A busca de soluções de paz para os conflitos de trabalho: sua identificação e incentivo internacional e nacional e possíveis emanações com a Lei 13.467/2017 – Por Marcelo Ferreira Machado

26/09/2017

Coordenador: Ricardo Calcini

Esse breve artigo inicia sua abordagem partindo de um questionamento: como ressignificar as tendências confrontativas entre os pólos laborais, diante do que se poderia nominar como obstáculo tradicional posto à disposição dos interlocutores sociais trabalhistas, qual seja, a pretensa irrefutabilidade de que a composição dos conflitos laborais deva ser necessariamente intermediada por um Poder Judiciário especializado, tal qual ocorre no Brasil?

Para tal escopo, é preciso inventariar as diversas normas juslaborais no âmbito internacional e nacional para se tentar chegar à alguma reflexão.

Do ponto de vista internacional, é importante apontar que a OIT confia no papel da associação de trabalhadores e dos sindicatos para a prevenção e composição das controvérsias do trabalho possuindo diversos instrumentos normativos que tratam da matéria, em maior ou menor monta, e que podem ser assim condensados: (i) que cuidam da associação de trabalhadores na agricultura (Convenção nº 11, ratificada pelo Brasil); (ii) que cuidam da liberdade sindical (a Convenção nº 87, não ratificada pelo Brasil[1]); (iii) que consagram princípios de sindicalização e de negociação coletiva (Convenção nº 98, ratificada pelo Brasil[2]); (iv) que visam proteger os representantes dos trabalhadores (Convenção nº 135, ratificada pelo Brasil); (v) que tratam do direito de sindicalização dos empregados públicos e servidores públicos (Convenção nº 151, ratificada pelo Brasil); e (vi) de incentivo à prática da negociação coletiva (Convenção nº 154, ratificada pelo Brasil)[3].

Por igual, não se deve olvidar que embora não galgadas a statu de Convenção existem Recomendações da OIT[4] que seguem o mesmo vetor principiológico e propositivo em prol da associação e da adoção de meios negociais em adequação às transformações do mundo do trabalho, de que são exemplos (i) a que tange sobre representação coletiva, negociação e acordos coletivos (Recomendação nº 91, de 1951)[5]; (ii) sobre arbitragem e conciliação voluntárias (Recomendação nº 92, de 1951[6]); e (iii) sobre a promoção de negociação coletiva (Recomendação nº 163, de 1981)[7].

De modo sucinto, e diante das normas internacionais do trabalho apresentadas acima, afirma-se que o papel desempenhado pela OIT, enquanto agência de regulação transnacional dos conflitos laborais, está focado na idealização de procedimentos de reclamações e queixas derivadas do trabalho a serem manejadas por trabalhadores, empregadores, Estados e interessados; de comissões de inquérito para apuração das mesmas; a preocupação imanente com a liberdade sindical; o reconhecimento da importância das organizações sindicais, especialmente insertas entre os denominados direitos humanos do trabalho ou “core labour standards”, tudo em prol do incremento do diálogo social e o princípio associativo.[8]

Não obstante pareçam assaz amplas, e ainda incompletas, as medidas internacionais a serem concretizadas quanto aos cada vez mais complexos conflitos do trabalho no âmbito de cada componente do conjunto internacional laboral (empregados, empregadores e Estado) pode-se afirmar que os diferentes gatilhos pensados e adotados visam criar espaços de convergência dialógica e institucional em temas como, justamente, o dos conflitos laborais.

A mesma preocupação promana no continente normativo sulamericano. A Declaração Sociolaboral do Mercosul, em sua primeira versão de 1998, já se ocupava com a promoção e desenvolvimento de mecanismos preventivos e de autocomposição de conflitos do trabalho. Em seu art. 12, está expresso que

“Os Estados Partes comprometem-se a propiciar e desenvolver formas preventivas e alternativas de autocomposição dos conflitos individuais e coletivos de trabalho, fomentando a utilização de procedimentos independentes e imparciais de solução de controvérsias.”

Na revisada e ampliada Declaração de 2015, consta no art. 19 que

“Os Estados Partes comprometem-se a fomentar e articular a criação de mecanismos válidos de autocomposição de conflitos individuais e coletivos de trabalho, mediante procedimentos independentes, imparciais e voluntários, visando a melhoria do clima organizacional e da harmonia no ambiente de trabalho; a diminuição do custo e do tempo de duração do conflito.”

No âmbito regional do Mercosul existe uma demanda explícita focada dentro da estrutura institucional e política comunitária (que congrega os esforços estatais para a consecução e afirmação da justiça social) em incentivar a criação de mecanismos de prevenção e de alternatividade para a composição dos conflitos atinentes ao trabalho, no que tange a procedimentos ditos independentes, imparciais e voluntários.

Ao passo da concretização desse compromisso, a Constituição brasileira possui uma grande estrutura de direitos fundamentais do trabalho, dentre os quais, alguns reputam-se como instrumentais e garantidores do estabelecimento de um ambiente de diálogo, de aproximação entre partes contendentes, e de tentativa de solução de conflitos de trabalho; como exemplo, na liberdade de associação profissional e sindical do art. 8º, especialmente, seu inc. III, e, também, dos arts. 10 e 11, atinentes à participação democrática dos trabalhadores e empregadores nos âmbitos público e privado. A propósito, após quase 30 anos de promulgação da Carta de 1988, finalmente a representação dos trabalhadores, em comissão, em empresas com, no mínimo, 200 empregados foi regulamentada pela Lei 13.467/2017, denominada “Reforma Trabalhista”.

A deferência constitucional a locais de congregação do diálogo preventivo ou compositivo é uma característica própria da Constituição brasileira comprometida com uma principiologia própria de relação estatal internacional[9] que norteia-se pela prevalência dos direitos humanos, a autodeterminação dos povos, a defesa da paz, a solução pacífica dos conflitos, além de buscar a integração econômica com outros países componentes de um bloco latino-americano de nações.

De modo abrangente, há quem repute haver mais de quarenta formas alternativas de resolução de conflitos[10], que tomadas em algumas de suas principais emanações na realidade jurídica brasileira, estariam divididas, adotando-se categorização de Humberto Dalla Pinho[11], em vias híbridas e puras, portanto, ora, (i) a depender da interferência jurisdicional (mesmo que em exercício homologatório), como as primeiras (de que são exemplos, a conciliação judicial e o termo de ajustamento de conduta); ora, (ii) sem qualquer interferência jurisdicional, como as últimas (de que são exemplos a negociação, a mediação e a arbitragem). A disciplina trabalhista reconhece a existência e aplicabilidade, em seu ordenamento, de ambas as vias para a solução alternativa de conflitos, adotando-se categorização do autor mencionado.

O Direito Internacional do Trabalho, o Direito Constitucional e o Direito Coletivo do Trabalho consagram a negociação coletiva como forma primordial de acertamento do discurso entre os proprietários dos meios de produção e os prestadores da força de trabalho. Reconhecem tais ramos do Direito, que a busca por melhores condições sociolaborais será melhor conquistada mediante soerguimento do patamar discursivo sob o viés jurídico-estrutural existente nas e pelas organizações sindicais (de parte a parte), ou, pelo menos, através da organização que represente a categoria profissional (os empregados) em negociação com a(s) sociedade(s) empresarial(ais) – nos moldes dos Acordos Coletivos.

Nesse ponto, deve-se, de certa forma, lamentar que o Poder Legislativo, através da Lei 13.467/2017, movido por interesses diversos, inclusive dos próprios trabalhadores, tenha preferido, a pretexto de uma “reforma” trabalhista, reestruturar o ambiente de sustentação econômica da representação sindical, sem ater-se a, de fato, alterar toda uma estrutura sindical, calcada no âmbito constitucional, como exemplo, na aparente e inexpugnável unicidade sindical (art. 8º, II da CRFB/88), reduzindo espaços de concorrência de compromisso dialógico, que, na prática, demonstrariam melhor prestação de atividade de representação dos trabalhadores na consecução e composição de seus direitos trabalhistas. Nesse ponto, do Direito Coletivo do Trabalho, era necessário que fosse realizada uma verdadeira reforma trabalhista, ainda que por meio de uma proposta de emenda constitucional que reformulasse o art. 8º da Constituição.

Mas retornando-se ao tema das emanações internacionais a respeito da atividade sindical, a Convenção nº 98 da OIT, ratificada e internalizada pelo Brasil em 1952[12], sobre princípios do direito de sindicalização e de negociação coletiva, trata, principalmente, de garantir a afiliação partidária como sustentáculo para a liberdade do discurso sindical entre partes coletivas e de legitimar a consecução de melhores condições de trabalho. Agregue-se a Convenção nº 154, de 1983, ratificada pelo Brasil e internalizada em 1993[13], sobre o incentivo à negociação coletiva, onde se prevê que medidas devem ser adotadas pelos países signatários com o fulcro de possibilitar a negociação coletiva a empregadores e trabalhadores (art. 5º, 2, “a”); que a negociação coletiva seja ampliada para fixar condições de emprego, regular as relações entre empregadores e trabalhadores, e regular as relações entre empregadores e suas organizações e uma ou várias organizações de trabalhadores (art. 5º, 2, “b” c/c art. 2º, “a”, “b” e “c”); que se estimule a normatização procedimental sobre negociação entre organizações de empregados e de empregadores (art. 5º, 2, “c”), mesmo que dessa normatização resultem impropriedades, ou mesmo que ela ainda não exista (art. 5º, 2, “d”); e que órgãos e procedimentos de resolução de conflitos trabalhistas sejam concedidos de tal maneira que possam contribuir com a negociação coletiva (art. 5º, 2, “e”).

Sob a ótica nacional, a Constituição brasileira de 1988 prevê em seu art. 8º, VI, que é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho. Se, de alguma maneira, o legislador constituinte tenha adotado um sistema contraditório entre liberdade sindical e restrição e controle estatal (que Amauri Mascaro denominou de “legalidade consentida[14]), é possível se afirmar que o constituinte reconheceu como direito fundamental o papel a ser desempenhado pela atividade sindical na ambiência coletiva do discurso na progressão de direitos laborais.

Tendo em conta essa visão, a retirada da contribuição sindical compulsória, de maneira ampla e irrestrita, pela Lei 13.467/2017, substituindo-a pela facultatividade, pode servir para dar ensejo à desidratação do papel jurídico e potencialmente dialógico das entidades sindicais.

Dessarte, relativizando-se a ótica de que a negociação coletiva é mais um centro de positivação que a ordem jurídica reconhece no Direito do Trabalho, muito vinculada a seu aspecto legal e formal concernente às normas coletivas (Convenções e Acordos Coletivos)[15], é certo que em uma relação (como a trabalhista) em que as distorções jurídicas, ora fático-econômicas[16] são flagrantes, e que o Direito do Trabalho possui, entre suas funções a “melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica[17], a negociação coletiva, tomada em acepção mais ampla, é um ambiente onde a decisão acerca da alocação dos bens escassos (ou reputados como tais) – de que seria exemplo a possibilidade econômica de uma sociedade empresarial oferecer melhores condições de emprego, bem como a legitimidade no pleito de ampliação dos direitos pelos trabalhadores, além dos valores em contradição, como os valores do trabalho e da livre iniciativa[18] – pode ser balizada pela afirmação da discursividade inter-partes galgada à equalização de forças, como é o caso da proporcionada na previsão, garantia e atuação das organizações sindicais.

As relações trabalhistas reconhecem outras fórmulas compositivas: como exemplo, a mediação.

Coube ao sistema trabalhista demonstrar que a premissa teorizada de vinculação estrita entre mediação-Poder Judiciário é um equívoco. Desde 1995, o Decreto federal nº 1.572, de 28 de julho, regulamenta a utilização da mediação na negociação coletiva do trabalho, portanto, uma mediação em ambiente extrajudicial.

Sem fechar-se os olhos para o mal useiro e vezeiro do Estado em estabelecer normatizações mínimas, acasototalizantes, em regular diversos tipos de relações sociais[19], entre as quais incluir-se-iam formas/fórmulas como as que pretendem concretizar a busca da justiça social e da paz social, a exemplo da mediação, pode-se afirmar que o Decreto nº 1.572/95 veicula o uso da mediação extrajudicial naqueles casos em que frustrada a negociação coletiva na data-base anual da categoria para revisão, manutenção, prorrogação, supressão e modificação de uma norma coletiva em vigor, conforme os termos dos arts. 615 c/c 612 c/c 614, todos da CLT, remete-se a escolha, em modo livre, de um mediador entre as partes sindicais dissonantes; no entanto, esclareça-se, o Decreto cria, por força dos informados enunciados celetistas, um obstáculo prévio ao uso da mediação, que é manter a atuação primeira das organizações sindicais na concertação da negociação coletiva para só então permitir o uso da mediação.

Se, em algum modo, tal contratempo normativo cria uma limitação para o socorro da possibilidade aproximativa do discurso proporcionado pela mediação, a disposição normativa federal é mais do que expressa em reconhecer que o uso daquela não é uma apropriação da ciência processual; pelo contrário, a mediação é um instrumento que deve preservar-se livre para o exercício da autonomia da vontade (in casu, a coletiva) das partes em afinamento a um debate que não necessita, ontologicamente, ser judicializado.

Pode-se oferecer um outro exemplo de previsão legislativa que preveja a utilização da mediação extrajudicial no campo laboral: o art. 4º, I, da Lei 10.101/00 trata da viabilidade do uso da mediação quando a negociação coletiva não chegue a bons termos, no que tange o estabelecimento de participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da sociedade empresarial.

Um outro exemplo de utilização da mediação para ambiente externo ao Poder Judiciário, informa Patrícia Therezinha de Toledo[20], é aquele que pode ser atribuído ao papel do Ministério Público do Trabalho para exercer a mediação entre partes, podendo-se produzir um Termo de Ajustamento de Conduta (ou TAC), de que trata o art. 5º, §6º da Lei 7.347/85[21].

Acresça-se, quanto aos compromissos de ajustamento no âmbito trabalhista, que podem ser eles consequência de mediações a serem exercidas pelo Ministério do Trabalho, ex vi do art. 5º, §6º c/c art. 5º, III da Lei 7.347/85 (acrescentado pela Lei 11.448/2007). Contra essa visão, se poderia criticar o fato de que, nesses casos, o Estado estaria presente, ainda que não o Estado-Juiz, mas, de toda forma, como enfoque negativo ao método primordialmente jurisdicional, são exemplos de emanações de mediações em âmbito trabalhista que ocorrem, justamente, em ambiente não-jurisdicional.

Por fim, ainda que a doutrina e a jurisprudência trabalhistas “retorçam seus narizes” ao uso da arbitragem em seu âmbito de atuação não pode ser considerada estranha, um tanto perniciosa sua utilização no Direito do Trabalho. Já se mencionou que no âmbito da OIT tem-se a Recomendação nº 92 (1952) sobre “conciliação e arbitragem voluntárias”[22], inclusive assinada pelo Brasil[23]. Nessa Recomendação está prevista a possibilidade arbitral para solução das controvérsias surgidas entre as partes, porém com alusão de seu uso ao acertamento entre pessoas coletivas, já que o art. 6 da citada Recomendação da OIT[24] faz menção de que deve estimular-se a arbitragem voluntária, ao passo da abstenção do exercício do direito de greve pelos empregados e, de outro lado, do lockout pelos empregadores[25].

No que tange às relações e negociações coletivas do trabalho no ordenamento brasileiro, há a previsão da utilização da arbitragem nos §§1º e 2º do art. 114 da CRFB/88[26]. Some-se, também, a previsão contida no art. 3º da Lei nº 7.783/89 (a lei geral do direito de greve no âmbito privado) de que “[f]rustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho”, bem como o art. 37, §§1º a 3º da Lei 12.815/13 que prevê que em caso de impasse quanto a litígios decorrentes das atribuições e potestades deferida ao órgão gestor de mão de obra (OGMO) do trabalho portuário poderá a comissão paritária constituída para esse fim recorrer à arbitragem de ofertas finais.

A título de observação, e antes da promulgação da Lei 13.467/2017, sobre a possibilidade de ampliação da arbitragem, anote-se que o Poder Legislativo nacional tentou, através da Lei 13.129, de 26 de maio de 2015, inserir um artigo à Lei de Arbitragem prevendo a possibilidade do uso desse instrumento, por meio de cláusula compromissória, em contratos individuais de trabalho, para as funções laborais de administrador ou de diretor estatutário, o que restou vetado. O §4º do art. 4º teria a seguinte redação

“Desde que o empregado ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou de diretor estatutário, nos contratos individuais de trabalho poderá ser pactuada cláusula compromissória, que só terá eficácia se o empregado tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou se concordar expressamente com a sua instituição”.[27]

Os termos do veto foram os expressos, nestes termos

“O dispositivo autorizaria a previsão de cláusula de compromisso em contrato individual de trabalho. Para tal, realizaria, ainda, restrições de sua eficácia nas relações envolvendo determinados empregados, a depender de sua ocupação. Dessa forma, acabaria por realizar uma distinção indesejada entre empregados, além de recorrer a termo não definido tecnicamente na legislação trabalhista. Com isso, colocaria em risco a generalidade de trabalhadores que poderiam se ver submetidos ao processo arbitral”.[28]

De certa forma, o veto foi providente, mas enfatizador do modelo legislado nas relações do trabalho adotado pelo Brasil que se fez menção alhures. Talvez, se o legislador, àquele momento, tivesse ofertado, ainda que impropriamente[29], um conceito legal mínimo das competências reconhecedoras da função de administrador e de diretor estatutário em sociedades empresariais, a arbitragem houvesse sido legitimada, pelo menos do ponto de vista do processo legislativo formal.

A Lei 13.467/2017, inserindo o art. 507-A à CLT, passa a prever a possibilidade do uso da arbitragem nos contratos individuais de trabalho. O Poder Legislativo federal se baseou em outra estratégia, de cunho objetivo: o valor remuneratório percebido.

Nesse dispositivo está previsto que nos contratos de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS (em 2017, um pouco mais de R$ 11.000,00) poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante sua concordância expressa.

A intenção do legislador “reformista” parece estar calcada na ideia de que trabalhadores que percebam entre 11 e 12 salários-mínimos possuem uma autonomia mais elevada que os demais trabalhadores. A prática trabalhista demonstrará o acerto ou desacerto dessa nova tentativa, agora real e efetiva, de possibilitar o uso da arbitragem no ambiente juslaboral individual.

Por fim, resta lembrar, exemplificativamente, que a Lei 11.101/00 prevê no art. 4º, II e §§1º a 4º que será possível instituir-se a arbitragem no modelo de ofertas finais para composição acerca da estatuição, a despeito da frustrada negociação coletiva prévia, da participação nos lucros ou resultados da sociedade empresarial.

Conclusão

Aponte-se que a sociologia judiciária está a demonstrar que os problemas em torno do acesso à justiça e o assoberbamento das funções jurisdicionais são multidimensionais, interdisciplinares e plurívocos, portanto, não propriamente solucionáveis sob a chancela estatal. Há outras instâncias de propagação do consenso e do debate em conflitos interssubjetivos de interesses que podem se alocar em espaços diversos ao Poder Judiciário e com validação similar a dada às homologações conciliativas prestadas pelos órgãos judicantes, notadamente, os laborais. Esses espaços estão abertos em instâncias internacionais e nacionais, também, sindicais, ou nas próprias entidades empresariais, aos interlocutores trabalhistas. No entanto, ainda há um receio entre as partes (reforçado por um papel político-estatal) para prevenir ou compor seus conflitos interdialógicos do trabalho com fins suficientemente vinculantes, o que faz escoar o conflito para o “ralo” judiciário, contrário à criação de uma cultura de não-adjudicação da composição do conflito trabalhista.

A “Reforma” trabalhista não satisfaz, nem teve a preocupação de suprir a expectativa de ofertar instrumentos suficientemente efetivos de aproximação e afinamento do discurso nas relações do trabalho, além do asseguramento institucional das distorções existentes entre os pólos laborais. Essa é uma dívida e um compromisso inatendido que o Estado brasileiro ainda possui para as gerações laborais seguintes.


Notas e Referências:

[1] A denominada liberdade sindical coletiva, vinculada à ampla liberdade do ente sindical para auto-instituir-se estipulando seus objetivos sociais e que tem como requisito essencial justamente o Estado não intervir como autorizador desse exercício – a respeito, CUNHA, Alexandre Teixeira de Freitas Bastos. Os Direitos Sociais na Constituição vinte anos depois: as promessas cumpridas, ou não. In: COELHO, Humberto Alves; NEVES, Marcelo (Org.). Direito Público do Trabalho: estudos em homenagem a Ivan Rodrigues. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 67.

[2] A denominada liberdade sindical individual, que trata da adesão dos trabalhadores e empregadores, enquanto indivíduos, ao ente de classe. Conforme CUNHA, Alexandre Teixeira de Freitas Bastos. Os Direitos Sociais na Constituição vinte anos depois: as promessas cumpridas, ou não. In: COELHO, Humberto Alves; NEVES, Marcelo (Org.). Direito Público do Trabalho: estudos em homenagem a Ivan Rodrigues. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 67, “[d]ito de outro modo, a que cuida dos aspectos positivo e negativo da liberdade de sindicalização, (…)”.

[3] Para exame das Convenções, bem como normatização de aprovação, ratificação e promulgação no Brasil, consulte-se CHAGAS, Gustavo Luís Teixeira das; MIESSA, Eliésson. Legislação de Direito Internacional do Trabalho e Proteção Internacional dos Direitos Humanos. 3.ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2013. Passim.

[4] No ensinamento de ARIOSI, Mariângela F. Os Efeitos das Convenções e Recomendações da OIT no Brasil. Disponível em: PORTAL DE E-GOVERNO, INCLUSÃO DIGITAL E SOCIEDADE DE CONHECIMENTO. http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/21955-21956-1-PB.htm. Acesso em 23.09.2017, in verbis: “Com efeito, as Recomendações não se submetem ao processo de internalização, são aplicadas diretamente. Nas Recomendações encontram-se princípios que devem reger o direito trabalhista a ser desenvolvido dentro dos Estados. As Recomendações se parecem com as Convenções de princípios, mas não devem ser confundidas, pois as Convenções de princípios que não são auto-aplicáveis, têm natureza de tratado internacional e devem ser submetidas ao processo de internalização; quanto às Recomendações, estas apesar de também ensejarem princípios, não geram, por sua natureza, a obrigação de serem transformadas em normas internas. São uma orientação da OIT de como os Estados devem pautar seu direito trabalhista interno” (Grifos nossos).

[5] Veja-se GERNIGON, Bernard (et al.). A Negociação Coletiva na Administração Pública Brasileira. pp. 227-230. Disponível em: ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO: ESCRITÓRIO NO BRASIL. http://www.oit.org.br/sites/default/files/topic/social_dialogue/pub/negociacao_coletiva_adm_publica_bras_222.pdf. Acesso em 23.09.2017.

[6] Veja-se GERNIGON, Bernard (et al.). A Negociação Coletiva na Administração Pública Brasileira. pp. 231-232. Disponível em: ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO: ESCRITÓRIO NO BRASIL. http://www.oit.org.br/sites/default/files/topic/social_dialogue/pub/negociacao_coletiva_adm_publica_bras_222.pdf. Acesso em 23.09.2017.

[7] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO: ESCRITÓRIO NO BRASIL. Recomendação 163. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/content/sobre-promo%C3%A7%C3%A3o-da-negocia%C3%A7%C3%A3o-coletiva. Acesso em 23.09.2017.

[8] Neste sentido, consulte-se importante anamnese do papel da OIT realizada por FERREIRA, António Manuel Carvalho de Casimiro. Trabalho Procura Justiça: os tribunais de trabalho na sociedade portuguesa. Coimbra: Almedina, 2005. Especialmente, pp. 66-79.

[9] Haurida do art. 4º da CRFB/88.

[10] Neste sentido, SERPA, Maria de Nazareth. Teoria Prática da Mediação de Conflitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998. p. 89.

[11] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Teoria Geral do Processo Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007. Especialmente, p. 358. Existe outra denominação tipológica entre os meios alternativos mais usuais de resolução de conflitos, que leva em conta sua origem estadunidense e onde a alternatividade está baseada se o modelo primordial de resolução de conflitos está condensado no Poder Judiciário, ou não, e se as partes participam unidas pela resolução da controvérsia ou enfrentam-se para que a solução seja definida por terceira pessoa. Sendo assim, dividir-se-iam em adversariais, de que são exemplos as técnicas judiciais de composição de conflitos pelo Judiciário e a arbitragem, e não adversariais, de que são exemplos a mediação, a negociação e a conciliação (não-judicial). Neste sentido, CASTRO JR., Osvaldo Agripino de. Teoria e Prática do Direito Comparado e Desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, UNIGRANRIO, IBRADD, 2002. Em especial, pp. 88-89.

[12] Cf. CHAGAS, Gustavo Luís Teixeira das; MIESSA, Eliésson. Legislação de Direito Internacional do Trabalho e Proteção Internacional dos Direitos Humanos. 3.ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 105.

[13] Cf. CHAGAS, Gustavo Luís Teixeira das; MIESSA, Eliésson. Legislação de Direito Internacional do Trabalho e Proteção Internacional dos Direitos Humanos. 3.ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2013. pp. 221-222.

[14] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. História do Direito do Trabalho no Brasil. In: História do Trabalho, do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. Homenagem a Armando Casimiro Costa. Amauri Mascaro Nascimento et al. (org.). 3.ed. São Paulo: Ltr, 2011. p. 91. O autor faz constar que estas distorções não foram impostas pelo Estado contra a pretensão dos sindicatos, “mas resultaram de livre deliberação do Congresso Nacional, representante do povo, no qual atuaram com destaque diversos sindicalistas que se elegeram deputados e que respaldaram essas limitações” (pp. 91-92).

[15] NASCIMENTO, Amauri Mascaro (in memoriam) (et al.). Compêndio de Direito Sindical. 8.ed. São Paulo: LTr, 2015. pp. 399-400 enfatiza o aspecto normativo da negociação coletiva vaticinando que “[o] modelo de direito do trabalho de um país pode ser medido sob o ângulo da negociação coletiva. O espaço que a negociação coletiva ocupa no direito interno é um critério que permite classificar o sistema de relações de um país” (p. 400).

[16] Em tese, nada impediria alguém de posses se submeter à prestação do trabalho em vínculo contratualizado e ter maior condição econômica que seu empregador. Bastasse pensar em um professor que tivesse muitos contratos de trabalho, prestando aulas através de diversos vínculos de emprego em regime de não dedicação exclusiva e, dentre aqueles, prestasse aulas em uma microempresa ou a um empresário individual no ramo de prestação de serviços de ensino de línguas.

[17] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3.ed. 2. tir. São Paulo: LTr, 2004. p. 58. Grifos constam no original.

[18] FERRAZ, André Luiz Naves Silva. Tragicidade Alocativa: a essência qualificada do conceito intersubjetivo de justiça. In: Mediação e Direitos Humanos: temas atuais e controvertidos. Antonio Rodrigues Freitas Jr. (coord.); Marco Aurélio Serau Junior (org.). São Paulo: Ltr, 2014. p. 30, apresenta sob a designação conflito intersubjetivo de justiça que, dentre seus elementos configuradores, encontram-se os nominados problemas alocativos incidentes que seriam os bens tidos por escassos ou encargos tidos por necessários de natureza material ou imaterial. No que tange à análise das escolhas distributivas floresceria o que denomina “tragicidade alocativa”que seria “o conflito entre os valores imperantes na Sociedade (balizados pela escassez), e valores humanitários” (pp. 30-31). Reputa-se que esse conceito é facilmente emprestável a âmbitos mais restritos como são os conflitos atinentes às relações de trabalho.

[19] Bastando, para tanto, analisar os termos do art. 1º do Decreto nº 1.572/95: “A mediação na negociação coletiva de natureza trabalhista será exercida de acordo com o disposto neste Decreto” (grifos nossos). A afirmação tem inspiração em NORONHA, Eduardo G. O Modelo Legislado de Relações de Trabalho do Brasil. In: Dados, vol. 43, n. 2. Rio de Janeiro, 2000. Disponível em: SCIELO – SCIENTIFIC ELECTRONIC LIBRARY ONLINE. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0011-52582000000200002&script=sci_arttext#titulo. Acesso em 23.09.2017. Segundo o autor, “[d]o ponto de vista dos direitos do trabalho (e não do direito sindical ou de representação), acentuou-se o caráter legislado do modelo brasileiro, (…)”.

[20] TOLEDO, Patrícia Therezinha. Solução Extrajudicial dos Conflitos do Trabalho: Brasil, Espanha e Itália. São Paulo: LTr, 2005. p. 34.

[21] São os termos do art. 5º, §6º, expressamente: “Os órgãos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial” (acrescentado pela Lei nº 8.078, de 11.9.1990).

[22] INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. R092 – Voluntary Conciliation and Arbitration Recommendation, 1951 (Nº 92). Disponível em: http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:R092. Acesso em 23.09.2017.

[23] INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Submission of R092 – Voluntary Conciliation and Arbitration Recommendation, 1951 (Nº 92).Disponível em: http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=1000:13300:0::NO:13300:P13300_INSTRUMENT_ID:312430. Acesso em 23.09.2017.

[24] Em livre tradução, prevê o art. 6 da Recomendação nº 92, de 1951: “Se um conflito com o consentimento das partes envolvidas vier a ser submetido a arbitragem para um solução final, estas devem ser estimuladas a se absterem de greves e locautes enquanto durar a arbitragem e a aceitarem a sentença arbitral”. No original: “If a dispute has been submitted to arbitration for final settlement with the consent of all parties concerned, the latter should be encouraged to abstain from strikes and lockouts while the arbitration is in progress and to accept the arbitration award”.

[25] Não obstante sua vedação no direito interno, ex vi do art. 17 da Lei 7.783/89.

[26] Prevê o art. 114, §1º: “Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros”; e §2º: “Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como convencionadas anteriormente” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

[27] BRASIL. PLANALTO. Mensagem nº 162, de 26 de maio de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Msg/VEP-162.htm. Acesso em 23.09.2017.

[28] BRASIL. PLANALTO. Mensagem nº 162, de 26 de maio de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Msg/VEP-162.htm. Acesso em 23.09.2017.

[29] Refere-se ao termo “impróprio”, porque um conceito mínimo legal sobre funções profissionais na organização interna de uma sociedade empresarial (pelo menos, naquela de natureza privada) seria descabida invasão no âmbito de incidência decorrente do valor social da livre iniciativa (arts. 1º, IV e 170, caput), da propriedade privada (art. 170, II), da garantia do livre exercício da atividade econômica (§único do art. 170) e dos poderes de direção, comando e controle da atividade empreendida reconhecida pelo Direito do Trabalho.


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