A audiência de conciliação ou mediação no Novo Código de Processo Civil – Por Luiza da Costa Alonso

04/08/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

Introdução

Em vigor há pouco mais de um ano, o Novo Código de Processo Civil ainda traz inúmeras incertezas e inseguranças aos profissionais do direito.

Um dos temas mais polêmicos e que gera cada vez mais dúvidas tanto em relação aos procedimentos, quanto em relação a sua efetividade, é a audiência de conciliação ou mediação.

CEJUSC e a necessidade de profissionais habilitados

Ao analisar diretamente o artigo 334, do Código de Processo Civil, que se refere à audiência de conciliação ou mediação, percebemos que, no caput traz-se a determinação de que a audiência deve ser marcada com, no mínimo, 30 dias de antecedência, devendo o réu ser citado pelo menos 20 dias antes de sua realização.

Com o objetivo de proporcionar um ambiente adequado para a realização das audiências e torná-las presentes em tantas comarcas quantas possíveis, o artigo 165 estabelece que os tribunais devem criar centros judiciários de solução consensual de conflitos, além de desenvolverem programas para auxílio, orientação e estimulação da autocomposição.

Entretanto, o CEJUSC não é uma realidade presente em muitas comarcas. Nesse caso, as demais comarcas contam com alguns profissionais de forma isolada. Como a princípio todos os processos devem ter a audiência de conciliação e mediação designada, a demanda acaba sendo demasiada, podendo gerar uma enorme morosidade na solução das lides.

Implicações da falta de estrutura

 A partir dessa falta de estrutura, outro problema ainda maior é gerado.

Muitos juízes vêm utilizando como “desculpa” a falta de estrutura de suas comarcas para não observar a determinação de designação dessa audiência. Porém, normalmente, essas decisões não são devidamente fundamentadas.

A simples alegação de falta de estrutura não deveria ser aceita como justificativa para burlar o que se estabelece no Código de Processo Civil. O correto é a decisão que denega a realização da audiência de conciliação demonstrar por meio de dados fáticos e numéricos o efetivo atraso que acarretaria na pauta de julgamento dos processos naquela comarca, comprovar que a celeridade processual e o acesso à justiça seriam de fato prejudicados.

Hipóteses em que a audiência de conciliação ou mediação não será marcada

Conforme expresso no §4º do artigo 334, existem somente duas hipóteses em que a audiência não será realizada. A primeira delas é caso ambas as partes manifestem desinteresse na composição consensual. Outra hipótese é o caso de não admissão da autocomposição.

Com base no texto legal, depreende-se que, para a não realização da audiência, ambas as partes devem manifestar desinteresse.

Dentre os requisitos da petição inicial, o artigo 319, VII, do Código de Processo Civil traz a determinação de que o autor deve constar na inicial se deseja, ou não, a realização da audiência de conciliação.

Diante do silêncio do autor, o artigo 321, do dispositivo supracitado, estipula que, caso haja defeitos ou irregularidades na petição inicial que dificultem o julgamento do mérito, o juiz determinará que o autor a emende ou a complete dentro do prazo de 15 dias.

Ou seja, é dever do juiz determinar que a dúvida em relação à opção do autor seja sanada, o silêncio do autor não pode ser interpretado.

Apesar disso, muitos juízes vêm entendendo que o silêncio do autor seria um desinteresse na realização na audiência de conciliação ou mediação, pois caso fosse a intenção o autor teria se manifestado expressamente a respeito.

Da mesma forma, o silêncio do réu não deve ser interpretado, uma vez que o §4° traz a afirmação de que o desinteresse de ambas as partes deve ser expresso.

A resistência dos juízes em relação ao artigo 334 do Código de Processo Civil

Embora desde a vigência do novo código os juízes tenham apresentado enorme resistência em relação a designação da audiência de conciliação ou mediação, o código é claro, a opção é das partes, e não do juiz.

Outra justificativa utilizada pelos juízes para a não designação da audiência de conciliação ou mediação tem se baseado no enunciado 35 do ENFAM (Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados):

35) Além das situações em que a flexibilização do procedimento é autorizada pelo art. 139, VI, do CPC/2015, pode o juiz, de ofício, preservada a previsibilidade do rito, adaptá-lo às especificidades da causa, observadas as garantias fundamentais do processo.”

Segundo os juízes, nos casos que eles entendem que a probabilidade de uma conciliação acontecer é muito baixa, o enunciado, assim como o artigo 139, do Código de Processo Civil, permitiria a flexibilização da lei, ou seja, seria possível que o juiz optasse por não realizar a audiência de conciliação.

Porém, dentre os mesmos enunciados divulgados em 2016, o enunciado 61 do ENFAM estipula que somente em caso de recusa expressa de ambas as partes ficará impedida a realização da audiência de conciliação ou mediação.

A audiência de conciliação e mediação em casos com litisconsórcio

O parágrafo 5º do artigo 334, do Código de Processo Civil, traz outro problema a ser superado. Nesse dispositivo, se estabelece que o réu, por meio de petição, deverá apresentar com dez dias de antecedência, a serem contados da data da audiência, seu desinteresse na autocomposição.

Vejamos, em comarcas com grande demanda, a audiência determinada no artigo acima mencionado poderá ser marcada para meses depois da propositura da demanda.

Nesse contexto, o réu poderá se manter inerte por todo o período e, somente dez dias antes da audiência manifestar sua falta de interesse.

O texto normativo acaba por privilegiar o réu, indo diretamente contra o disposto no artigo 4º do dispositivo legal, que estipula o direito das partes em obter a solução integral do mérito em um prazo razoável, além de não velar pela duração razoável do processo (art. 139, II, Código de Processo Civil).

A parte demandada ainda será beneficiada no que diz respeito à contestação. O artigo 335, II, do Código de Processo Civil, informa que o prazo para apresentação desta é de 15 dias contados do protocolo do pedido de cancelamento da audiência de conciliação ou mediação.

O correto seria a estipulação do prazo de 10 dias contados a partir da ciência do réu sobre a audiência de conciliação, não da data designada para a mesma.

A situação se complica ainda mais no §6º. Em caso de litisconsortes todos devem se manifestar. A audiência somente não será realizada caso haja unanimidade.

Todavia, em caso de litisconsorte passivo, como já mencionado, o prazo para apresentação de contestação começa a correr a partir do protocolo de pedido de cancelamento da audiência.

Pode-se imaginar o caos instaurado no processo. Cada um dos litisconsortes terá prazos diferentes para a apresentação da contestação, ademais, se a desistência da audiência não for unânime, todos deverão comparecer na data designada sob pena de multa, como se verá a seguir.

O absurdo normativo é confirmado pelo §1º, do artigo 335:

§ 1º No caso de litisconsórcio passivo, ocorrendo a hipótese do art. 334, § 6º, o termo inicial previsto no inciso II será, para cada um dos réus, a data de apresentação de seu respectivo pedido de cancelamento da audiência.”

Mas o maior problema está na possibilidade da perda do prazo para contestação. Vejamos, se uma audiência de conciliação ou mediação é designada para dali cinco meses em um processo com três litisconsortes, no primeiro mês um deles peticiona desistindo da audiência, no segundo mês outro desiste, e o terceiro acaba por peticionar somente dez dias antes da realização dessa audiência.

Nesse caso, os dois primeiros litisconsortes perdem o prazo para apresentação de suas defesas.

Em caso de não designação de audiência

Por fim, um dos temas mais polêmicos de grande dúvida e complexidade em relação à audiência de conciliação ou mediação é o procedimento a ser adotado caso a audiência não seja designada.

O que podemos observar nas recentes jurisprudências é a tendência de, em fase recursal, tentar reverter a sentença alegando preliminarmente na apelação cerceamento de defesa pela não designação da audiência de conciliação ou mediação.

A presente dúvida sobre a medida correta a ser aplicada se da pela omissão do novo dispositivo.

Com a alteração do agravo de instrumento trazendo um rol taxativo no artigo 1015, do Código de Processo Civil, não seria possível recorrer a esse mecanismo.

O artigo 278, do dispositivo legal em questão, determina que a nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos.

Assim, na falta de designação da audiência de conciliação ou mediação, o primeiro momento no qual o autor deve se manifestar é na petição inicial.

Nesse momento voltamos ao fato da obrigatoriedade da manifestação do autor, em inicial, sobre o interesse na autocomposição. Em caso de omissão, é dever do juiz determinar que os defeitos da inicial sejam sanados.

Em relação ao réu, o código também deixa margens para dúvida. Com base no artigo 278 anteriormente mencionado, o correto seria a manifestação sobre a não designação da audiência em contestação.

Mas, em contestação, o momento da realização da audiência já teria se passado. Mesmo que o réu alegasse cerceamento de defesa em preliminar de contestação, o autor já teria acesso aos argumentos da partes contrária, o que poderia prejudicar a autocomposição.

Dessa forma, fica a dúvida se seria possível por meio de uma simples petição, ou por impugnação requerer que o juiz designasse a audiência de conciliação e mediação.

Mesmo que o réu se utilize desses recursos, o tempo que o juiz demoraria para analisar o pedido poderia ser superior a 15 dias, ou seja, o réu perderia o prazo da contestação.

Mais uma vez, o réu seria obrigado a apresentar contestação antes do juiz apreciar o pedido sobre a designação da audiência de conciliação ou mediação, sob pena de perder o prazo e ser considerado revel.  O óbice se repete, o autor teria acesso aos argumentos da parte contrária, interferindo no seu interesse na realização da audiência.

Ainda sobre as alternativas a serem adotadas pelo réu, o artigo 283 do Código de Processo Civil determina:

Art. 283 O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo ser praticados os que forem necessários a fim de se observarem as prescrições legais.”

Com isso, mesmo que o réu alegue cerceamento de defesa em contestação, ou até mesmo em apelação, os atos praticados, como estão sujeitos à prescrição legal, não serão anulados. Ou o réu encontra uma forma de o juiz acatar seu pedido da realização da audiência, ou, muito provavelmente, a autocomposição restará prejudicada.

Com base nessas situações, percebemos que o réu acaba ficando encurralado e a mercê da vontade do juiz.

Como um acordo entre as partes pode ocorrer a qualquer momento do processo, uma alternativa seria peticionar requerendo ao juiz uma audiência de conciliação, mesmo que o momento da audiência determinada do artigo 334 do Código de processo Civil tenha passado.

Considerando as recentes jurisprudências e a resistência dos juízes em designar audiência de conciliação ou mediação, na maioria das vezes sem argumentos razoáveis, os profissionais do direito tem o dever de intervir para que tal conduta não se torne habitual.

Pensando nisso, caso seja uma conduta reiterada de juízes ou tribunais, seria possível um ofício perante a OAB ou até mesmo uma correição parcial, visando inibir o descumprimento do preceituado do artigo 334 do Código de Processo Civil.

Conclusão

Diante dos esclarecimentos acima, devemos nos atentar às falhas do novo Código de Processo Civil e aguardar as jurisprudências que serão formadas para orientar as condutas a serem tomadas.

É importante que os profissionais de direito estejam cientes e se antecipem aos possíveis problemas que serão causados em virtude das lacunas existentes no texto normativo evitando um prejuízo maior para seus clientes.


Notas e Referências:

BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 3ª ed. Editora Saraiva, 2017, v. único.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. 2ª ed. Editora Revista dos Tribunais, 2016, v. 2.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo. 2ª ed. Editora JusPODIVM, 2017, v. único.


 

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