A apelação do vencedor e o interesse recursal eventual: uma análise do § 1º, do art. 1.009 do CPC-15 – Por Denarcy Souza e Silva Júnior

28/08/2017

Embora seja comum a afirmação que da sentença cabe apelação, o que se extrai, inclusive, da própria leitura do caput do art. 1.009, do CPC-15, no atual diploma processual a apelação não se limitara a impugnar uma sentença, mas também poderá ter como objeto de impugnação uma decisão interlocutória não recorrível por meio de agravo de instrumento (art. 1.015, do CPC-15).

Percebe-se, assim, que o Código de Processo Civil atual privilegiou a oralidade, trazendo uma espécie mitigada de irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias, vale dizer, só serão imediatamente recorríveis por agravo de instrumento as decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento em primeiro grau que tratarem das hipóteses taxativamente previstas em lei, notadamente aquelas insertas nos incisos do art. 1.015, do CPC-15.

As decisões interlocutórias que não se subsumam àquelas hipóteses, não estão sujeitas à preclusão imediata e deverão ser impugnadas em preliminar de apelação ou nas contrarrazões deste recurso. Caso não sejam impugnadas, aí sim, precluirão, diante da ausência de insurgência contra elas. Essa última afirmação é importante, não é que as decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento em primeiro grau não estejam sujeitas à preclusão, elas só não precluem de imediato, mas se não forem impugnadas na apelação ou nas contrarrazões estão sujeitas à preclusão.

Embora o texto legal fale de suscitação e de preliminar de apelação, a interpretação correta a ser dada ao comando do § 1º, do art. 1.009 do CPC-15, é que a decisão interlocutória deve ser impugnada (com causa de pedir e pedido) na própria apelação, sendo que esta impugnação, pela lógica temporal da prolatação das decisões, deve ser feita antes da impugnação da sentença (que também será impugnada na apelação). Preliminar entendida, portanto, não como uma questão de admissibilidade, mas como algo que deve ser arguido antes.

Dentro desta perspectiva, proferida uma decisão interlocutória que não seja imediatamente agravável, ela não precluirá de logo, e, caso haja interesse recursal, deverá ser impugnada na mesma apelação onde o recorrente impugnará a sentença final, só que a impugnação da decisão interlocutória deve ser formulada primeiro que a da sentença (preliminarmente).

Não há grande dificuldade de se perceber como deverá ser operacionalizada essa impugnação: a mesma apelação impugnará a decisão interlocutória e a sentença, sendo aquele rechaço anterior a este. O problema pode surgir em se tratando da impugnação da decisão interlocutória nas contrarrazões da apelação, mesmo porque, historicamente, as contrarrazões se prestam a responder ao recurso e não para se deduzir pretensão recursal.

Em verdade, essas contrarrazões terão dupla natureza: serão, ao mesmo tempo, resposta ao recurso e um meio de impugnação da decisão judicial. Mas de que meio de impugnação da decisão se está falando? Decerto, de uma apelação. As contrarrazões serão, nestes casos, uma apelação do vencedor contra decisão interlocutória não agravável.

Surge então um problema: qual o interesse recursal do vencedor para impugnar uma decisão interlocutória que lhe foi desfavorável? Como vencedor, se a parte contrária não impugnar a sentença, haverá trânsito em julgado que o beneficiará, não havendo qualquer utilidade na interposição de recurso de apelação. Ocorre que se a parte vencida apelar, a vitória da outra parte pode ser revertida, o que pode fazer surgir o interesse dela em rediscutir aquela decisão interlocutória proferida anteriormente. Perceba-se, que não haverá interesse recursal de logo para a parte vencedora, para que se possa começar a visualizá-lo, é necessário, ao menos, que a parte vencida interponha a apelação (fazendo surgir a possibilidade de modificação da decisão).

Entretanto, a tão-só interposição da apelação pela parte vencida não faz surgir o interesse recursal da parte vencedora. A apelação terá que ser admitida e provida, apenas depois do provimento do recurso é que surge para o vencedor o interesse recursal de reanálise da decisão interlocutória que lhe foi desfavorável. Caso a apelação não seja conhecida ou mesmo que conhecida, seja improvida, mantém-se incólume a sentença e nenhum proveito haverá para o vencedor em ver julgada a apelação veiculada nas contrarrazões.

Um exemplo pode elucidar maiores dúvidas: imagine que a parte teve indeferida a produção de uma prova, contra está decisão interlocutória não cabe recurso de agravo de instrumento. Apesar do indeferimento da produção da prova esta parte sagrou-se vencedora ao final, quando da prolatação da sentença. Não há, em razão da vitória, nenhum interesse da parte em impugnar a decisão interlocutória que indeferiu a produção da prova. Entretanto, se a parte vencida apelar, poderá haver a reversão da decisão o que poderá fazer surgir o interesse do vencedor em rediscutir a necessidade e utilidade daquela prova que lhe foi negada. Nestes casos, em razão da apelação da parte vencida e da possibilidade de reversão da decisão, o vencedor poderá, nas contrarrazões da apelação, impugnar aquela decisão interlocutória que lhe foi desfavorável. Ocorre que o interesse recursal do vencedor só surgirá realmente se a apelação do vencido, além de conhecida, for provida.

Sem muito esforço fica evidente que a apelação do vencedor contra decisão interlocutória não agravável é um recurso subordinado, parecido, mas não igual, com já conhecido recurso adesivo. No CPC-73 recurso adesivo e recurso subordinado eram sinônimos, no CPC-15 recurso subordinado é gênero do qual são espécies: a) o recurso adesivo; e b) apelação do vencedor contra decisão interlocutória não agravável.

Como se trata de uma apelação do vencedor, mas veiculada juntamente com as contrarrazões (nos mesmos moldes da reconvenção e da contestação numa mesma peça), esse recurso deve preencher todos os requisitos de admissibilidade necessários ao manejo da apelação, valendo-se, para se chegar a essa conclusão, de uma utilização analógica do art. 997 e seus parágrafos.

Ressalte-se, uma vez mais, que o interesse recursal do vencedor somente surgirá se a apelação do vencido for conhecida e provida, caso contrário, em razão da manutenção da sentença que lhe foi favorável, nenhuma utilidade advirá do julgamento da apelação. O recurso será, então, condicionado ao provimento da apelação do vencido.

Por se tratar de duas apelações (do vencido e do vencedor), ambos os recursos são julgados na mesma sessão de julgamento, sendo que a apelação do vencido será prejudicial à do vencedor, que está condicionada, como dito, ao provimento da apelação independente. Em sendo dado provimento à apelação do vencido, passa-se à análise da apelação do vencedor, em esta sendo também provida, resolve-se o provimento da apelação do vencido, prevalecendo o provimento da apelação do vencedor. Isso porque, por ela ter como objeto uma decisão interlocutória anterior à sentença, no comum dos casos, a sentença será invalidada e o processo retornará ao primeiro grau para que tenha regular prosseguimento.

Dúvidas poderiam surgir acerca do interesse recursal do vencedor (na sentença) para impugnar de forma independente a decisão interlocutória em sede de apelação, ou seja, se haveria ou não a possibilidade de o vencedor impugnar uma decisão interlocutória que lhe foi desfavorável por meio de uma apelação independente (sem depender da interposição da apelação pela parte vencida), deixando, contudo, de impugnar a sentença, porque, em face desta, o recurso não teria qualquer utilidade.

Que o vencido, em sede de apelação, pode impugnar apenas uma decisão interlocutória que lhe foi desfavorável, deixando de impugnar a sentença, não há dúvidas, mesmo porque se quando do julgamento da apelação contra a decisão interlocutória for dado provimento ao recurso, em regra, a sentença, que é um ato processual posterior, perderá o seu fundamento de validade, devendo o processo retornar àquele momento onde foi proferida a decisão interlocutória invalidada ou reformada e ter seu regular prosseguimento. O trânsito em julgado da sentença fica condicionado ao julgamento da apelação contra a decisão interlocutória (efeito expansivo objetivo).

E o vencedor, terá ele interesse recursal em apelar apenas contra uma decisão interlocutória que lhe foi desfavorável? A resposta merece uma análise mais detida. Parte da doutrina vem acenando positivamente à existência de interesse recursal do vencedor de apelar independentemente contra uma decisão interlocutória em alguns casos, afirmando, por exemplo, que o vencedor da demanda tem interesse e pode recorrer da multa aplicada pelo seu não comparecimento na audiência[1], bem assim que tem interesse para recorrer da decisão sobre o valor da causa, na medida em que ela repercute sobre os valores que lhe são devidos a título de sucumbência[2].

Nenhum desses dois exemplos parece refletir um interesse recursal do vencedor em impugnar em sede de apelação independente apenas uma decisão interlocutória. No primeiro exemplo, houve uma ampliação do objeto do processo com a condenação, possuindo a decisão interlocutória caráter meritório, sendo cabível agravo de instrumento para impugná-la de imediato, sob pena de preclusão (art. 1.015, II, do CPC-15); no segundo caso, para que se possa modificar a condenação em honorários advocatícios, não basta impugnar a decisão interlocutória que modificou o valor da causa, pois em não se impugnando o capítulo da sentença que condenou em honorários advocatícios, ele transitará em julgado, tornando sem utilidade a impugnação apenas da decisão interlocutória que modificou o valor da causa.

É bem verdade que este debate esta longe de ter um desfecho, não sendo absurda uma hipótese em que, mesmo vencedora, a parte tenha interesse recursal em impugnar no recurso de apelação tão somente uma decisão interlocutória que lhe foi desfavorável, apenas os exemplos acima não parecem retratar essa possibilidade. De que forma for, como qualquer recurso, a apelação do vencedor tem que demonstrar a existência de interesse recursal do recorrente (ainda que eventual e condicionado), sob pena de inadmissibilidade da apelação.

Após quase um ano e meio da entrada em vigor do CPC-15, muito das suas novidades ainda carecem de um olhar mais detido da doutrina especializada, mesmo porque somente com a prática do dia a dia os problemas se mostram e a adequação ao novo modelo de processo se faz necessária. Ainda há um longo caminho a se seguir para a sedimentação da doutrina acerca do real alcance do § 1º, do art. 1.009, do CPC-15, objetivei nesta coluna apenas lançar um olhar em um dos pontos ainda pendentes de maiores debates.


Notas e Referências:

[1] LIBARDONI, Carolina Uzeda. Apelação exclusivamente contra decisão interlocutória: a ausência injustificada à audiência de conciliação ou mediação e o recurso contra a multa arbitrada. Disponível: http://portalprocessual.com/apelacao-exclusivamente-contra-decisao-interlocutoria-a-ausencia-injustificada-a-audiencia-de-conciliacao-ou-mediacao-e-o-recurso-contra-a-multa-arbitrada/ Acesso: 2-abr-17).

[2] DUARTE, Zulmar. Contrarrazões ou reconvenção recursal? Disponível: https://jota.info/colunas/novo-cpc/contrarrazoes-ou-reconvencao-recursal-03042017. Acesso em 24.08.2017.


 

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