A audiência para saneamento compartilhado de causas complexas (art. 357, § 3º, CPC/2015) como reflexo do dever de cooperação (art. 6º, CPC/2015) – Por Camila Salgueiro da Purificação Marques

10/01/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

Em março de 2017 se comemorará um ano de vigência da Lei n. 13.105 de 2015, um Código de Processo Civil que reforça os princípios constitucionais e se pauta pela cooperação entre todos os sujeitos processuais.

Nesse contexto, o presente ensaio trata do dever de cooperação entre os sujeitos processuais, estabelecido no artigo 6º como uma premissa do CPC/2015, abordando de modo específico um dos seus reflexos previsto no artigo 357, § 3º: a possibilidade de uma audiência para saneamento de causas complexas em cooperação com as partes.

Primeiramente, ressalta-se que o dever de cooperação diz respeito à participação do jurisdicionado e do próprio magistrado no processo, de modo a permitir a elaboração de uma decisão democrática, permeada pela colaboração das partes e do juiz, considerando o diálogo necessário para que o processo seja meio apto e justo à solução de conflitos e à efetivação de direitos.

Nesse âmbito, analisa-se a cooperação sob o viés dos deveres (de esclarecimento, de diálogo, de prevenção e de auxílio para com os litigantes) do juiz, defendendo-se o princípio da colaboração como fator que legitima a decisão judicial, relacionando-o com a fundamentação das decisões. O dever de colaboração contribui para o acesso à justiça e a construção de uma decisão justa, que respeite os direitos fundamentais das partes.

De acordo com Cassio Scarpinella Bueno, o princípio da cooperação “deve ser entendido como diálogo, no sentido de troca de informações, de municiar o magistrado com todas as informações possíveis e necessárias para melhor decidir”.[1] E consoante o entendimento de Lucio Grassi[2], a “cooperação intersubjetiva”, em direito processual civil, “significa trabalho em comum, em conjunto, de magistrados, mandatários judiciais e partes, visando a obtenção, com brevidade e eficácia, da justa composição do litígio”.[3]

Ademais, o princípio da cooperação é uma específica faceta ou atualização necessária do princípio do contraditório (insculpido no inciso LV do artigo 5º da Constituição da República de 1988, que se compõe do conhecido binômio "ciência e resistência" ou "informação e reação”), entendendo-se este como um necessário e constante diálogo entre o juiz e as partes, todos preocupados com o proferimento de uma melhor decisão para a lide. Desse modo, o princípio da cooperação seria o contraditório “inserido no ambiente dos direitos fundamentais”.[4]

Para Daniel Mitidiero, esta previsão constitui-se em novo modelo adotado pelo legislador, destacando que um dos problemas centrais do processo está na “equilibrada organização das tarefas daqueles que nele tomam parte” e o nosso legislador buscou resolver esse problema com a adoção do modelo cooperativo, sendo este um elemento estruturante do direito ao processo justo. Desse modo, a colaboração, como modelo, rejeita a concepção unilateral da jurisdição como polo metodológico do processo, mas sim o próprio processo como centro de sua teoria, ou seja, uma “concepção mais pluralista e consentânea à feição democrática ínsita ao Estado Constitucional”. Segundo este autor, a colaboração foi abraçada pelo legislador brasileiro no Novo Código de Processo Civil como modelo e como princípio[5], posição com a qual se coaduna. Além disso, destaca-se que o processo pautado pela colaboração é orientado para a busca da verdade e também exige de seus participantes a boa-fé objetiva (artigo 5º do Novo CPC), pressupondo uma conduta leal por parte de todos os sujeitos do processo, inclusive o magistrado.

Fredie Didier ressalta que o princípio do devido processo legal, da boa-fé processual e do contraditório, juntos, servem de base para o surgimento do princípio da cooperação. É o modelo que mais se adequa à democracia, sem priorizar a participação de apenas um sujeito processual, também se adequando ao devido processo legal. E a eficácia normativa do princípio da cooperação é direta e imediata.[6]

E como premissa estabelecida no CPC de 2015, o dever de cooperação é refletido em todo o Código, como por exemplo na etapa do saneamento do processo. Este é realizado por meio de um ato processual complexo, consoante dispõe o artigo 357 do CPC/2015[7], destacando-se o seu § 3º, que prevê a possibilidade de se designar audiência para que o feito seja saneado em cooperação com as partes. Isto é, diferente do CPC de 1973, diante de uma causa complexa, o juiz não restará solitário ao proferir a decisão saneadora.

Portanto, o saneamento compartilhado possibilita um debate aberto com as partes, à luz dos deveres que decorrem da cooperação (esclarecimento, consulta, prevenção e auxílio), decidindo-se sobre as questões processuais pendentes, questões de fato, provas que serão produzidas, distribuição do ônus da prova e questões de direito que importam para a decisão de mérito.

Assim, com a participação das partes, o saneamento tende a cumprir seus objetivos mais fácil e adequadamente: zelar pela regularidade processual e preparar as próximas fases do processo, tendo em vista que as partes são as que melhor conhecem todos os elementos do litígio. E conforme o artigo 357, § 5, quando da realização dessa audiência, as partes deverão levar consigo o seu respectivo rol de testemunhas. Tal modificação é extremamente positiva e possibilita melhores resultados em um processo saneado com o auxílio e a participação das partes, ou seja, um processo democrático!

Por fim, destaca-se que o presente ensaio não objetivou esgotar a temática da audiência para saneamento de causas complexas em cooperação com as partes, mas despertar a curiosidade do leitor para continuar as reflexões sobre o assunto.


Notas e Referências:

[1] BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 146.

[2] GRASSI, Lucio. A função legitimadora do princípio da cooperação intersubjetiva no processo civil brasileiro. In: Revista de Processo, vol. 172, p. 32, jun, 2009, DTR 2009, 339, p. 32.

[3] “O princípio da cooperação, considerado a trave mestra do processo civil moderno, leva frequentemente a falar de uma ‘comunidade de trabalho’ (Albeitsgemeinschaft) entre as partes e o tribunal para a realização da função processual. A cooperação, há décadas propugnada por Rosenberg, foi ainda reafirmada como princípio fundamental do processo civil no IX Congresso Mundial de Direito Judiciário. Destina-se a transformar o processo civil numa ‘comunidade de trabalho’ e a responsabilizar as partes e o tribunal pelos seus resultados.”

GRASSI, Lucio. A função legitimadora do princípio da cooperação intersubjetiva no processo civil brasileiro. In: Revista de Processo, vol. 172, p. 32, jun, 2009, DTR 2009, 339, p. 32.

[4] BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 145.

[5] MITIDIERO, Daniel. A colaboração como norma fundamental do Novo Processo Civil brasileiro. In: Revista do Advogado. Ano XXXV, Maio de 2015, n. 126, “O Novo Código de Processo Civil”, p. 47-52.

[6] DIDIER, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17ª ed. Salvador: Ed. Jus Podvim, 2015, p. 127.

[7] Art. 357.  Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo:

I - resolver as questões processuais pendentes, se houver;

II - delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos;

III - definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373;

IV - delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito;

V - designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento.

§ 1º Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se torna estável.

§ 2º As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV, a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz.

§ 3º Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.

§ 4º Caso tenha sido determinada a produção de prova testemunhal, o juiz fixará prazo comum não superior a 15 (quinze) dias para que as partes apresentem rol de testemunhas.

§ 5º Na hipótese do § 3o, as partes devem levar, para a audiência prevista, o respectivo rol de testemunhas.

§ 6º O número de testemunhas arroladas não pode ser superior a 10 (dez), sendo 3 (três), no máximo, para a prova de cada fato.

§ 7º O juiz poderá limitar o número de testemunhas levando em conta a complexidade da causa e dos fatos individualmente considerados.

§ 8º Caso tenha sido determinada a produção de prova pericial, o juiz deve observar o disposto no art. 465 e, se possível, estabelecer, desde logo, calendário para sua realização.

§ 9º As pautas deverão ser preparadas com intervalo mínimo de 1 (uma) hora entre as audiências.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Meet // Foto de: Tim Dorr // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/timdorr/3946708876

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura