A ação monitória e a implementação da obrigação de prestar declaração de vontade (art. 501, CPC)

30/07/2016

Por Marco Paulo Denucci Di Spirito  30/07/2016

Como se sabe, o Código de Processo Civil de 2015 ampliou o objeto da ação monitória para nela incluir a possibilidade de implementar obrigação de fazer ou de não fazer (art. 700, III).

Questão de grande interesse prático radica em saber se a ação monitória pode ser empregada para fins de obtenção do provimento jurisdicional substitutivo da declaração de vontade não emitida (art. 501, CPC).

A obrigação de emitir declaração de vontade é típica obrigação de fazer, conforme esclarecem os mais abalizados mestres.

Em precioso trabalho sobre o tema, José Carlos Barbosa Moreira assevera de forma direta e objetiva:

“A obrigação de emitir declaração de vontade é espécie do gênero obrigação de fazer. Não se trata aqui de um fazer material, mas de um fazer jurídico.”[1]

Ao comentar o art. 501 do CPC-2015, Humberto Theodoro Júnior expõe que a obrigação de prestar declaração de vontade é espécie de obrigação de fazer: 

“A sentença do art. 501 contém uma condenação, como se depreende da própria estrutura do texto legal, que visa reconhecer uma obrigação de fazer e ao mesmo tempo realizar o seu cumprimento.”[2]

Assim, a prestação da declaração de vontade consiste numa obrigação de fazer que pode ser implementada pela técnica processual prevista no art. 501 do CPC-2015. Fácil perceber, à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva (art. 5º, XXXV, LV, LXXVIII, CF/88), que o art. 501 do CPC deve ser aplicado em combinação com o art. 700, III, do mesmo Diploma. É este sentido de efetividade que norteia o novo Código de Processo Civil, como se pode depreender de seus arts. 4º e 6º.

Destaque-se a abrangência do art. 501 do CPC, a acolher todas as hipóteses de obrigação de emissão de declaração de vontade.

Chega-se a essa conclusão também quando se considera que o dispositivo em tela corresponde à reunião das regras previstas nos arts. 466-A e 466-B, do CPC de 1973, conforme ensinamentos de Cássio Scarpinella Bueno:

“O art. 501, embora tenha redação similar ao art. 466-A do CPC atual, quer regular, conjuntamente, a regra contida também no art. 466-B do CPC atual, abrangendo-a.”[3]

Considere-se, neste particular, a redação dos revogados arts. 466-A e 466-B do CPC-1973:

“Art. 466-A. Condenado o devedor a emitir declaração de vontade, a sentença, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida. 

Art. 466-B. Se aquele que se comprometeu a concluir um contrato não cumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado.”

O segundo dispositivo tratava da conhecida hipótese de contrato preliminar com vistas à obtenção do definitivo. Por sua vez, o primeiro dispositivo em destaque versava, de maneira ampla, sobre todas as hipóteses de obrigação de emitir declaração de vontade.

Bem se vê que o art. 501 do CPC-2015 optou pela fórmula mais ampla, para além da dualidade contrato preliminar/contrato definitivo. Motivo pelo qual concluiu Cássio Scarpinella Bueno:

“Sempre que a ação tiver por objeto a emissão de declaração de vontade, a sentença de procedência transitada em julgado produzirá todos os efeitos da declaração não emitida.”[4]

No mesmo sentido, concluíram Roberto Paulino de Albuquerque Júnior e Venceslau Tavares Costa Filho:

“A regra do art. 501, contudo, é geral, aplicando-se a qualquer débito de manifestação de vontade, que pode consistir em celebrar contrato definitivo de compra e venda, dar bem imóvel de sua titularidade em hipoteca, outorgar fiança etc.” [5]

O perfeito casamento entre o art. 700, III e o art. 501 do CPC é reforçado pelo disposto nos arts.139, IV, e 497 do mesmo Codex. De se aplicar, quando se tratar de relação de consumo, os arts. 83 e 84 do CDC.

Dentre as medidas que asseguram “a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente” inclui-se a técnica processual positivada no art. 501 do CPC-2015. Desse modo, quando aquele que se compromete a emitir declaração de vontade não cumpre essa sua obrigação, o credor poderá requerer a medida adequada, designadamente o provimento que produzirá o mesmo efeito da declaração não emitida.

A conjugação do art. 700, III com o art. 501 é evidente e intuitiva pelo ângulo do objeto, ante o fato de versarem sobre obrigações de fazer. De toda forma, corrobora essa conjugação de técnicas[6] a aplicação do disposto no art. 327, §2º, do CPC:

“Art. 327.  É lícita a cumulação, em um único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão.

(...)

§ 2º Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a cumulação se o autor empregar o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as disposições sobre o procedimento comum.”

Numa lógica modular[7] e pautada pela flexibilização procedimental, o CPC, neste dispositivo, permite a incorporação de técnicas processuais diferenciadas em ao menos duas hipóteses: (i) emprego de técnicas processuais previstas em procedimentos especiais; (ii) emprego de técnicas processuais previstas no Código que consistem em remédios para ações específicas.

De acordo com a segunda linha em destaque, a prerrogativa de incorporar técnicas processuais diferenciadas, nos termos do art. 327, §2º, do CPC atende ao direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e efetiva. Em assim sendo, não se restringe às técnicas processuais previstas em procedimentos especiais, de sorte a abranger, igualmente, quaisquer outras técnicas específicas previstas no Diploma Processual Civil. Tal prerrogativa não deve ficar restrita ao procedimento comum. Como visto, a conjugação do art. 700, III, com o art. 501 decorre do próprio sistema do CPC. Todavia, a regra do art. 327, §2º, do CPC, à luz dos valores e normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil (art. 1º, CPC), incide como um reforço para a combinação de técnicas, em prol da efetividade, mormente diante da cláusula geral do art. 139, IV, do CPC. Não parece correto defender que o art. 139, IV, do CPC aplica-se apenas ao procedimento comum.

Conclui-se, portanto, que a obrigação de prestar declaração de vontade, como espécie de obrigação de fazer[8], pode ser implementada por via da ação monitória (art. 700, III, CPC). De sorte que, constituído o título executivo judicial (art. 701, §2º, CPC), ele surtirá os efeitos previstos no art. 501 do CPC (c/c art. 497, caput; art. 139, IV, CPC).

Obtido o título executivo judicial a partir da ação monitória, o atendimento da pretensão do credor não mais dependerá de qualquer atuação do devedor. A própria sentença, uma vez transitada em julgado, substituirá a declaração não emitida, produzindo todos os efeitos jurídicos a que esta se destinava. A sentença, em outras palavras, supre a declaração de vontade sonegada pelo devedor.

Por conseguinte, constituído o título judicial, deverá ser expedido mandado destinado à serventia ou órgão competente determinando-se a transcrição, o registro ou a averbação da decisão, quando se tratar de transferência de bem de alguma forma relacionada[9] à declaração de vontade não emitida.

Assim, se o credor pretende adjudicação compulsória, porque o promitente não lhe outorgou a escritura definitiva, é cabível, por via da ação monitória, o pedido de provimento substitutivo da declaração de vontade não emitida (arts. 700, III, 501, arts. 1º, 4º, 6º, 139, IV, 497, caput e, ainda, art. 372, §2º, todos do CPC).

Outro exemplo é a hipótese de compra e venda de veículo na qual este bem móvel não foi transcrito perante os cadastros do Detran. A medida de substituição da declaração de vontade não emitida pode atender, segundo o caso, ao comprador ou ao vendedor, também pela via da ação monitória.

A ampliação da ação monitória apresenta-se, pois, como importante caminho para o efetivo adimplemento de obrigação de prestar declaração de vontade (= obrigação de fazer).


Notas e Referências:

[1] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Aspectos da ‘execução’ em matéria de obrigação de emitir declaração de vontade. In: MOREIRA, José Carlos Barbosa (Coord.). Estudos de direito processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1999, p. 206.).

[2] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Vol. III. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2016, p. 125.

[3] BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Ed. Saraiva, 2015, p. 332, 333.

[4] BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Ed. Saraiva, 2015, p. 332, 333.

[5] DE ALBUQUERQUE JÚNIOR, Roberto Paulino, COSTA FILHO, Venceslau Tavares. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; DA CUNHA, Leonardo Carneiro (Org.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. Saraiva, 2016, p. 713.

[6] A noção da ação de direito material como ponto de confluência de remédios processuais também deve ser considerada para a combinação do art. 700, III com o art. 501 do CPC. “Já se tornou um lugar-comum na processualística brasileira a afirmação de que o direito material influencia o formato processual. Noutras palavras: o processo civil deve adequar-se às vicissitudes específicas da relação de direito material controvertida. Para a maioria dos doutrinadores, está-se diante da teoria da tutela jurisdicional diferenciada. Há quem diga, porém, que a aludida teoria nada mais é do que uma descoberta tardia da teoria da ação de direito material, desenvolvida originariamente por Pontes de Miranda e explorada com afinco por Ovídio Baptista da Silva.” (COSTA, Eduardo José da Fonseca. As liminares ambientais e o princípio da precaução. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 11-28, jan./mar. 2013.).  Segundo Roberto P. Campos Gouveia Filho e Gabriela Expósito Miranda (...). Em sentido estrito, o termo remédio processual serve para designar o próprio procedimento: meio dado para a prestação da tutela jurisdicional, sendo a demanda apenas o primeiro ato de sua cadeia. Aqui, demanda é, pois, elemento do conjunto remédio jurídico processual. Num sentido mais amplo, valendo-se de uma metonímia, pode-se usar o termo remédio processual como sinônimo do ato demandado. (...) Como delineado, o direito ao remédio processual é direito ao meio hábil à prestação da tutela jurisdicional. Não se trata, em verdade, de um único direito, mas, sim, de um plexo de acordo com cada tipo procedimental.”(GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos; MIRANDA, Gabriela Expósito. O fenômeno processual de acordo com os planos material, pré-processual e processual do direito: breves considerações do tema a partir (e além) do pensamento de Pontes de Miranda. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 65-87, jan./mar. 2015).

[7] Modular no sentido de permitir a eleição dos meios mais efetivos. “É possível que, no plano pré-processual, haja concorrência de direitos aos remédios processuais, de modo que o titular deles pode fazer a escolha do meio que melhor entender.” (GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos; MIRANDA, Gabriela Expósito. O fenômeno processual de acordo com os planos material, pré-processual e processual do direito: breves considerações do tema a partir (e além) do pensamento de Pontes de Miranda. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 65-87, jan./mar. 2015).

[8] O ponto relevante é o atendimento à ação de direito material. “O que a doutrina, em sua maioria, não se deu conta é que a distinção entre o efeito condenatório e o efeito executivo é no direito material: são as pretensões e ações de direito material que são assim classificadas, repercutindo nas sentenças de procedência essa eficácia.” (DA COSTA, Adriano Soares. Morte processual da ação cautelar?. In: COSTA, Eduardo José da Fonseca, PEREIRA, Mateus Costa, GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos. Tutela Provisória. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016, p. 27). Segundo Araken de Assis, "(...) o direito à obtenção do contrato definitivo pertence à órbita do direito material e, neste campo, deve ser investigado e avaliado. O remédio jurídico processual, que eventualmente o veicula, não lhe altera a dimensão outorgada naquele âmbito (...)” (DE ASSIS, Araken. Manual da Execução. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2016, p. 870).

[9] Para os bens imóveis o registro é constitutivo da propriedade (art. 1.227, Código Civil). Quanto aos bens móveis a transcrição administrativa, conquanto não condicione a transmissão da propriedade, pode apresentar-se imprescindível para a completa fruição da res, ou para desvinculá-la do nome do anterior proprietário, como se verifica para a hipótese de veículos.

BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Ed. Saraiva, 2015;

COSTA, Eduardo José da Fonseca. As liminares ambientais e o princípio da precaução. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 11-28, jan./mar. 2013;

DA COSTA, Adriano Soares. Morte processual da ação cautelar?. In: COSTA, Eduardo José da Fonseca, PEREIRA, Mateus Costa, GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos. Tutela Provisória. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016;

DE ALBUQUERQUE JÚNIOR, Roberto Paulino, COSTA FILHO, Venceslau Tavares. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; DA CUNHA, Leonardo Carneiro (Org.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. Saraiva, 2016;

DE ASSIS, Araken. Manual da Execução. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2016;

GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos; MIRANDA, Gabriela Expósito. O fenômeno processual de acordo com os planos material, pré-processual e processual do direito: breves considerações do tema a partir (e além) do pensamento de Pontes de Miranda. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 65-87, jan./mar. 2015;

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Aspectos da ‘execução’ em matéria de obrigação de emitir declaração de vontade. In: MOREIRA, José Carlos Barbosa (Coord.). Estudos de direito processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1999;

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Vol. III. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2016.


Marco Paulo Denucci Di Spirito. . Marco Paulo Denucci Di Spirito é Defensor Público em Minas Gerais é Membro da Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPro. Bacharel em Direito pela UFMG. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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