A ATIPICIDADE DA VIOLAÇÃO DA SUSPENSÃO ADMINISTRATIVA DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR

07/03/2019

No presente artigo iremos analisar a penalidade de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor, aplicada nos termos da Lei nº 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro, e o recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca da caracterização do crime do art. 307 desse citado diploma.

Inicialmente, convém esclarecer que o Código de Trânsito Brasileiro prevê, basicamente, duas espécies de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor: a primeira delas imposta pela autoridade administrativa (restrição administrativa), em casos de infração das normas de trânsito; a segunda imposta pelo juiz de Direito (decisão judicial), quando da prática de infração penal.

No caso da primeira hipótese, dispõe o art. 22, II, do Código de Trânsito Brasileiro que compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição, dentre outras atribuições, realizar, fiscalizar e controlar o processo de formação, aperfeiçoamento, reciclagem e suspensão de condutores, expedir e cassar Licença de Aprendizagem, Permissão para Dirigir e Carteira Nacional de Habilitação, mediante delegação do órgão federal competente.

O art. 162, II, do mesmo diploma, por seu turno, prevê como infração gravíssima (de cunho não penal), a conduta de dirigir veículo com Carteira Nacional de Habilitação, Permissão para Dirigir ou Autorização para Conduzir Ciclomotor cassada ou com suspensão do direito de dirigir, que deverá ser aplicada pela autoridade de trânsito, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição.

Nesse aspecto, a penalidade de suspensão do direito de dirigir, nos termos do disposto no art. 261, será imposta nos seguintes casos: I - sempre que o infrator atingir a contagem de 20 (vinte) pontos, no período de 12 meses, conforme a pontuação prevista no art. 259; II - por transgressão às normas estabelecidas no Código, cujas infrações prevêem, de forma específica, a penalidade de suspensão do direito de dirigir. Estabelece, ainda, o § 2º do citado artigo que, quando ocorrer a suspensão do direito de dirigir, a Carteira Nacional de Habilitação será devolvida a seu titular imediatamente após cumprida a penalidade e o curso de reciclagem. Nos termos do § 3º, a imposição da penalidade de suspensão do direito de dirigir elimina os 20 pontos computados para fins de contagem subsequente. 

Por derradeiro, ainda no âmbito administrativo, as penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação serão aplicadas por decisão fundamentada da autoridade de trânsito competente, em processo administrativo, assegurado ao infrator amplo direito de defesa.

Já com relação à segunda hipótese de suspensão, aplicada pelo juiz de Direito (decisão judicial), estabelece o art. 292 do Código de Trânsito Brasileiro, com a redação dada pela Lei nº 12.971/14, que a suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor pode ser imposta isolada ou cumulativamente com outras penalidades. Essa suspensão tratada, portanto, pode ser aplicada ao lado da pena privativa de liberdade prevista em cada tipo penal constante do Código de Trânsito Brasileiro. Pode ser aplicada isolada ou cumulativamente com a pena privativa de liberdade ou com a pena pecuniária.

De acordo com o disposto no art. 293 do Código de Trânsito Brasileiro, a duração dessa penalidade aplicada pelo juiz é de 2 meses a 5 anos. Transitada em julgado a sentença condenatória, o réu será intimado a entregar à autoridade judiciária, em 48 horas, a permissão para dirigir ou a Carteira de Habilitação. A penalidade referida não se inicia enquanto o sentenciado, por efeito de condenação penal, estiver recolhido a estabelecimento penal.

Ademais, estabelece o art. 294 do Código de Trânsito Brasileiro que, em qualquer fase da investigação ou da ação penal, havendo necessidade para a garantia da ordem pública, poderá o juiz, como medida cautelar, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, ou ainda mediante representação da autoridade policial, decretar, em decisão motivada, a suspensão da permissão ou da habilitação para dirigir veículo automotor ou a proibição de sua obtenção.

Aplicada pelo juiz, a suspensão da permissão para dirigir veículo automotor ou da habilitação

será sempre comunicada ao Conselho Nacional de Trânsito –CONTRAN e ao órgão de trânsito do Estado em que o indiciado ou réu for domiciliado ou residente.

Ainda no aspecto criminal, constitui infração penal prevista no art. 307 do Código de Trânsito Brasileiro, “violar a suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor imposta com fundamento neste Código”, apenada com detenção, de 6 meses a 1 ano e multa, com nova imposição adicional de idêntico prazo de suspensão ou de proibição.

Tratando-se de crime que visa à tutela da administração pública, sujeito ativo somente pode ser aquele que teve sua habilitação suspensa.

A consumação do crime ocorre com a efetiva violação da suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor. Trata-se de crime formal, não sendo admitida a tentativa.

A questão importante a ser discutida neste artigo, entretanto, diz respeito à possibilidade de configuração do referido delito do art. 307 do Código de Trânsito Brasileiro quando a suspensão da habilitação for decretada em decisão administrativa, não judicial.

O Superior Tribunal de Justiça, em recente julgamento do HC 427.472-SP, em 23.08.2018, tendo como relatora a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, por maioria de votos, entendeu que a criminalização se cinge às hipóteses de suspensão da habilitação decretada por decisão judicial, sendo atípica a violação da suspensão administrativa.

Em acórdão publicado no DJe em 12.12.2018, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que é atípica a conduta contida no art. 307 do Código de trânsito Brasileiro quando a suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor advém de restrição administrativa.

Cingiu-se a controvérsia a analisar se a tipicidade requerida pela descrição penal do art. 307 do Código de Trânsito abrangeria tanto a restrição administrativa quanto a judicial que impõe a suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Isso porque a suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor, antes restrita a mera penalidade de cunho administrativo, passou a ser disciplinada como sanção criminal autônoma, tanto pelo Código Penal, ao defini-la como modalidade de pena restritiva de direitos, como pelo Código de Trânsito Brasileiro, ao definir penas para o denominados "crimes de trânsito".

Segundo o entendimento do Tribunal, resta evidente que o legislador quis qualificar a suspensão ou proibição para dirigir veículo automotor como pena de natureza penal, deixando para a hipótese administrativa o seu viés peculiar.

Assim, em conclusão, a conduta de violar decisão administrativa que suspende a habilitação para dirigir veículo automotor não configura o crime do artigo 307 do Código de Trânsito Brasileiro, embora possa constituir outra espécie de infração administrativa, segundo as normas correlatas, pois, dada a natureza penal da sanção, somente a decisão lavrada por juízo penal pode ser objeto do descumprimento previsto no tipo penal referido.

 

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