiador, desde a celebração do contrato (seja de locação comercial ou residencial), já tem ciência de que todos os seus bens responderão pelo inadimplemento do locatário – inclusive seu bem de família, por expressa disposição do multicitado artigo 3°, VII, da Lei 8.009/1990”.

Neste contexto, para firmar o entendimento, cabe registrar o conteúdo integral da ementa do RE 1307334, que fixou a tese de repercussão geral para o Tema 1127, por maioria de votos, a saber:

Ementa: CONSTITUCIONAL E CIVIL. ARTIGO 3º, VII, DA LEI 8.009/1990. CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL COMERCIAL. PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR. RESPEITO AO DIREITO DE PROPRIEDADE, À LIVRE INICIATIVA E AO PRINCÍPIO DA BOA FÉ. NÃO VIOLAÇÃO AO ARTIGO 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. 1. Os fundamentos da tese fixada por esta CORTE quando do julgamento do Tema 295 da repercussão geral (É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, em virtude da compatibilidade da exceção prevista no art. 3°, VII, da Lei 8.009/1990 com o direito à moradia consagrado no art. 6° da Constituição Federal, com redação da EC 26/2000), no tocante à penhorabilidade do bem de família do fiador, aplicam-se tanto aos contratos de locação residencial, quanto aos contratos de locação comercial. 2. O inciso VII do artigo 3º da Lei 8.009/1990, introduzido pela Lei 8.245/1991, não faz nenhuma distinção quanto à locação residencial e locação comercial, para fins de excepcionar a impenhorabilidade do bem de família do fiador. 3. A exceção à impenhorabilidade não comporta interpretação restritiva. O legislador, quando quis distinguir os tipos de locação, o fez expressamente, como se observa da Seção III, da própria Lei 8.245/1991 – que, em seus artigos 51 a 57 disciplinou a “Locação não residencial”. 4. No pleno exercício de seu direito de propriedade, o fiador, desde a celebração do contrato (seja de locação comercial ou residencial), já tem ciência de que todos os seus bens responderão pelo inadimplemento do locatário – inclusive seu bem de família, por expressa disposição do multicitado artigo 3°, VII, da Lei 8.009/1990. Assim, ao assinar, por livre e espontânea vontade, o contrato de fiança em locação de bem imóvel – contrato este que só foi firmado em razão da garantia dada pelo fiador –, o fiador abre mão da impenhorabilidade de seu bem de família, conferindo a possibilidade de constrição do imóvel em razão da dívida do locatário, sempre no pleno exercício de seu direito de propriedade. 5. Dentre as modalidades de garantia que o locador poderá exigir do locatário, a fiança é a mais usual e mais aceita pelos locadores, porque menos burocrática que as demais, sendo a menos dispendiosa para o locatário e mais segura para o locador. Reconhecer a impenhorabilidade do imóvel do fiador de locação comercial interfere na equação econômica do negócio, visto que esvazia uma das principais garantias dessa espécie de contrato. 6. A proteção à moradia, invocada pelo recorrente, não é um direito absoluto, devendo ser sopesado com (a) a livre iniciativa do locatário em estabelecer seu empreendimento, direito fundamental também expressamente previsto na Constituição Federal (artigos 1º, IV e 170, caput); e (b) o direito de propriedade com a autonomia de vontade do fiador que, de forma livre e espontânea, garantiu o contrato. 7. Princípio da boa-fé. Necessária compatibilização do direito à moradia com o direito de propriedade e direito à livre iniciativa, especialmente quando o detentor do direito, por sua livre vontade, assumiu obrigação apta a limitar sua moradia. 8. O reconhecimento da impenhorabilidade violaria o princípio da isonomia, haja a vista que o fiador de locação comercial, embora também excepcionado pelo artigo 3º, VII, da Lei 8.009/1990, teria incólume seu bem de família, ao passo que o fiador de locação residencial poderia ter seu imóvel penhorado. 9. Recurso Extraordinário DESPROVIDO. Fixação de tese de repercussão geral para o Tema 1127: É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial, seja comercial.

(RE 1307334, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 09/03/2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-101  DIVULG 25-05-2022  PUBLIC 26-05-2022)[iii].

Conclui-se pela coerência da fixação da tese de repercussão geral do Tema 1127, assim definida: “É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial, seja comercial”.

Deste modo, além de fechar a equação econômica, o atendimento dos princípios da boa fé, da livre iniciativa e do direito de propriedade se harmonizaram, com efeitos positivos ao mercado e aos jurisdicionados.

 

Notas e Referências

[i] ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. A insegurança jurídica imposta ao mercado imobiliário — 1ª. Turma do STF: uma decisão a mais desagregadora do equilíbrio da ordem econômica. Disponível em: < https://emporiododireito.com.br/leitura/a-inseguranca-juridica-imposta-ao-mercado-imobiliario-1-turma-do-stf-uma-decisao-a-mais-desagregadora-do-equilibrio-da-ordem-economica>. Acesso em: 06 de julho de 2022.

[ii] STJ. 2ª Seção. Aprovada em 14/10/2015, DJe 19/10/2015.

[iii] STF. Tema 127  https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6087183. Julgado em 10/03/2022. Interpostos embargos de declaração, foram rejeitados em 27/06/2022, com publicação em 01/07/2022.

 

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