A CASA MAIS VIGIADA DO BRASIL PODE SER A SUA  

16/06/2020

No início dos anos 2000, os cursos de Comunicação Social discutiam, dentre outros, um problema de pesquisa: qual o futuro dos meios de comunicação tradicionais (jornal, rádio, televisão, cinema) num cenário em que a internet se desenvolvia?

O tempo passou. A esperada convergência de todos os meios na internet, de fato, ocorreu. O desaparecimento da mídia impressa ainda não é uma realidade, embora, não me recorde de ter comprado um jornal ou revista nos últimos tempos. Porém, os teóricos da época não contavam com o protagonismo que o público passaria a ter com o celular.

Se, antes, a realidade era mediatizada (mídia vem do latim medium, meio) pela TV, o meio de comunicação hegemônico, hoje, qualquer pessoa com um celular pode gerar conteúdo e viralizar[1]. Qualquer pessoa pode gravar um vídeo, postar em uma rede e contradizer uma matéria  de TV.

Naquele início de milênio, no curso de comunicação, li que o cinema havia mudado a percepção de mundo das pessoas. E que, sem saber, imaginávamos nossas vidas em uma tela. Talvez, os stories, estes pequenos filmes, atendam ao nosso anseio narcísico de aparecer na tela da TV, do cinema ou, na convergência de ambos, no celular dos outros. Dizem os psicólogos que, no processo de individuação, precisamos do olhar do outro. Nas palavras de Adorno, “a vida não deve mais, tendencialmente, poder se distinguir do filme sonoro[2].”

A Televisão, quem sabe, era a extensão do nosso olhar. Apreendíamos a realidade através da TV. Pode-se identificar uma geração, ou uma faixa etária, a partir dos programas de televisão assistidos.

O professor Muniz Sodré, na década de 80, ao perguntar a um garoto carioca o que este gostaria de ver na televisão, recebeu uma resposta incisiva: “eu”. Os algoritmos da internet identificam os nossos “eus”, as nossas preferências, oferecendo um cardápio de produtos e serviços, ao alcance da palma da mão.

Os filmes de ficção científica apresentavam um possível futuro distópico, em que o homem era substituído pela máquina. Quiçá, no presente, a máquina, o celular, seja uma extensão do homem. Com um Smartphone acessamos aos aplicativos de comida, aguçando a visão e o olfato. E vemos imagens, isto é, representações das pessoas com quem nos comunicamos, durante as vídeo-chamadas.

Parafraseando Alex, em “Laranja Mecânica”, “videamos” a realidade.

Os aplicativos de encontros nos aproximam do eros de outros “eus” atomizados em células, ou celulares. O celular pode guardar a nossa vida em um chip: momentos, vídeos, stories e estórias, contas no banco, conversas.

Mas, a televisão ainda tem o seu apelo. E o Brasil parou, como no início dos anos 2000, para assistir ao Big Brother, o “Grande Irmão”, o olho que tudo vê na sociedade do controle e da vigília, imaginada por Orwell no livro “1984”. Do lado de fora da “casa mais vigiada do Brasil”, discutia-se a escolha dos protagonistas, com recortes de raça, gênero, classe.

A vencedora, Thelma Assis,  representa o protagonismo negado à mulher negra, em uma sociedade estruturalmente racista. Babu ressurge, levantando pautas e discussões entre aquelas pessoas que, hoje, geram conteúdo nas redes.

Tudo isso é real e hiper-real[3], já que as discussões se dão na arena virtual.

Por fim, trago uma provocação: em programas como o BBB, os votos indicam tendências. Gostos. Preferências. Perfis. Segundo Adorno, “cada um deve se comportar (...), espontaneamente, segundo o seu nível determinado a priori por índices estatísticos, e dirigir-se à categoria de produtos de massa que foi preparado para o seu tipo[4]”.

A partir daí, pode-se traçar o perfil de ator que poderá figurar em uma próxima novela. Ou, um produto a ser anunciado num comercial. Talvez a casa mais vigiada do Brasil não seja “ A Fazenda” ou o BBB. Talvez, seja a sua.

 

Notas e Referências

[1] “Qualquer traço de espontaneidade do público no âmbito da rádio oficial é guiado e absorvido, em uma seleção de tipo especial, por caçadores de talento (...) os talentos pertencem à indústria muito antes que esta os apresente.” ADORNO, Theodor. Indústria Cultural e Sociedade. Paz e Terra, São Paulo, 2002, p.10

[2] Idem, p. 17.

[3] O termo “hiper-real” surge na obra “Simulacros e Simulações”, de Jean Baudrillard.

[4] ADORNO, Theodor. Indústria Cultural e Sociedade. Paz e Terra, São Paulo, 2002, p, p. 12.

 

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