A atipicidade da contravenção penal de porte de arma branca

29/11/2015

Por Rubens Almeida Passos de Freitas - 29/11/2015

O art. 19 da Lei de Contravenções Penais, prevê como infração penal "trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade", sujeitando o infrator à pena de "prisão simples, de 3 (três) meses a 1 (um) ano"

O artigo supracitado era aplicado também em relação à arma de fogo, quando inexistia lei regulamentando a posse, porte, registro e comercialização de armas de fogo e munição.

Em relação ao porte de arma branca (faca, soco inglês, canivetes, dentre outros), não são raras as apresentações de autores nas delegacias, ou até mesmo as denúncias oferecidas pelo Ministério Público. Entretanto, entendo ser tal conduta atípica, como será visto adiante.

A contravenção em tela é bastante clara: restará configurada desde que o autor não possua "licença da autoridade". No entanto, não há regulamentação de licença para o porte de armas brancas. Ora, se não existe norma jurídica disciplinando em que condições o uso de arma branca pode ser admitida, não há como, nem a quem, solicitar autorização para o seu porte.

Trata-se de norma penal em branco, dependendo de complementação de outra norma jurídica. O ilustre doutrinador Magalhães Noronha assim preleciona acerca do assunto: "É aquele, pois, preenchido por outra disposição legal, por decretos, regulamentos e portarias" (Noronha, E. Magalhães, Direito Penal, São Paulo, Saraiva, 2000, v. 1, p. 48). Na conhecida frase de Binding, "a lei penal em branco é um corpo errante em busca de alma" (Apud Soler, Derecho Penal argentino, Buenos Aires, TEA, 1976, v. 1, p. 122)

Sendo assim, o porte de faca, ou outra arma branca, não é proibido em nosso ordenamento jurídico, razão pela qual entendo não ser possível, sequer, a instauração de termo circunstanciado para apurar o fato.

Em ação penal perante o Juizado Especial Criminal de Rio Negrinho/SC (autos n. 055.13.000140-0), justamente sobre a contravenção ora discutida, a Exma. Dra. Monike Silva Póvoas, Juíza de Direito da comarca, rejeitou a denúncia oferecida pelo Ministério Público sob este mesmo fundamento, qual seja, pela atipicidade da conduta.

Corroborando o quanto exposto, a jurisprudência dos nossos tribunais tem comungado do mesmo entendimento ora mencionado, como podemos observar:

"APELAÇÃO CRIMINAL. PORTE ILEGAL DE ARMA BRANCA (ART.19, CAPUT, DO DECRETO-LEI Nº. 3.688/41). Tipo contravencional que carece de regulamentação sobre as condições em que o porte de arma branca seria admitido e/ou inadmitido. Norma penal em branco não complementada. Absolvição que se impunha, com força no princípio da legalidade (art. 386, inc. III, do C.P.P.). Sentença mantida por seus próprios fundamentos. APELO IMPROVIDO." (Apelação Crime n.º 70009858002, 6ª Câmara Criminal, TJRS, Rel. Aymoré Roque Pottes de Mello, julgado em 24.08.2005). 

"PENAL E PROCESSO PENAL. PORTE DE ARMA BRANCA. CONTRAVENÇÃO. ATIPICIDADE. 1. A conduta de quem transporta faca em via pública não se subsume ao tipo descrito no artigo 19 do Decreto-Lei 3.688/41, haja vista a ausência de regulamentação sobre o porte e uso de armas brancas. 2. Inexistindo a possibilidade de se obter autorização para o uso e porte de instrumentos da espécie, improcede a pretensão punitiva, em face do princípio da reserva legal estrita. 3. Recurso conhecido e provido." (20060710016643APJ, Relator SANDOVAL OLIVEIRA, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado em 17/06/2008, DJ 06/08/2008 p. 110)

Pelo acima exposto, conclui-se que a contravenção prevista no artigo 19 da LCP é atípica, não havendo qualquer motivo para eventual autor ser conduzido à Delegacia, ou até mesmo ter contra si um termo circunstanciado instaurado, causando-lhe constrangimento desnecessário e até mesmo abusivo.


Rubens Almeida Passos de Freitas..

Rubens Almeida Passos de Freitas é Pós-Graduado em "Investigação, Constituição e Direito de Defesa" pela Universidade Anhanguera – UNIDERP. Delegado Regional de Polícia Civil em Santa Catarina. .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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