A análise da política ambiental do Governo brasileiro: a dominação por discursos ocultos

20/10/2019

Será que no jogo político, econômico e sócio ambiental o discurso das Organizações Não Governamentais, dos Movimentos Ambientalistas, dos Empresários e do Governo são verdadeiros uns para com outros? Será que existe uma verdade pública e outra verdade oculta?

Dizer a “verdade” na vida privada é um dilema em muitos casos, imagine quando a “verdade” estiver entrelaçada com a política, com o poder e com a economia. Será que quando o Governo fala de política pública ambiental, para a sociedade, a “verdade” retratada é toda a “verdade” ou será que parte da “verdade” permanece oculta; é dizer, a “verdade” que se diz publicamente à sociedade sobre o meio ambiente pode não representar, por completo, o desejo do Governo para o meio ambiente.  

A “verdade” é exigida e medida desde o comportamento até as ações e os discursos. A “verdade”, por mais que possa parecer, não resplandece, mesmo em um Estado Democrático de Direito, já que a “verdade”, uma vez dita, pode resultar na antecipação do enfretamento político ou na frustação de uma ação reivindicatória, suprimindo o elemento surpresa ou, ainda, ruindo grupos que buscam um acordo de convivência benéfico para as partes envolvidas em uma luta. Assim é que (a) nas estratégias políticas, ocultar a verdade pode ser necessária para realizar as coligações partidárias e evitar, com isso, uma derrota eleitoral; (b) na luta sindical, o trabalhador se submete ao padrão, concordando em tudo quando seja possível, evitando conflitos que possam resultar em demissões ou supressões de direitos convencionais e, (c) nas situações da vida em que a parte mais fraca econômica e socialmente assume a “verdade” da outra parte, econômica e socialmente mais forte, como forma de sobrevivência.

A “verdade”, diríamos, pode ser classificada como pública ou oculta. A “verdade” pública, em regra, é uma representação, um teatro necessário à sobrevivência diante de uma sociedade de vigilância do discurso do politicamente correto. Já a “verdade” oculta representa a verdadeira intenção, discutida e retratada nos bastidores, fora do campo de visão, realizado por um ou mais grupos envolvidos em uma disputa pelo poder, seja qual for o poder.     

Vê-se, que falar a “verdade” se transformou em uma estratégia, podendo ter diversos focos, inclusive o político, o econômico e o socioambiental. A “verdade” pública é, na essência, incompleta, resguardando uma parte do segredo acerca do que realmente se pretende realizar dentro da estrutura de poder. A “verdade” pública é marketing que deve mascarar a verdadeira intenção e garantir a vitória pretendida e buscada pelo grupo que está em disputa pela hegemonia.

Em princípio, o campo de investigação do presente artigo não pretender fazer um juízo de mérito dos discursos proferidos no campo ambiental pelo Governo brasileiro, analisando se os discursos retratam a “verdade” completa, ou seja, a “verdade” pública e a “verdade” oculta. A ideia de retratar situações reais, apresentando as disparidades entre os discursos proferidos publicamente e as ações realizadas posteriormente.

A verdade oculta do Presidente do Brasil desde a campanha eleitoral sobre a política ambiental

Em 07/outubro/2018, a coluna natureza jurídica da Revista Empório do Direito externalizou a avaliação do plano de governo do atual Presidente da República[1]:

Plano de Governo Projeto Fênix.

BRASIL ACIMA DE TUDO DEUS ACIMA DE TODOS

AGRICULTURA - UMA PROPOSTA DE MUDANÇAS

Um Novo Modelo Institucional

O Estado deve facilitar que o agricultor e suas famílias sejam os gestores do espaço rural. Devemos identificar quais são as áreas em que realmente o Estado precisa estar presente, e a que nível. Em alguns casos pode ser por ações ou atividades especificas, em outros atuando como regulador, ou mesmo negociador. O primeiro passo é sair da situação atual onde instituições relacionadas ao setor estão espalhadas e loteadas em vários ministérios, reunindo-as em uma só pasta.

A nova estrutura federal agropecuária teria as seguintes atribuições:

Política e Economia Agrícola (Inclui Comércio)

Recursos Naturais e Meio Ambiente Rural

Defesa Agropecuária e Segurança Alimentar

Pesca e Piscicultura

Desenvolvimento Rural Sustentável (Atuação por Programas)

Inovação Tecnológica.

Pelo plano de Governo apresentado é possível identificar que o Meio Ambiente não é uma prioridade e muito menos uma preocupação do Presidenciável Jair Bolsonaro, pois, retrata a questão ambiental e ecológica apenas de forma utilitarista em relação às políticas agrárias, sem discutir ou apresentar uma proposta de crescimento socioeconômico sustentável para a sociedade brasileira e muito menos, ainda, sem explicar como ocorrerá a transição ecológica, a educação ambiental, a defesa da fauna e da flora e a solução dos problemas ambientais urbanos (água, esgoto, áreas verdes, mobilidade, resíduos sólidos, moradia), dentre tantos outros temas de interesse local, nacional e global sobre meio ambiente.

Plano de Governo O Brasil feliz de novo.

O programa de governo do Candidato Lula, sucedido pelo candidato Haddad, disponíveis no Tribunal Superior Eleitoral – TSE[3], intitulado O Brasil feliz de novo, ao contrário do visto no plano do candidato Jair Bolsonaro, apresenta ampla proposta para o meio ambiente, conforme transcrição do sumário abaixo:

TRANSIÇÃO ECOLÓGICA PARA A NOVA SOCIEDADE DO SÉCULO XXI

5.1 ECONOMIA DE BAIXO IMPACTO AMBIENTAL E ALTO VALOR AGREGADO

5.1.1 Acumulando competências e aprendizados para inovar

5.1.2 Políticas de financiamento e Reforma Fiscal verde

5.1.3 Infraestrutura sustentável para o desenvolvimento

5.1.4 Sustentabilidade e soberania energética

5.1.5 Diversificando a matriz de transporte

5.1.6 Novo modelo de mineração

5.2 PROMOÇÃO DO DIREITO HUMANO À ÁGUA E AO SANEAMENTO

5.3 VIVER BEM NAS CIDADES

5.3.1 Novo marco regulatório de desenvolvimento urbano

5.3.2 Garantindo o direito à moradia

5.3.3 Diálogo federativo na construção de soluções para os problemas urbanos

5.3.4 Mobilidade e acessibilidade urbana: uma cidade ágil que valoriza a vida

5.3.5 Cidades resilientes, menos poluídas e mais iluminadas

5.3.6 Gestão de resíduos

5.4 VIVER BEM NO CAMPO

5.4.1 Produzir alimentos saudáveis

5.4.2 Políticas para o agronegócio

5.4.3 Democratização da terra e reforma agrária

5.4.4 Fortalecer a agricultura familiar de base agroecológica

5.4.5 Aquicultura e pesca

5.4.6 Direitos humanos e sociais no campo

5.4.7 Viver bem no semiárido

5.4.8 Proteção e defesa dos animais

5.5 DESMATAMENTO ZERO, PROTEÇÃO DA SOCIOBIODIVERSIDADE E O PAPEL DA AMAZÔNIA NA TRANSIÇÃO ECOLÓGICA

5.6 NOVA GOVERNANÇA PARA A TRANSIÇÃO ECOLÓGICA

5.6.1 Educação ambiental

Na ocasião, destacou-se que o programa de governo do candidato Jair Bolsonaro, disponível no Tribunal Superior Eleitoral – TSE, intitulado Projeto Fênix, o caminho da prosperidade, não apresentava qualquer tipo de proposta relacionada com o meio ambiente ou com a ecologia. Uma pesquisa simples, do tipo “ctrl f”, identificaria que entre as 81 páginas do Programa, não havia a palavra ecologia, e que a palavra meio ambiente foi transcrita apenas uma única vez e, ainda, dentro da diretriz relacionada com a agricultura.

A análise do programa de governo do então candidato e atual Presidente da República Jair Bolsonaro, sobre meio ambiente, deve recair na observação sobre o grau de aderência ao discurso de campanha, ou seja, será que quando o candidato não retratava os dilemas ambientais, no programa de governo, o fazia em “nome de uma coletividade”? A omissão quanto ao debate ambiental representa, de fato uma parcela da sociedade e do poder constituído à época, porém, não visível?

O então candidato falava, e depois de eleito Presidente da República, fala em nome de quem? As notícias do Brasil relacionadas com o meio ambiente reverberam por todo o planeta, não havendo uma nação, até a presente data, que tenha destoado do discurso interno de que as políticas públicas do Governo Federal violam os princípios básicos da sustentabilidade. O mundo acompanha, de forma estarrecida, as políticas públicas ambientais realizadas pelo Governo Jair Bolsonaro, não faltando exemplos, como a decisão do Governo da Alemanha que bloqueou R$ 156 milhões de reais relacionados com programas de preservação ambiental da Floresta Amazônica e, ainda, ameaçou retalhar  a consolidação do acordo entre a União Europeia e o Mercosul[2].     

Ao que parece, o discurso do Presidente da República sobre o meio ambiente, que antes era omisso, agora, após a eleição, mostra-se oculto. A afirmativa pode ser observada a partir da análise dos discursos proferidos e das respostas enredadas, como foi a manifestação provocativa de que o “Brasil tem muito a ensinar à Alemanha no meio ambiente[3].

O fato é que o Governo do Brasil, através de suas ações práticas, em matéria ambiental, parece representar uma parcela da sociedade, antes esquecida em algum gueto, mas que mantinha ativa a reflexão sobre o modelo de estado e sobre o modelo de desenvolvimento econômico e ambiental. A dicotomia entre o discurso e prática ambiental no Governo é patente, podendo ser vista à “olhos nu” na relação de embate com as Organização não governamentais – ONGs e o ufanismo acerca da floresta Amazônica. O Governo intenta incutir uma verdade antes oculta, que discordava da participação de organismos internacionais na gestão da floresta amazônica, atingindo-os sob o escopo econômico, acabando com o fundo internacional para sustentabilidade da floresta amazônica, e sob a ótica da ordem ética, com a divulgação de informações, não comprovadas, de que os organismos seriam os responsáveis pelas grandes queimadas ocorridas no mês de setembro de 2019, nas reservas florestais do Estado do Pará.

Não se trata, obviamente, de fixar o debate no campo ético do comportamento do Governo Federal em relação ao meio ambiente e muito menos de avaliar as políticas públicas ambientais que estão sendo implementadas e gerenciadas, a partir do Ministério do Meio Ambiente. A questão é saber se o discurso da degradação ambiental, pelo crescimento econômico insustentável, agora revelado, que rompe com a política de sustentabilidade, torna o Presidente uma espécie de herói nacional. Neste ponto é que reside o problema de maior preocupação, pois, não se sabe se o Presidente é reconhecido como um herói pelo fato de dizer o que “muitos gostariam de dizer”, rompendo com o politicamente correto e, também, pelo feito “heroico” de reduzir as políticas públicas de interesse ambiental; já que embora os discursos do Presidente possam parecer despretensiosos e com certa espontaneidade, o conteúdo é impactante, revelando uma estrutura de dominação antropocêntrica do homem em relação aos recursos naturais.

Caso o discurso despretensioso do Presidente seja considerado correto pela população, significa que parte do povo brasileiro concordo com ações de desmatamento, de liberação das queimadas, de redução dos investimentos em políticas de proteção ambiental, de expulsão e chacina de índios e comunidades tradicionais, com o aquecimento global, dentre outros feitos do Governo Federal. 

Enquanto parte da sociedade vive uma vertigem, vendo e aplaudindo o “herói brasileiro” enfrentar os colonizadores europeus, a partir da reconstituição de um nacionalismo ultraconservador; o sistema de dominação da econômica sobre o meio ambiente vai, opulentamente, se consolidando, especialmente, através da revisão legislativa dos marcos legais e do desmantelamento das políticas públicas ambientais de sustentabilidade.

Em meio a todo esse emaranhado, o discurso oculto do Presidente da República se transforma em discurso público ou em “verdade” pública, consolidando uma hegemonia do capital sobre o social, da economia sobre o ambiente.  Ainda nesta perspectiva, deve ser objeto de preocupação o processo de assimilação do discurso público do Presidente da República pela sociedade, a fim de que a abertura de uma cortina sociológica permita esclarecer o real motivo da adesão e da defesa as políticas ambientais do governo pelo povo, mesmo sendo as políticas ambientais, técnica e cientificamente, vulneráveis quanto a sustentabilidade do planeta.  

Conclusão

Os discursos públicos e ocultos estão presentes na sociedade e devem ser investigados com atenção, pois, ao contrário do que se possa pensar e compreender, os grupos sociais e os grupos de poder se movimentam através de articulações que incluem discursos ocultos e a verdades públicas incompletas.

No caso da cena brasileira ambiental, o artigo demonstrou que o Presidente da República Jair Bolsonaro não revelou qualquer estratégia em termos de política ambiental no programa de Governo intitulado de “projeto fênix”. Também foi possível destacar que, atualmente, o Governo do Brasil dialoga uma verdade pública com a sociedade, entretanto, realiza ações concretas de natureza oculta – implementando políticas que foram discutidas nos bastidores e que não poderiam ser levadas para o debate público sob pena de serem execradas e, com isso, não implementadas.

Por fim, restou destacado que o discurso e a “verdade” pública do Presidente da República, sobre o meio ambiente, pode constituir a base das crenças ocultas de parte da população brasileira, merecendo atenção em respeito ao Estado Democrático de Direito. 

 

Notas e Referências

[1] CARMO, Wagner. Disponível em https://emporiododireito.com.br/leitura/o-meio-ambiente-e-as-eleicoes-presidencias-de-2018

[2] Disponível em https://www.terra.com.br/noticias/ciencia/sustentabilidade/meio-ambiente/meio-ambiente-alemanha-confirma-bloqueio-de-r-156-milhoes-e-poe-em-xeque-acordo-mercosul-ue,5f87eef23d825084fce7019b110071050i4d552o.html. Acesso em 18 de out. de 2019.

[3] Disponível em http://www.gazetadopovo.com.br Disponível em 18 de out. de 2019.

 

Imagem Ilustrativa do Post: NATURE // Foto de: Ritesh Agarwal  // Sem alterações

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