A AÇÃO MODIFICATÓRIA EM TEMPOS DE CRISE – 2ª. Parte

30/03/2020

 

Dando sequência à série, é momento de, a partir de casos específicos presentes no direito brasileiro, demonstrar em definitivo o porquê de a modificação nada ter a ver com a chamada revisão, quer negocial quer decisional. O parâmetro será a chamada ação revisional de alimentos, prevista no art. 15, Lei n. 5.478/68 (Lei de Alimentos).

Segundo tal dispositivo, a sentença na ação de alimentos não transita em julgado, podendo ser revista em virtude da modificação da condição financeira dos interessados (alimentante ou alimentando). 

Há erro técnico flagrante: ao se dizer que a decisão não transita em julgado por força da modificação (que se deduz superveniente), confunde-se a não formação de coisa julgada com a possibilidade de analisar a decisão por motivo que lhe seja posterior. O trânsito em julgado – e, consequentemente, a formação de coisa julgada) –  é patente: basta atentar para o fato de que, em não havendo qualquer ocorrência superveniente, não se pode analisar a decisão, e não se pode exatamente por ela estar qualificada pela coisa julgada: é decisão com coisa julgada ou, com mais propriedade, decisão transformada em coisa julgada.   

Por outro lado, o texto é preciso quando faz alusão à ideia de rever (“podendo [a decisão] ser revista”). Como dito na postagem anterior, pela ação modificatória, a decisão é sim apreciada, não para transformar seu conteúdo, mas sim para comparar o que foi por ela estabelecido com a situação superveniente, o fato modificativo. O rever aqui é no sentido de um outro olhar sobre, e não propriamente um revisar: é essencialmente um revisitar. Ocorre que a revisita não é à decisão, que será apenas visitada (do tipo: olhada pela primeira vez); revisitada é a relação jurídica que foi analisada pela decisão. Isso para que se possa efetuar a comparação dita acima. Logo, nada que se tem com um revisar, que, rigorosamente, é modificar o que foi estabelecido: também consoante visto alhures, a modificação (adjetivo da ação em tela) é da situação em que se deu a decisão, e não do conteúdo desta última.

Assim, quem diz que uma cláusula contratual se defasou por força do tempo, não a revisa, não a modifica; declara que houve a defasagem para, a partir daí, estabelecer uma nova realidade ao contrato. Do mesmo modo, quando se diz que o alimentante enriqueceu ou o alimentando empobreceu, faz-se não para o mudar o conteúdo da decisão impugnada, mas sim para fixar uma nova diretriz na relação alimentícia.    

O revisar, portanto, tem a ver com algo que está na própria formação do ato revisado, e não com coisa que lhe suceda. Retorna-se ao momento dessa formação para, desde então[1], reajustar a realidade estabelecida; o rever – por força de uma modificação – é apenas para instituir a força da situação superveniente, que, obviamente, só pode ocorrer no depois do ato revisto.

Por isso, não obstante imprecisões técnicas, nada têm a ver com o autêntico revisar ações como as previstas não só na citada Lei de Alimentos, bem como nos art. 6º., V, do CDC, e nos arts. 68 e segs. da Lei n. 8.245/91, não obstante sejam referentes a negócios jurídicos, e não a decisões, algo que ocorre com a ação prevista no parágrafo único do art. 10 da Lei n. 13.300/16, também impropriamente denominada de ação de revisão.

Inversamente, típicas ações revisionais são as previstas no art. 317, CC, e no citado dispositivo do CDC, neste caso, quando, em sua primeira parte, alude à “modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais”.

Na próxima postagem, trataremos dos pressupostos para a ocorrência do fato modificativo.

 

 

Notas e Referências

[1] Claro a força da revisão pode ser tolhida, preservando – em nome da segurança jurídica ou de algo que o valha – os efeitos produzidos.

Imagem Ilustrativa do Post: Hammer Books // Foto de: succo // Sem alterações

Disponível em: https://pixabay.com/en/hammer-books-law-court-lawyer-719066/

Licença de uso: https://pixabay.com/en/service/terms/#usage

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura