A AÇÃO MODIFICATÓRIA EM TEMPOS DE CRISE – 8ª. Parte

12/05/2020

Tratamos, no texto anterior, do procedimento adequado à propositura da ação modificatória. Desta feita, trataremos da questão em torno da competência para processá-la.

Supondo ser ação cabível após o trânsito em julgado da decisão da impugnada[1], toda a questão posta refere-se a saber o juízo de tal decisão resta prevento para o processamento da ação modificatória. Do contrário, o problema se resolve com a aplicação – digamos – das regras mais ordinárias de competência judicial.

Para a solução dogmaticamente correta do problema, é necessário estabelecer uma premissa. A ação modificatória, embora suceda no tempo à ação ensejadora da decisão impugnada, não pode ser tida como uma ação sucessiva. Por esta última, deve-se entender toda ação que decorra – se não necessariamente, no mínimo possivelmente – da eficácia de outra. É o caso da execução de sentença, decorrente da ação formativa do título executivo.

Trata-se de estruturação acional que se dá no nível da pré-processualidade, isto é: o âmbito no qual se encontram presentes as disposições relativas à formação do processo. Além de tudo, tal nível pode atuar modificando a estrutura do direito (dito material). Uma ação, por exemplo, pode ter sua eficácia tolhida pela previsão pré-processual. É o que se dá com as ações de execução pecuniária de decisão judicial, que existem como um pedaço destacado da ação referente ao crédito lesado pelo inadimplemento da obrigação. Por outro lado, a pré-processualidade pode fundir ações que, ao menos em hipótese, não se dão em relação necessária. Eis o que acontece com a ação demarcatória do imóvel usucapido, a qual é fundida à ação de usucapião. Não estivessem assim relacionadas, a primeira poderia ser categorizada como um exemplo de ação sucessiva, pois que decorrente, dentre outras coisas, da certeza quanto à propriedade. 

Reforçando a premissas estabelecida, deve-se dizer que uma ação será sucessiva a outra quando, de algum modo, a eficácia desta repercuta para aquela, quer formando-a propriamente (caso da execução de sentença), quer sendo base necessária à sua formação (caso da demarcação decorrente da usucapião). Não se trata de um simples suceder no tempo, mas sim uma sucessão de tipo ontológico, em que a primeira ação é como que a potência da segunda.  

Não é o que acontece com a ação modificatória. Sua existência não deriva da eficácia da ação anterior. Basta atentar para o fato de o resultado produzido pelo implemento desta última ser o próprio alvo daquela: daí se tratar de ação de tipo impugnativo. Conquanto, no caso, haja uma sucessão ontológica, isto não deriva da própria forma acional, mas sim de outro fato que interfere no contexto: o fato modificativo, in casu. Metaforicamente, a ação posterior não é filha da anterior, mas sim antagonista: o atacante depende da existência do atacado, mas não por conta da essência deste último, e sim por algo que lhe ocorre.

Diante disso, não se pode invocar regras como a prevista no inciso II do art. 516, CPC, que estabelece algo como uma prevenção por sucessividade acional.

Ademais, não há falar que entre as ações em análise haja qualquer vínculo de acessoriedade, algo que atrairia a incidência de regras como a fixada no art. 61, CPC. Ora, o acessório só existe como tal se o principal continuar a existir; a modificatória supõe o término (da processualização) da ação anterior. Ademais, o acessório serve ao principal; a modificatória antagoniza com o resultado proveniente (da processualização) da anterior.

Não que haja vedação a priori ao estabelecimento de prevenção ao juízo da ação anterior para o processamento de ações impugnativas. Qualquer entendimento que diga o contrário, peca mortalmente. A posteriori, observadas as regras constitucionais de competência derivada (sobretudo as recursais), à legislação processual é plenamente possível fazê-lo.

Ao caso presente, numa perspectiva mais analítica, há de se dizer não haver essa fixação. Não obstante, numa perspectiva mais retórica (no sentido aristotélico do termo), há razão para dizer o contrário: trata-se do disposto no § 4° do art. 304, que fixa a prevenção do juízo referente à estabilização da tutela antecipada para o processamento das ações impugnativas contra a decisão estabilizada.

O tema, porém, longe está de ser definido. Urge ao legislador regular cabalmente a questão. À processualística, antes e acima de tudo, cabe estabelecer as bases para tanto. Isto perpassa pela distinção, superficialmente desenvolvida neste texto, entre ações sucessivas a outras e ações que (meramente) sucedem no tempo a outras.

 Até o próximo texto, no qual – numa perspectiva genérica –  trataremos dos pressupostos de admissibilidade da processualização da ação modificatória.

 

Notas e Referências

[1] Problema que contém nível considerável de complexidade é o da ocorrência do fato modificativo em momento em que ainda não se deu o trânsito em julgado acima mencionado. Por estar, por exemplo, a decisão passível de recurso. No próximo texto, quando da análise dos pressupostos de admissibilidade da processualização da ação modificatória, analisaremos este problema.

 

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