A APELAÇÃO NO MANDADO DE SEGURANÇA E O CUMPRIMENTO DAS ORDENS JUDICIAIS EM CASOS REPETITIVOS

01/09/2019

 

Coluna Advocacia Pública e outros temas jurídicos em Debate / Coordenadores Weber Luiz de Oliveira e José Henrique Mouta

Este ensaio pretende apontar algumas observações relacionadas ao recurso de apelação e aos aspectos diferenciados envolvendo o mandado de segurança quando envolve tema jurídico repetitivo.

Inicialmente, vale apontar que o efeito suspensivo da apelação mereceu preocupação específica do CPC/15. A redação em vigor aparentemente manteve o efeito suspensivo legal (ope legis) - conclusão advinda da leitura apressada do art. 1012, que consagra: “a apelação terá efeito suspensivo”.

O texto sancionado, se de um lado manteve o efeito suspensivo ope legis, de outro ampliou as exceções a este regramento e, como consequência, gerou um aumento de situações jurídicas em que o efeito suspensivo é pleiteado no próprio tribunal competente para a admissibilidade recursal.

Chamo a atenção para afirmar que, na maioria dos casos repetitivos, não há efeito suspensivo ope legis da apelação, levando em conta a redação do art. 1012, V c/c o §2º, do CPC/15.

Não se deve confundir a redação do art. 520, VI, do CPC/73, com a do art. 1012, V, do CPC/15. Enquanto naquela a retirada do efeito suspensivo legal ocorria apenas nos casos de confirmação da tutela antecipada, o sistema processual em vigor amplia para qualquer hipótese de confirmação, concessão e revogação de tutela provisória[1].

Em relação à tutela provisória de urgência (cautelar e antecipada), não há grande modificação em relação ao que já vinha sendo admitido na prática forense. Contudo, o grande destaque se refere à tutela de evidência (art. 311, do CPC/15), especialmente nos casos repetitivos.

Como forma de melhor equacionar o assunto, deve o intérprete observar que o art. 311, II, do CPC/15, se caracteriza como mais uma etapa do tema vinculação de precedentes[2].

Uma coisa nos parece certa: a ampliação da força vinculante é uma realidade nos sistemas processuais tanto da civil law quanto da common law, pelo que não é correto afirmar que o termo precedente é ligado apenas a este último[3] e, como consequência, o Código em vigor permite seja concedida tutela de evidência para garantir a eficácia imediata da sentença, independentemente da interposição do recurso de apelação que, a rigor, não terá efeito suspensivo ope legis, em relação a este capítulo[4].

Em suma: se de um lado o caput do art. 1012 indica que a apelação tem efeito suspensivo ope legis, de outro a concessão de tutela de evidência na própria sentença (especialmente nos casos de precedentes obrigatórios que fundamentaram a decisão), tem o condão de afastá-lo. Claro que, se no caso concreto existir mais de um pedido, a retirada do efeito suspensivo apenas alcança o capítulo objeto da tutela de evidência, enquanto os demais estarão sujeitos aos efeitos previstos no próprio art. 1012, do CPC.  A parte atingida pelo cumprimento provisório da decisão poderá requerer, pelo pedido de efeito suspensivo incidental à apelação, seja afastada esta ordem de cumprimento imediato do julgado (art. 1012, §§2º a 4º, do CPC).

Resta, neste breve texto, analisar estes dispositivos com olhos voltados ao procedimento do writ constitucional que, em regra, consagra a eficácia imedida da decisão mandamental (arts. 13 e 14, §3º, da Lei 12016/09).

No caso concreto, se for concedida a segurança e determinado o cumprimento imediato da sentença, deve o recorrente pleitear o efeito suspensivo diretamente no tribunal competente para apreciação da apelação (art. 1012, §§3º e 4º, do CPC/15).

Por outro lado, se existir restrição ao cabimento de liminar (art. 7º, §2º, da Lei 12.016/09), é vedado o cumprimento provisório da sentença (art. 14, §3º, da mesma legislação). Neste caso, a indagação a ser feita é a seguinte: é admissível a concessão de tutela de evidência na sentença (ou em outro momento procedimental), para afastar o efeito suspensivo ex legis da apelação interposta no mandamus (art. 14, §3º, da Lei 12016/09)[5]?

O ponto de partida para enfrentar a questão passa pela interpretação do art. 1.059, do CPC/15, que possui a seguinte redação:

“Art. 1.059.  À tutela provisória requerida contra a Fazenda Pública aplica-se o disposto nos arts. 1o a 4o da Lei no 8.437, de 30 de junho de 1992, e no art. 7o, § 2o, da Lei no 12.016, de 7 de agosto de 2009.”.

Pela leitura do dispositivo, parece claro que o legislador processual tentou fazer uma ligação entre as restrições às liminares contra a fazenda pública existentes nas legislações extravagantes, e as tutelas provisórias, genericamente previstas no CPC/15 (arts. 294-311).

Contudo, não se pode esquecer que as tutelas provisórias são fundadas em urgência e evidência (art. 294, do CPC), razão pela qual é dever enfrentar o cabimento ou não desta última na própria sentença do mandamus com o objetivo de afastar a restrição à exequibilidade imediada do julgado prevista no art. 14, §3º, da Lei 12.016/09. Seria possível a concessão de tutela de evidência na sentença para permitir o cumprimento provisório de uma decisão em mandado de segurança envolvendo, v.g., equiparação ou reclassificação de servidor público, mesmo diante da redação do art. 7º, §2º, da Lei 12.016/09?

O Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) possui Enunciado no sentido de que as restrições previstas no art. 1.059, do CPC/15, se aplicam apenas às tutelas de urgência:

Enunciado 35 do FPPC: “(art. 311) As vedações à concessão de tutela provisória contra a Fazenda Pública limitam-se às tutelas de urgência”.

Já o Fórum Nacional do Poder Público (FNPP) tem dois enunciados sobre o assunto:

Enunciado 13 do FNPP: “(arts. 311 e art. 1.059, Lei 13.105/15 e art. 7o, III, Lei 12.016/09) Aplica-se a sistemática da tutela da evidência ao processo de mandado de segurança, observadas as limitações do art. 1.059 do CPC”.

Enunciado 14 do FNPP: “(arts. 311 e art. 1.059, Lei 13.105/15) Não é cabível concessão de tutela provisória de evidência contra a Fazenda Pública nas hipóteses mencionadas no art. 1.059, CPC”. 

A questão é polêmica. Contudo, não se pode esquecer que as restrições previstas na Lei do Mandado de Segurança dizem respeito ao cumprimento provisório de decisão judicial, muitas vezes com reflexos pecuniários. Neste contexto, entendo que o art. 1.059, do CPC/15 diz respeito a ambas as tutelas provisórias (urgência e evidência) e em todos os momentos procedimentais.

Nos casos previstos nos arts. 7º, §2º e 14, §3º, da Lei especial, a rigor, todos os recursos (não só a apelação) possuem efeito suspensivo ex legis, levando em conta a vedação ao cumprimento provisória da decisão contra a fazenda pública.

Portanto, o que pretende a Lei do Mandado de Segurança é vedar, o que faz também em consonância com o art. 100, da CF/88, a exequibilidade do julgado antes do trânsito em julgado, mesmo quando pautado no elevado grau de probabilidade (como no caso da tutela de evidência), pelo que entendo incabível a tutela de evidência nas hipóteses enquadradas nestes dispositivos.

Outrossim, mesmo se prevalecer a interpretação contida no Enunciado 35 do FPPC, o recorrente poderá pleitear a suspensão da exequibilidade, como previsto no art. 1.012, §§3º e 4 º, do CPC/15.

Trata-se de um assunto polêmico que levo ao conhecimento dos leitores da coluna.

 

Note e Referências

[1] Vale transcrever as lições de Fredie Didier Jr e Leonardo Carneiro da Cunha: “a apelação também não terá efeito suspensivo automático, no caso de a sentença revogar a tutela provisória. O propósito é bem evidente: a revogação da tutela provisória deve produzir efeitos imediatamente, pois a sentença, que negou o direito em cognição exauriente, deve prevalecer sobre a decisão que concedeu a tutela fundada em cognição sumária”. Curso de direito processual civil. Vol 3. 13ª edição, Salvador: Juspodivm, 2016, p. 187.

[2] Por precedente se deve entender uma decisão judicial cujos motivos determinantes (ratio decidendi) passam a servir como paradigma para casos posteriores. Sobre o tema, ver SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba, Juruá: 2006; ATAIDE JR, Jaldemiro Rodrigues de Ataíde. Precedentes Vinculantes e Irretroatividade do Direito no Sistema Processual Brasileiro - Os Precedentes dos Tribunais Superiores e sua Eficácia Temporal. Curitiba : Juruá, 2012; ROSITO, Francisco. Teoria dos Precedentes Judiciais - Racionalidade da Tutela Jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012 e MARINONI, Luiz Guilherme., Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e common law e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista de Processo n. 172, São Paulo : Revista dos Tribunais, jun/2009, pp- 175-232.

[3] De acordo com as lições de Ravi Peixoto: “a categoria de precedente pertence à teoria do direito. Trata-se de noção fundamental para o funcionamento dos sistemas jurídicos, estando também relacionada com a teoria das fontes. Como destacado, tanto no civil law, como no comum law, existem precedentes, a diferença opera na importância a eles concedida por cada ordenamento jurídico". Superação do precedente e segurança jurídica. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 158.

[4] Mais uma vez vale citar as lições de Fredie Didier Jr, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira: “demais disso, a sentença final que confirma, concede ou revoga a tutela de evidência documentada fundada em precedente obrigatório é impugnável por apelação sem efeito suspensivo (cf. arts. 1013, §5º, e 1012, §1º, V, CPC). Essa é um das duas únicas hipóteses inovadoras de supressão de efeito suspensivo da apelação do CPC-2015. Inclusive, basta que o juiz conceda essa modalidade de tutela provisória no bojo da sentença para que a apelação seja despida de suspensividade. Torna-se, pois, uma nova e importante técnica de subtração do efeito suspensivo da apelação”. Tutela provisória de evidência. In Tutela provisória. COSTA, Eduardo José da Fonseca; PEREIRA, Mateus Costa e GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos (coords) . Salvador: Juspodivm, 2015, p. 428.

[5] Destarte, nos casos em que é incabível liminar, também não há permissivo para cumprimento imediato da sentença, mesmo quando concessiva da segurança. Logo, os recursos possuem efeito suspensivo ex legis.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura