Coordenador: Marcos Catalan [1]
Estamos conscientes dos motivos que nos mantém em estado de derrota. A quem possa interessar este relato afirmamos com a mais insolente convicção: Sim! Todos esses anos foram muito árduos. Prometeram-nos o abandono da crença através do enaltecimento da razão, no entanto, a razão conjurada pelo projeto iluminista, esta razão ideologicamente despida das categorias necessárias de análise para compreensão da realidade, apregoou-nos paradoxalmente à fé. Achamo-nos, por longos e áridos períodos, albergados à sombra da ficta igualdade universal advinda da condição humana, todavia, enquanto delirávamos nos discursos formais de igualdade[2], éramos e estávamos a ser lançados aos piores postos, tendo nossas vozes emudecidas a cada vez que recorríamos aos caminhos institucionais de reclame e participação. Durante muito tempo aceitamos que nossos “culhões fossem espremidos”, dizendo e repetindo o “Sim” ironizado por Chico Buarque. Tudo isso foi verdade, mas não mais. De agora em diante agiremos legitimados pelas sombras e pela clausura dos lugares sociais que nos foram destinados; daqui pra frente as ilusões serão castradas pela substancialidade das experiências que não podem ser amenizadas pelos anestésicos ideológicos; doravante nossa postura será forjada a Zé Keti:
Podem me prender Podem me bater Podem, até deixar-me sem comer Que eu não mudo de opinião Daqui do morro Eu não saio, não
Se não tem água Eu furo um poço Se não tem carne Eu compro um osso E ponho na sopa E deixa andar Fale de mim quem quiser falar Aqui eu não pago aluguel Se eu morrer amanhã, seu doutor Estou pertinho do céu[3]
O medo da morte não mais traçará as feições que compõem nossos semblantes, uma vez que a vida experimentada na lógica vigente nos reduziu à condição de mercadorias, fazendo-nos – ao menos antes do hoje – acreditar que nossos corpos deveriam ser regulados como semoventes aptos ao abate em proveito da produção[4]. O amargor que nos havia sido imposto, isto é, a condição que durante muito tempo nos impuseram, fez com que travássemos duelos dentro de nossas próprias casas, varando madrugadas em claro em busca do aprimoramento profissional que permitir-nos-ia alcançar o trabalho em forma de dádiva.
As questões até aqui colocadas nos fazem enxergar que não há possibilidade de emancipação dentro dos estreitos jurídicos e institucionais[5]. Acreditamos que haja espaço para ações estratégicas, mas não nos deixaremos trair pela função social da propriedade, pelo capital filantropo ou mesmo pela academia progressista. Por certo seremos chamados de utópicos ou com sorte dirão – em tom de verdade absoluta – que nossas práticas são inócuas. Mesmo assim, a despeito do prazer advindo do expressar das falas postas, partilhamos com sobriedade a seguinte notícia: já somos realidade.
Caso ainda não tenham percebido, estivemos presentes quando as decisões legislativas trataram de pauperizar o já precário ensino formal que nos é disponibilizado[6]. À força, conseguimos arrastar o debate político para dentro da Escola, alterando, através de ações coletivas, a percepção da realidade e a atitude não só de estudantes, mas de pessoas que passaram e a cada dia passam a perceber o quão necessário são os embates travados fora das raias da legalidade. A era dos favores, das súplicas e das concessões está com os dias contados. Estamos fartos de formas, buscamos materialidade!
Em hipótese alguma, pensem que relegaremos qualquer campo de batalha, pois nossa expressa insatisfação denuncia a vergonha duma política de “inclusão” travestida na figura de um “Cartão-Reforma[7]”, afinal, o que será reformado, as paredes do tão-somente formal direito à moradia que nos é concedido ou os ágios que remunerarão estes empréstimos? Com tudo isso queremos dizer que nossa luta está vinculada à participação nas decisões que hoje nos determinam. Somos, embora isso nos seja negado pelos canais institucionais e representativos, seres políticos[8] e como tais, conscientes dos abismos sociais colocados aos nossos pés, não permitiremos que meninos mimados rejam os destinos do coletivo chamado nação[9].
Notas e Referências:
[1] Este texto foi escrito em resposta à coluna “Espremendo culhões e o Direito”: http://emporiododireito.com.br/espremendo-culhoes-e-o-direito-por-jorge-alberto-de-macedo-acosta-junior/
[2] GONÇALVES, Guilherme Leite. O iluminismo no banco dos réus: direitos universais, hierarquias regionais e recolonização. Revista DIREITO GV21, p. 278-284.
[3] JESUS, José Flores de. Zé Keti. Opinião: canção escrita como tema da peça teatral “Opinião”. 1964.
[4] MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Lisboa: Antígona, 2014, p. 13-14.
[5] ENGELS, Friedrich. O socialismo jurídico. 2.ed. São Paulo: Boitempo, 2012, p. 19-21.
[6] https://www.cartacapital.com.br/sociedade/os-secundaristas-avancam-contra-temer
[7] http://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2016/11/epoca-negocios-cartao-reforma-sera-lancado-na-quarta-feira-diz-ministro-das-cidades.html
[8] http://www.geledes.org.br/ultima-maca-do-paraiso/#gs.VdGSi=8
[9] KLEBER, Cavalcante Gomes. CRIOLO. Menino minado. In.: Menino minado single. Gravadora e editora Oloko Records. 2017.
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