A APP urbana: evolução e importância – Por Wagner Carmo

24/09/2017

1. Escorço histórico na legislação brasileira[1].

A evolução legislativa do Brasil em matéria ambiental colabora significativamente para a compreensão do modelo de uso e manejo das áreas de preservação permanente em ambiente urbano. Entre o revogado código florestal de 1965 e a Lei Federal n.º 12. 651/2012, decorram-se exatos 47 anos; período em que o Brasil, dentre as inúmeras normas jurídicas editadas, promulgou a Constituição Federal de 1988.

Sabe-se que durante toda a vigência do código florestal de 1965 não se reconheceu tanto a existência quanto a importância das áreas de preservação permanente localizadas em áreas urbanas; ainda que sob o ponto de vista ambiental e ecológico as áreas estivessem associadas a sustentabilidade e ao bem-estar humano.

O embrião das discussões legais remonta a transição do Decreto Federal n.º 23.793/1934 para o código florestal de 1965, espelhado pela preocupação com a proteção das florestas diante do desmatamento realizado em função do desenvolvimento econômico do País e os impacto para a qualidade de vida da população urbana. À época, na exposição de motivos do anteprojeto de lei elaborado entre 1961 e 1962 pelo grupo de trabalho coordenado por Osny Duarte Pereira apregoava-se:

“conclamar o povo brasileiro para este encargo que se torna de ano para ano, dadas as secas e as enchentes, um problema cada vez mais agudo, não só para eficiência da agricultura e da pecuária e segurança da sobrevivência das populações que habitam as margens dos rios, como para o próprio abastecimento de água das populações urbanas”

Embora o código florestal de 1965 não tenha avançado de forma significativa em relação às áreas de preservação permanente, reconhece-se os avanços em relação à proteção das florestas por meio da distinção atribuída quanto a funcionalidade para contenção de erosões, para melhorar o regime de precipitação de chuvas pela evapotranspiração, para a estabilidade geológica, para manutenção da fauna e da flora e, especialmente, para o bem-estar humano.

Dentre as medidas legislativas de maior importância do código florestal de 1965, em relação às áreas de preservação permanente, encontra-se a fixação de limites mínimos para áreas que deveriam ser preservadas; admitindo de forma indireta a fragilidade da natureza em face do desenvolvimento econômico.

Após a edição do código florestal de 1965, os avanços sociais e os debates internacionais levaram o Brasil à edição de outras normas, destacando-se a Lei Federal n.º 6.938/1981, reconhecida como a Lei da Política Nacional de Meio Ambiente. Na mesma década, houve a edição da Lei Federal n.º 7.511/1986, responsável por ampliar os limites mínimos para as áreas de preservação permanente e, também, pela revisão da permissão de substituição das florestas heterogêneas por florestas homogêneas.

Em 1988, com a edição da Constituição Federal, o Brasil entrou, definitivamente, para o debate ambiental e inovou por meio do art. 225, cujo conteúdo alcançou de forma direta as áreas de proteção permanente, determinando que houvesse a definição, em todas as unidades da Federação, de espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos.

O crescimento das cidades e os problemas ambientais acumulados em decorrência do uso irregular das áreas de preservação permanente colaboraram para a ocorrência de desastres ambientais, dentre os quais pode-se citar as enchentes; os problemas de abastecimento hídrico e a sensação térmica alterada. Como resposta, o legislador alterou o Código Florestal e depois editou diversas normas ambientais. A primeiro alteração foi com a Lei Federal n.º 7.803/1989, que fixou a aplicabilidade das regras do código florestal de 1965 para áreas urbanas e instituiu a obrigação da averbação, na matricula do imóvel, da área de reserva legal para as propriedades rurais. A segunda alteração ocorreu com a edição da Medida Provisória 1.511/1996, que restringiu a ampliação de áreas de pecuária e de agricultura sobre as florestas, impondo limites ao desmatamento.

A terceira norma foi a Lei n.º 9.605/98, denominada de Lei de Crimes Ambientais, que tornou inafiançável a pratica de atividades lesivas ao meio ambiente e a saúde humana, incluindo, também, qualquer ação de transgressão às normas de proteção das florestas e a promoção de qualquer forma de poluição causadora de danos à saúde humana ou a mortandade de animais.

A quarta norma veio no ano de 2000, com a edição da Lei n.º 9.985 que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Em 2001, a quinta norma de destaque foi a Medida Provisória 2.166-67, que definiu o conceito de área de preservação e reforçou sua aplicabilidade no meio urbano. A área de preservação permanente passou a ser considerada como sendo “área coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas

A sexta norma foi a Lei Federal 11.977/2009 que tratou do Programa Minha Casa Minha Vida e sobre a regularização fundiária de assentamentos localizados em área urbana. A aludida norma imbricou a legislação urbanística, em especial a Lei Federal n.º 10.257/2001, estatuto da cidades, com o código florestal de 1965.

Pela Lei Federal 11.977/2009, houve o estabelecimento da possibilidade de regularização fundiária de interesse social em área de preservação permanente inserida em área urbana consolidada e ocupada até 2007 sob a condição de que haveria a realização de ações com vista a melhorar as condições ambientais das cidades.

Em 2012, após 13 anos de tramitação, o Congresso apreciou o Projeto de Lei nº 1876/1999, de autoria do deputado ruralista Sergio Carvalho, criando o Novo Código Florestal pela Lei Federal 12.651/2012.

2. A sustentabilidade urbana: avanços e retrocessos com o novo código florestal em relação as áreas de preservação permanente.

O entelhamento da Lei Federal n.º 12.651/2012, novo código florestal com as Leis Federais n.º 6.766/79, lei do parcelamento do solo e  10.257/2001, estatuto da cidade, instituiu o direito a cidades sustentáveis, um conceito urbanístico, porém, não necessariamente ecológico, voltado para conservação da qualidade de vida e do bem estar do Ser Humano.

A sustentabilidade urbana, segundo a Lei n.º 10.257/2001, ocorre por meio: a) do planejamento de medidas para evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; b) da ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar a poluição e a degradação ambiental e a exposição da população a riscos de desastres; c) da adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência; d) da proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico.

Pela Lei Federal n.º 6.766/1979, há restrições quanto a ocupação do solo em áreas de alagadiço e sujeito a inundações; em áreas que tenham sido aterrados com material nocivo; em áreas com declividade superior a 30%, salvo se atendidas exigências específicas; em áreas onde as condições geológicas não aconselham a edificação e em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.

Com a Lei n.º 10.932/2004, que alterou a Lei n.º 6.766/1979, houve o estabelecimento de requisitos para implantação de loteamentos, destacando-se a obrigatoriedade em reservar faixa não edificável de 15 (quinze) metros de cada lado ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio das rodovias e ferrovias, salvo maiores exigências da legislação específica.

3. Retrocessos e avanços.

As normas urbanísticas, mesmo que tenham e sejam importantes para a qualidade de vida do Ser Humano e para a sustentabilidade urbana, não resolveram os dilemas ecológicos e ambientais envolvendo as áreas de preservação permanente urbanas. A redação da Lei n.º 12.651/2012 (novo código florestal) e da alteração realizada pela Lei n.º 12.727/2012, quando comparada com as disposições do código florestal de 1965, representam um retrocesso em relação aos seguintes itens: a) a legislação atual não protege as nascentes e olhos d’agua de onde deriva cursos d’agua intermitentes; b) a legislação atual não exige área de preservação permanente para o entorno de lagos artificiais e permite a fixação da largura da área de preservação permanente no licenciamento ambiental; c) a legislação atual permite a intervenção ou a supressão de área de preservação permanente por interesse social ou utilidade pública sem o estudo de alternativa locacional e d) a legislação atual permite, em razão do conceito de utilidade pública, a instalação de aterro sanitário em área de preservação permanente.

Lado outro, pode-se afirmar que o novo código florestal avançou ao inserir no texto a definição de área verde urbana como sendo espaços, públicos ou privados, com predomínio de vegetação, preferencialmente nativa, natural ou recuperada, previstos no Plano Diretor, nas Leis de Zoneamento Urbano e Uso do Solo do Município, indisponíveis para construção de moradias, destinados aos propósitos de recreação, lazer, melhoria da qualidade ambiental urbana, proteção dos recursos hídricos, manutenção ou melhoria paisagística, proteção de bens e manifestações culturais.

4. A importância das áreas de preservação permanente urbanas.

As Áreas de Preservação Permanente, conforme já definido, consistem em espaços territoriais legalmente protegidos, ambientalmente frágeis e vulneráveis, podendo ser públicas ou privadas, urbanas ou rurais, cobertas ou não por vegetação nativa.

Entre as diversas funções ou serviços ambientais das áreas de preservação urbana, vale mencionar: a) a proteção do solo prevenindo a ocorrência de desastres associados ao uso e ocupação inadequados de encostas e topos de morro; b) a proteção dos corpos d’água, evitando enchentes, poluição das águas e assoreamento dos rios; c) a manutenção da permeabilidade do solo e do regime hídrico, prevenindo contra inundações e enxurradas, colaborando com a recarga de aquíferos e evitando o comprometimento do abastecimento público de água em qualidade e em quantidade; d) a função ecológica de refúgio para a fauna e de corredores ecológicos que facilitam o fluxo gênico de fauna e flora, especialmente entre áreas verdes situadas no perímetro urbano e nas suas proximidades, e e) a atenuação de desequilíbrios climáticos intra-urbanos, tais como o excesso de aridez, o desconforto térmico e ambiental e o efeito “ilha de calor”.

5. Conclusões[2].

A manutenção das APP em meio urbano, ultrapassadas as questões relativas às funções ecológicas, possibilita a valorização da paisagem e do patrimônio natural e construído. Trata-se de espaços que exercem funções sociais e educativas relacionadas com a oferta de campos esportivos, áreas de lazer e recreação, oportunidades de encontro, contato com os elementos da natureza e educação ambiental, proporcionando uma maior qualidade de vida às populações urbanas, que representam 84,4% da população do país.

O processo de urbanização sem planejamento, com a ocupação irregular e o uso indevido das áreas de preservação reduziram-nas e degradaram-nas, provocando graves problemas nas cidades, exigindo empenho no incremento e no aperfeiçoamento de políticas ambientais urbanas voltadas à recuperação, manutenção, monitoramento e fiscalização das  áreas de preservação permanente.

Nesse diapasão, é necessário rever o sistema de gestão das áreas de preservação permanente; atualizar o marco regulatório, integrando de forma indene o código florestal e as leis de natureza urbanísticas e, sobretudo, envolver as comunidades no processo de gestão e de definição de normas para uso e instalação de atividades compatíveis com a função ambiental.


Notas e Referências:

[1] SEPE, Patricia Marra (1); PEREIRA, Hélia Maria Santa Bárbara (2); BELLENZANI, Maria Lucia. O novo Código Florestal e sua aplicação em áreas urbanas: uma tentativa de superação de conflitos. Disponível em http://anpur.org.br/app-urbana-2014/anais/ARQUIVOS/GT2-243-120-20140710190757.pdf. Acesso em 21/setembro/2017.

[2]Disponível em http://www.mma.gov.br/cidades-sustentaveis/areas-verdes-urbanas/%C3%A1reas-de-prote%C3%A7%C3%A3o-permanente. Acesso em 20/setembro/2017.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Trilhas do Jardim Botânico oferecem lazer e aprendizado // Foto de: Agência Brasília // Sem alterações

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