#95 - “Flexibilização Procedimental”: a farra neoprocessual

15/03/2021

Coluna Garantismo Processual / Coordenadores Luciana Carvalho e Antonio Carvalho

 

 

 

 

Legislação é direito; na verdade, constitui o grosso dos materiais jurídicos com que as pessoas comuns vem a ter de lidar.

Jeremy Waldron

I

A proposta neoconstitucional[1] absorvida pela doutrina vanguardista brasileira alicerçada no protagonismo judicial e na derrocada da separação de poderes/funções acabou desenvolvendo um agir lastreado no instrumentalismo processual e em suas variações modais (=formalismo valorativo e cooperação/colaboração processual), capaz de transformar o pequeno Hércules no grande Zeus, sob os pilares da “razoabilidade, proporcionalidade, constitucionalização do Direito, eficácia horizontal dos direitos fundamentais, derrotabilidade das normas jurídicas, força normativa da Constituição, sobre intepretação constitucional, filtragem constitucional”¸ jamais se desprendendo dos “valores, fins, standards, conceitos jurídicos indeterminados, cláusulas gerais, enfim, toda matéria-prima que confere maior margem à manipulação dos resultados por parte dos intérpretes”, sem olvidar, ainda, do mantra relativo à indeterminação dos textos legais, “paradoxalmente festejado e admirado”, sendo um primor a máxima de que “quanto mais abstrato, mais sentido tem e o que “tem significado passa ser insignificante[2].

Avigora esse estado da arte o fato de grandes processualistas da atualidade defenderem o “neoprocessualismo” como mais uma fase metodológica da ciência processual[3].

Despidos de qualquer embaraço, apostam fortemente na premissa segundo a qual o juiz deve “examinar as provas, intuir o correto enquadramento jurídico e interpretar de modo correto os textos legais à luz dos grandes princípios e das exigências sociais do tempo”, como sendo uma “grande tarefa” do  magistrado ao decidir através de suas “convicções sócio-políticas”, as quais “hão de refletir as aspirações da própria sociedade[4].

Vão além: reputam como uma obrigação genuína e escorreita do magistrado, à luz de uma pretensa jurisdição moderna, posturas tais como: (i) “o motor a impulsionar a postura do julgador deverá ser a busca pelo processo justo[5]; (ii) “em caso de formar-se um valo entre o texto da lei e os sentimentos da nação, muito profundo e insuperável, perde legitimidade a lei e isso cria clima para a legitimação das sentenças que se afastem do que ela em sua criação veio ditar[6]; (iii) a “efetiva direção do processo, pelo impulso e saneamento, constitui fator importantíssimo para a celeridade da oferta de tutela jurisdicional, evitando atividades inúteis e retrocessos indesejáveis”; (iv) “dever do juiz moderno, ligado à garantia constitucional do contraditório, é o de tomar iniciativas probatórias em certos casos”, aniquilando a disponibilidade das partes; (v) o franqueamento pelo juiz da alteração (=flexibilização) da distribuição do ônus da prova ope judicisou quando adverte da necessidade de provar melhor”, sob a justificativa de que “o juiz mudo tem também algo de Pilatos e, por temor ou vaidade, afasta-se do compromisso de fazer justiça[7]; e, (vi) o apoplético fetiche pela “cedência processual”.

 

– II –

Por falar em flexibilidade processual (rectius: procedimental), a ocasião, aliás, é adequada para objetarmos tal postura[8].

Excetuando-se aquilo de que dispõem o artigo 190 (negócios jurídicos processuais)[9], o artigo 191 (calendarização processual), bem como as hipóteses específicas de flexibilização pontual do procedimento previstas nos artigos 139, VI e 327, § 2º, todos no âmbito do CPC, há juristas inseridos na concepção neoconstitucional do processo que sustentam a existência de uma espécie de case management, no bojo do qual o juiz nacional seria dotado de um “certo poder inventivo” na “eleição do procedimento”, faculdade essa que transcenderia à “flexibilização legal genérica mitigada (art. 139, VI, do CPC/2015)”, admitindo, assim, “poderes de flexibilização judicial (sem autorização legal expressa)”, reconhecendo, desta feita, “ao juiz importante papel de condução ativa dos procedimentos, eleitos conforme as particularidades da causa”.

Subsiste, de acordo com o processualista Fernando da Fonseca Gajardoni, “um verdadeiro case management à brasileira. Não como ação generalizada governamental e uniforme dos tribunais; ou como uma ação legislativa em prol da eficiência do Judiciário. Mas sim como ação isolada, individualizada, casuística, construída pelo magistrado conforme o caso concreto, a fim de conduzi-lo ativamente de forma a fazer com que o processo alcance melhor resultado[10].

Não surpreende o fato de que, com esse arroubo libertador e desenfreado de poder flexibilizador à margem legal, proceder à busca séria por limites tornou-se algo impossível se, ao fim e ao cabo, o doutrinador deixa muito claro que ao magistrado compete “conforme o caso concreto”, “conduzir” o procedimento “ativamente de forma a fazer com que o processo alcance melhor resultado”.

Parece-nos que a preocupação do autor em estabelecer limitesao manejo dos poderes de flexibilização e condução ativa do procedimento pelo juiz, pois ao representarem quebrantamento dos modelos legais de procedimentos, corre-se o risco de as partes serem surpreendidas por uma tramitação que rompa a previsibilidade e a segurança jurídica”, é vazia e inútil constituindo, desse modo, em uma falácia argumentativa.

Causa espécie, o fato de que os neoconstitucionalistas/neoprocessualistas defendam uma “flexibilização processual” desconsiderando os marcos legais, permitindo a adaptabilidade/ductibilidade do iter procedimental ao fundamento de respeito aos direitos fundamentais se o processo, em si e por si, é o exemplo mais eloquente dessa espécie de direito, capaz de fornecer elementos de controle à atividade jurisdicional enquanto garantia de resistência às investidas arbitrárias. Não é à toa que a Constituição Federal estabelece entre os direitos fundamentais do cidadão (=jurisdicionado) a garantia da legalidade e do devido processo legal, respetivamente encapsulados no artigo 5º, II e LIV da Lex Legum.

Qualquer flexibilização no procedimento (=rotas procedimentais alternativas) que não respeite a legalidade estrita e o devido processo está eivada de nulidade, uma vez que fragiliza as garantias fundamentais do indivíduo, revelando-se inconstitucional em seu cerne.

Há uma incompatibilidade lógica e erística em se admitir a busca por segurança jurídica e ao mesmo tempo promover alternativas procedimentais flexibilizadoras atípicas oficiosas, sob o fundamento de superação das regras legais concebidas subjetivamente por incompatibilidade com os significados pessoais de processo justo ou com a invocação performática do direito material objeto do litígio[11].

O devido processo e a legalidade estrita são garantias constitucionais processuais que não admitem flexibilizações oficiosas. Qualquer derrotabilidade das regras por meio de ponderação principiológica ou aventadas excepcionalidades com a criação judicial do caminhar do procedimento não se compatibiliza com o Estado Democrático de Direito, debilitando as funções ínsitas dos poderes legislativo e judiciário.

Defender, por um lado, um poder incontrastável do magistrado na flexibilização procedimental oficiosa e, por outro, preocupar-se com previsibilidade e caça à segurança jurídica revela-nos o desprezo a essência do processo como direito de resistência[12] ou defesa[13] volvido ao jurisdicionado para (i) controlar o exercício da jurisdição (=poder estatal) e (ii) combater a manipulação do procedimento ao arrepio da legislação de regência.

A propósito, nunca é demais lembrar, com J. J. Calmon de Passos, dos perigos que posturas de gênero ativista, tais quais as lançadas acima pelos instrumentalistas de outrora e os neoprocessualistas da contemporaneidade:

Um desses frutos perversos, ou peçonhentos gerados pela ‘instrumentalidade’ foi a quebra do equilíbrio processual que as recentes reformas ocasionaram. Hipertrofiaram o papel do juiz, precisamente o detentor de poder na relação processual, portanto, o que é potencialmente melhor aparelhado para oprimir e desestruturar expectativas socialmente formalizadas em termos de segurança do agir humano e previsibilidade de suas consequências. Privilegiaram, de outra parte, o autor, justamente aquele a quem cabe o dever ético e político de comprovar o inelutável da sujeição do outro à sua pretensão. Numa total inversão de valores, tem-se como ‘dado’ o que jamais pode ser entendido nesses termos antes de comunicativa e intersubjetivamente produzido. Esses erros levaram a que as reformas, em lugar de resolverem a crise da Justiça, agravassem-na e o fizessem progressivamente, até atingir o intolerável, que determinará o indesejável – a implosão, quando se queria e se necessitava apenas de reformulação. E por que as reformas, em sua dimensão mais pretensiosa, agravam antes de solucionar? Porque exacerbam a litigiosidade e favorecem o arbítrio. Essas duas coisas, casadas, estimulam os inescrupulosos a postular e decidir sem ética e sem técnica, transformando aos poucos o espaço forense no terreno ideal para a prática do estelionato descriminalizado, a par de incentivarem os ignorantes a ousarem cada vez mais, os arbitrários a oprimirem cada vez mais, os vaidosos a cada vez mais se exibirem e os fracos a cada vez mais se submeterem. O que pode ter sido pensado com boas intenções, na prática, justamente pela ‘viscosidade’ da decantada ‘instrumentalidade’, transforma-se em arma na mão de sicários, ou, para usar as expressões de um ilustre advogado paulista – faz do direito e do processo, nos dias presentes, a pura e simples arte, ou artimanha, de se colocar o punhal, com precedência, na jugular do adversário (...).

Distorção não menos grave, outrossim, foi a de se ter colocado como objetivo a alcançar com as reformas preconizadas apenas uma solução, fosse qual fosse, para o problema do sufoco em que vive o Poder Judiciário, dado o inadequado, antidemocrático e burocratizante modelo de sua institucionalização constitucional. A pergunta que cumpria fosse feita – quais as causas reais dessa crise – jamais foi da pletora de feitos e de recursos que nos sufocam? E a resposta foi dada pela palavra mágica ‘instrumentalidade’, a que se casaram outras palavras mágicas – ‘celeridade’, ‘efetividade’, ‘deformalização’, etc. E assim, de palavra mágica em palavra mágica, ingressamos num processo de produção do direito que corre risco de se tornar pura prestidigitação. Não nos esqueçamos, entretanto, que todo espetáculo de mágica tem um tempo de duração e a hora do desencantamento[14].

O neoconstitucionalismo defende um juiz dotado de amplos poderes instrutórios na busca da verdade, “cooperativo/colaborativo”, já que desconfiado da capacidade técnica das partes na formação racional e oferecimento do material a servir de suporte fático-jurídico de seus direitos, potencialmente “flexibilizador” dos procedimentos legalmente instituídos, autoritário/parcial, desconfiado da lei, uma vez que orientado por uma suposta “moralidade objetiva” cujo final precípuo é corrigir o direito, elaborando um ordenamento “de exceção”, no qual “não somente o processo, mas também o próprio direito se transforma num instrumento na mão de juízes que, embora bem intencionados, assumem um rosário de faculdades capaz de gerar um levante contra as prescrições constitucionais[15] e legais estabelecidas no sistema positivado.

 

– III –

Na relação processual necessária entre poder (=jurisdição) e contrapoder (=garantia), o rito procedimental[16] não pode ser moldado ou alterado ao sabor dos ventos experimentados pelo primeiro.

A intermediação judicial no procedimento fixado pelo veículo normativo adequado (=lei) não experimenta temperamentos de natureza extra legem, contra legem e/ou infra legem, sob pena de se tornar a garantia constitucional do devido processo legal em uma espécie de marionete a movimentar-se através dos impulsos do ventríloquo; um contrapoder guiado (=manipulado) pelo poder; uma garantia servindo aos anseios ilimitados da jurisdição.

Por melhores e mais bem intencionados que possam ser os sentimentos de promover o “justo”, de “melhor adequar-se à prestação da tutela jurisdicional”, o respeito e o cumprimento das balizas procedimentais previamente fixadas pelo legislador ou fruto de negócios jurídicos processuais revelam, a um só tempo, a necessidade imperiosa de controle dos atos no processo e a certeza de que os trilhos serão seguidos e que a locomotiva não descarrilhará, as regras do jogo não serão alteradas no curso da partida. Ninguém admite ou aprecia jogar sem regras previamente estabelecidas; nenhum trem faz seu destino no curso confeccionando as bitolas de aço em franco movimento e criando, desse modo, um itinerário ad hoc.

Nenhum jurisdicionado (=demandante, demandado e/ou terceiros) pretende litigar/participar sem ter conhecimento do que e como o procedimento se desenvolve(rá). Esta espécie de surpresa não é bem-vinda e não contribui para a solução das disputas; ao revés, mina-a com atalhos prejudicando tanto o resultado da disputa quanto o destino dos viajantes.

 

Notas e Referências

[1] Parte das ideias aqui expressadas foram lançadas no texto Neoconstitucionalismo: do protagonismo judicial ao cataclismo da separação de poderes encartado na obra coletiva coordenada por Antônio Carvalho Filho e Eduardo José da Fonseca Costa denominada Direito, processo e garantia: estudos em homenagem à J. J. Calmon de Passos a ser publicada pela Editora Thoth em 2021.

[2] GALVÃO, Jorge Octávio Lavocat. O neoconstitucionalismo e o fim do estado de direito. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 307/308.

[3] Fredie Didier Jr. realça a necessidade de um “aggiornarmento do repertório teórico do operador do Direito”, enfatizando que seria preciso, “apontar as principais marcas do pensamento jurídico contemporâneo e examinar de que modo elas vêm interferindo no Direito Processual Civil e na Teoria do Processo”.

Didier procura destacar as “características mais importantes” do pensamento neoconstitucional que, a seu modo, relaciona-se com à aplicação do direito processual, a saber: “a) reconhecimento da força normativa da Constituição, que passa a ser encarada como principal veículo normativo do sistema jurídico, como eficácia imediata e independente, em muitos casos, de intermediação legislativa” (...) “Passa-se, então, de um modelo de Estado fundado na lei (Estado legislativo) para um modelo de Estado fundado na Constituição (Estado Constitucional”; “b) Desenvolvimento da teoria dos princípios, de modo a reconhecer-lhes eficácia normativa5: o princípio deixa de ser técnica de integração do Direito e passa a ser uma espécie de norma jurídica”; “c) Transformação da hermenêutica jurídica, com o reconhecimento do papel criativo e normativo da atividade jurisdicional: a função jurisdicional passa a ser encarada como uma função essencial ao desenvolvimento do Direito, seja pela estipulação da norma jurídica do caso concreto, seja pela interpretação dos textos normativos, definindo-se a norma geral que deles deve ser extraída e que deve ser aplicada a casos semelhantes. Estabelece-se, ainda, a distinção teórica entre texto e norma, sendo essa o produto da interpretação daquele. Consagram-se as máximas (postulados, princípios ou regras, conforme a teoria que se adote) da proporcionalidade e da razoabilidade na aplicação das normas. Identifica-se o método da concretização dos textos normativos, que passa a conviver com o método da subsunção. Expande-se, ainda, a técnica legislativa das cláusulas gerais, que exigem do órgão jurisdicional um papel ainda mais ativo na criação do Direito”; e, “d) Expansão e consagração dos direitos fundamentais, que impõem ao Direito positivo um conteúdo ético mínimo que respeite a dignidade da pessoa humana e cuja teoria jurídica se vem desenvolvendo a passos largos”.

Conclui o jurista que o neoprocessualismo seria uma “quarta fase da evolução do direito processual”, aproximando-a do “formalismo-valorativo” (Carlos Alberto Alvaro de Oliveira), pois, segundo Didier, tal identidade fundamentar-se-ia “exatamente para destacar a importância que se deve dar aos valores constitucionalmente protegidos na pauta de direitos fundamentais na construção e aplicação do formalismo processual”. (Teoria do processo e teoria do direito: o neoprocessualismo. In: DIDIER JR, Fredie (Coord.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Volume 2. Salvador: Juspodivum, 2010, p. 257-263).

[4] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: RT, 1987, p. 274.

[5] CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: RT, 2010, p. 247.

[6] DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 274.

[7] DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria geral do novo processo civil. São Paulo. Malheiros, 2016, p. 65-66.

[8] Sobre o tema, agrega-se o texto de Antonio Carvalho Filho no qual, a partir de uma “blague” articulada pelo Prof. Fredie Didier Jr, afirmando que “qualquer frase de um doutrinador brasileiro hoje, que diga que o procedimento comum brasileiro é rígido, não sabe o que está acontecendo, não sabe o trajeto solar”, conclui que o trajeto solar observado pelos garantistas-constitucionalistas não é o mesmo daquele visto pelos instrumentalistas-jurisdicionalistas. “Rigidez procedimental” e “orientação solar”. São Paulo. Empório do Direito. 29 jun. 2020. Disponível em https://bit.ly/3bCVaVH.

[9] Recentemente (23.02.2021), o STJ no REsp 1.810.444/SP, grosso modo, invalidou convenção firmada em contrato de venda e compra entre empresas (negócio jurídico processual). Na hipótese, a empresa credora estaria autorizada a obter, por meio de tutela provisória de urgência o bloqueio dos ativos financeiros da empresa devedora sem que está última exercesse o contraditório prévio e sem a necessidade de prestação de garantia. O principal argumento, segundo o Tribunal da Cidadania foi o de que tal cláusula ofenderia a “ordem pública”, em especial a “cláusula do devido processo justo”, sendo, portanto, “incongruente vincular o julgador à forma pactuada para a realização de função de sua titularidade”. Mais uma vez, data maxima venia, equivocou-se o Tribunal Superior. A convenção é válida e eficaz porquanto pactuada nos estritos limites do art. 190 e, ipso facto, calçada na autonomia privada legitimada por tal dispositivo. O que transparece do conteúdo da decisão é a ideia de que pactos desta espécie ofendem a ordem pública porque entabulados pelas partes e sujeitando o magistrado a respeita-las. Entretanto, disposições legais no mesmo sentido, tais como, p. ex., as contidas nos artigos 9.º, 294, 300 e 311 os quais têm a finalidade e servem ao mesmo propósito (mitigação do contraditório para evitar frustração na concretização da medida liminar) não o são ofensivas da ordem pública. Qual o sentido de se permitir refreamentos legais e negar vigência às convenções processuais (igualmente ancoradas na lei)? Por que as primeiras não ofendem à ordem pública e as últimas a vilipendiam? Os negócios jurídicos processuais já não muito prestigiados na ordem forense, com esse duro golpe corre o risco de transmudarem-se em “letra-morta” diante do forte e irremediável publicismo que aniquila os espaços reservados à atuação das partes.

[10] GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Procedimentos, déficit procedimental e condução ativa dos procedimentos civis pelo juiz no brasil. In: SIMONS, Adrian; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; RAGONE, Alvaro Pérez; LUCON, Paulo Henrique dos Santos (Orgs.). Estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover e José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2019. [E-book], p. 549.

[11] Paulo Mendes de Oliveira, defendendo a flexibilização atípica e superação de regras procedimentais, sustenta: “A excepcionalidade da flexibilização judicial atípica deve ser trabalhada com o manancial teórico da superação de regras. É de se considerar que as regras são elaboradas para alcançar aquilo que normalmente acontece, portanto com aptidão de disciplinar com justiça os fatos ordinários do cotidiano. Entretanto, a necessidade de estabelecer tais generalizações acaba por incluir situações que o legislador não pretendia alcançar ou deixar de disciplinar casos que mereciam idêntica solução. Inevitavelmente, pois, a legislação traz consigo hipóteses de subinclusão (under-inclusive) e superinclusão (over-inclusive). Assim, casos excepcionais ocorrem que recomendam a modificação do esquema legal previamente estabelecido. Surgida alguma situação inusitada, não contemplada ou albergada pela finalidade normativa, é de se estender a aplicação da lei ao caso não previsto ou de suprimir-se a sua aplicação (defeseability)” (Segurança jurídica e processo: da rigidez à flexibilização processual. [livro eletrônico]. São Paulo: RT, 2018, n.p.)

[12] Direitos negativos (pretensão de resistência à intervenção estatal ou de status negativos, segundo Jellinek). “Trata-se de direitos que permitem aos indivíduos resistir a uma possível atuação do Estado. Nessa hipótese, E (esfera do Estado) não deve intervir (´entrar`) em I (esfera do indivíduo), sendo que o indivíduo pode repelir eventual interferência estatal, resistindo com vários meios que o ordenamento jurídico lhe oferece. Esses direitos protegem a liberdade do indivíduo contra uma possível atuação do Estado e, logicamente, limitam as possibilidades de atuação do Estado (...) A essência do direito está na proibição imediata de interferência imposta ao Estado. Trata-se de um direito negativo, pois gera a obrigação negativa endereçada ao Estado, a obrigação de deixar de fazer algo. Trata-se de uma obrigação de abster-se da intervenção na esfera de liberdade garantida pela Constituição (imperativo de omissão – Unterlassungsgebot)” (DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria dos direitos fundamentais. 7ª Ed., São Paulo: RT, 2020, p. 66-67).

[13] BARBA, Rafael Giorgio Dalla. Se o processo é uma garantia de liberdade, ele é um direito de defesa. São Paulo. Empório do Direito. 27 jan. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3bnLEUi.

[14] PASSOS, José Joaquim Calmon de. Instrumentalidade do processo e devido processo legal. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre: Síntese, n. 7, p. 5-15. set./out. 2000, p. 14-15.

[15] RAAZT, Igor. O juiz defensor da moral, o juiz defensor da verdade e o juiz defensor da lei: instrumentalismo, cooperativismo e garantismos processual. São Paulo. Empório do Direito. 01 abr. 2020. Disponível em: https://bit.ly/2CYOr9V.

[16] É da essencialidade da função jurisdicional a observância dos ritos procedimentais fixados em lei, na medida em que tal prática é condição sine quo non à concretização da garantia institucional da imparcialidade do julgador.

 

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