A alienação fiduciária e a curiosa situação em que o fornecedor se confunde com o credor da alienação fiduciária, e a legitimidade ativa do devedor (proprietário final do bem) em requerer reparação de danos materiais

08/07/2020

No presente artigo será abordado o instituto da alienação fiduciária, para fins de compreendê-lo e posteriormente adentraremos a uma específica situação para descobrir sua aplicação, qual seja, a de se o possuidor em uma alienação fiduciária, caso tenha pego crédito com o próprio fornecedor, pode pedir reparação de danos materiais por bem com vício, e entender a dinâmica desse instituto sob esta ótica.

1. Alienação fiduciária, breves linhas; 2. Alienação fiduciária realizada com o próprio fornecedor; 3. Possibilidade (ou não) de requerer reparação de vício decorrente de dano material pelo possuidor em face do credor (que se confunde com o fornecedor); 4. Conclusão.

 1. Alienação fiduciária, breves linhas.

O instituto da alienação fiduciária foi criado com finalidade de tornar ao cesso a crédito para adquirir bens mais fácil a quem o toma, e mais seguro para quem o concede.

Especificamente: o que é alienação fiduciária de bem imóvel? (ou móvel)

Alienação fiduciária é uma forma de financiamento em que o próprio bem financiado serve como garantia do pagamento do financiamento, mais do que isso, enquanto o financiamento não termina, o bem é de propriedade daquele que concede o crédito para financiamento (somente com a extinção pelo adimplemento o bem passa a ser de propriedade daquele que toma o crédito), o que o tomador de crédito detém é a posse do bem, já com o adimplemento integral do crédito, torna-se proprietário do bem.

É o que dispõe o artigo 22 da Lei 9514/97:

Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

Ou seja, para realização da alienação fiduciária, deve aquele que toma o crédito ter em mente que pelo período em que paga pelo crédito tomado o bem ficará na propriedade fiduciária de quem concedeu o crédito.

E isso pois o bem, em caso de inadimplemento, servirá para garantir o crédito. Trata-se de instituto que, se por um lado serve para diminuir o valor das taxas de juros para concessão do crédito, por outro deixa essa garantia real.

A vantagem para realização de alienação fiduciária é a de que como o risco é reduzido, os juros também devem o ser; de outro lado, o risco é reduzido exatamente pois o próprio bem responde pelo inadimplemento.

A Alienação fiduciária tornou em desuso a hipoteca, uma vez que na hipoteca, pelo bem ficar em nome do próprio adquirente (comprador), aumenta-se o risco daquele que concede o crédito, então também costumam ser mais altos os juros, o que leva a uma diminuição em sua utilização.

Em ambos os casos, alienação fiduciária e hipoteca, trata-se de garantia real, em que o bem responde pela dívida, contudo no primeiro o bem é de propriedade fiduciária do próprio credor, enquanto no segundo fica em nome do devedor.

Assim, por esses aspectos que o diferenciam da hipoteca, a alienação fiduciária é mais interessante no tocante a pagar juros em valor menor com relação a hipoteca.

 

2. Alienação fiduciária realizada com o próprio fornecedor.

Ordinariamente, aquele que vende o bem é pessoa distinta de quem concede o crédito por meio de alienação fiduciária, contudo existem casos em que ambos se confundem, e é sobre essa situação que trataremos.

Situação peculiar que será tratada é aquela em que que o fornecedor do imóvel, por exemplo, seja também o credor da alienação fiduciária, podendo existir algum tipo de confusão diante dessa ambiguidade.

Vale dizer, o responsável pela obra de determinado bem imóvel, também é quem realiza a função de credor na alienação fiduciária. Então, além de ter sido quem construiu, é o proprietário fiduciário até a extinção da alienação fiduciária, momento no qual o devedor fiduciário fica, além a posse, também com a propriedade do imóvel.

Para tanto, importante compreender o papel de cada um desses atores e suas respectivas responsabilidades.

Em primeiro lugar, o construtor responsável da obra, em tendo realizado a obra e deixado vícios construtivos, seja de projeto ou de execução da obra, responde por aludidos vícios.

Se houve repartição entre as competências, e em havendo o papel de fiscalizador da obra (quando, por exemplo, há financiamento público da obra sem existir individualidade em quem será o beneficiado pelo imóvel, normalmente o agente financeiro tem uma atuação mais ampla, sendo também agente gestor da obra, responsável por realizar a fiscalização da obra), esse também detém responsabilidades com a obra.

Assim, não existe dúvida de que o construtor (e o fiscalizador) possuem responsabilidade por erros de projeto ou execução.

Por sua vez, no que diz respeito ao devedor da alienação fiduciária, que é o adquirente final do bem, poderia se utilizar dessa sua característica de adquirente fiduciário para buscar resolver os problemas oriundos de vícios de construção? Ou, pelo fato de não ser o proprietário (até a extinção da alienação fiduciária pelo adimplemento), ficaria limitado e impedido de buscar resolver os vícios construtivos que descobrir no imóvel? Parece óbvio que o possuidor fiduciário, detém sim legitimidade ativa para buscar essa solução, seja extra seja judicialmente.

E, por fim, o papel do credor, proprietário até a extinção pelo adimplemento da alienação fiduciária, será que esse credor poderia buscar perante o proprietário fiduciário, que se confunde com o fornecedor, a solução dos vícios construtivos?

E, diante dessa ambiguidade, entre responsável pela obra e também proprietário fiduciário, uma problemática pode existir, qual seja, a de se saber se é albergado pelo direito o possuidor buscar reparação de dano material oriundo, por exemplo, de vício na execução da obra, em face do construtor e como se dá essa dinâmica uma vez que o construtor responsável da obra também é o proprietário fiduciário.

 

3. Possibilidade (ou não) de requerer reparação de vício decorrente de dano material pelo possuidor em face do credor (que se confunde com o fornecedor).

Urge tentar compreender, diante dessa peculiar situação em que o presente artigo se debruça, como se dá a relação na busca pela reparação de vícios no imóvel, se o proprietário fiduciário se confunde com o fornecedor.

Nesse cenário, o fiduciante (devedor fiduciário) teria legitimidade ativa para buscar a solução de vícios no imóvel? Ou somente o proprietário, que nesse caso também é o fornecedor, ou seja: o que causou o problema se confunde com o que busca solução?

Deve-se, portanto, separar as responsabilidades e, principalmente, compreender que o responsável pela obra, mesmo que se confunda com o credor fiduciário, não é o proprietário final do bem e não pode diminuir o alcance dos direitos de devedor fiduciário com relação a coisa.

Se diante de uma situação um pouco mais comum, o fornecedor não se confundisse com o credor fiduciário, poderia o devedor fiduciário resguardar todos os direitos inerentes ao imóvel? A mesma resposta a essa pergunta deve servir para embasar a solução nos casos em que o fornecedor se confunde com o credor fiduciário.

Vale dizer, se o possuidor pode defender a posse inclusive contra o proprietário do bem, mais ainda pode requerer reparação de dano oriundo de vício construtivo contra o responsável da obra, não podendo esse valer-se da exceção de ser o proprietário (fiduciário).

 

4. Conclusão

Por fim, pode-se concluir que o instituto da alienação fiduciária possui uma série de ônus e bônus para ambas as partes, sendo interessante para obtenção de financiamento utilizar-se dessa modalidade.

Também, peculiar situação pode ocorrer em que o fornecedor do bem se confunde com o credor fiduciário.

Diante desse cenário, em que fornecedor e credor fiduciário se confundem, pode existir, se o fiduciante buscar reparar danos no imóvel, defesa no sentido de que é parte ilegítima para buscar essa reparação. Essa defesa é ilegítima na medida em que o possuidor (que também é o fiduciante, e será o proprietário do imóvel ao fim da alienação fiduciária) pode buscar aludida reparação, até pois não parece existir grandes vontade do fornecedor em buscar essa reparação contra si mesmo. Aludida defesa não pode ser acolhida pois é óbvio que o fiduciante pode buscar a reparação de aludidos danos materiais.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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