#92 - O que a Metaética tem a dizer ao Direito Processual brasileiro?· Desafios metaéticos à doutrina do processo justo    

14/12/2020

Coluna Garantismo Processual / Coordenadores Eduardo José da Fonseca Costa e Antonio Carvalho

For when the thing is indefinite the rule also is indefinite.

Aristóteles. Nicomachean Ethics, 1137b6-1137b32

O texto inicia (I.) expondo a disseminada tese na dogmática processual de que o constitucionalmente consagrado devido processo legal deve ser compreendido pela noção de “processo justo”, através da qual se derivaria não apenas um modelo geral de processo, mas também deveres não expressamente previstos na legislação. Na sequência, mostra que (II.) não há uma única definição da noção de processo justo tanto no (a) caso brasileiro como no (b) inspirador caso italiano. Para poder justificar o processo justo como categoria jurídico-dogmática, o texto (III.) argumenta ser necessário responder a pelo menos três desafios tradicionalmente levantados em Metaética: (a) ontológico; (b) epistemológico; e (c) semântico. Conclui que (IV.) a falta de uma explicação convincente a esses desafios compromete a sua utilização como categoria jurídico-dogmática no Direito Processual.

 

I. Introdução à tese do processo justo

A ideia de conceber o direito processual como disciplina vinculada a algum ideal de justiça não é recente na história da dogmática processual brasileira. Ela já aparece de algum modo como pano de fundo no chamado instrumentalismo processual,[1] a doutrina em que o direito processual precisaria ser encarado como um instrumento a serviço da jurisdição, atendendo a necessidades sociais e políticas e se desprendendo de uma concepção técnica e metodicamente formalista. Na perspectiva instrumentalista, além de escopos sociais e políticos, o processo é concebido como um meio para alcançar, nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco, a “vontade concreta do direito”.[2] Mais recentemente, a concepção geral de justiça no processo passa a ser reforçada na dogmática processual brasileira pela doutrina do formalismo-valorativo.[3] Ela raciocina assim: já que o processo é entendido como ferramenta “para a realização da justiça e da pacificação social”, ele não pode ser apenas uma mera técnica, mas um “instrumento de realização de valores e especialmente valores constitucionais”.[4] No conjunto desses valores se destacam efetividade e segurança jurídica, cuja ponderação visa a “alcançar um processo tendencialmente justo”.[5]

Atualmente, é disseminada a tese segundo a qual seria equivocado conceber o processo como instituição de garantia de liberdades enquanto mecanismo de limitação ao exercício do Poder Público.[6] Conforme essa mesma tese,[7] os valores incorporados ao Direito Processual brasileiro extrapolariam uma concepção de processo exclusivamente ligada ao devido processo legal nos termos do art. 5º, LIV da Constituição Federal e exigiriam, ao mesmo tempo, uma reformulação bastante ampliativa do seu significado. O aspecto nevrálgico dessa reformulação acarreta que a concepção de processo como um direito de defesa (Abwehrrecht)[8] é sumariamente desconsiderada para dar lugar a uma nova doutrina processual que se ajuste a esse conjunto mais amplo de valores. Nessa nova concepção processual-valorativa, o conceito de processo reflete a noção de processo justo ao invés da “formalista” e “ultrapassada” concepção de devido processo legal. Na falta de uma expressão suficientemente englobante, denominaremos os processualistas que sustentam essa tese pelo epíteto de doutrina do processo justo.[9]

O processo justo (“equitativo” na tradução portuguesa) aparece positivado na redação do Art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,[10] especificando não apenas quais os direitos consagrados sob essa genérica expressão, mas também mencionando limitações explícitas a eles mediante decisão fundamentada. No entanto, a doutrina do processo justo não parece amparar sua proposta em alguma analogia com o Direito Público Europeu; em alguma medida, ela até parece derivá-la da noção de Estado de Direito, como se vê também na jurisdição constitucional alemã.[11] Mas a doutrina do processo justo é mais pretenciosa: ela justifica a (nem tão implícita) reformulação da concepção tradicional de devido processo legal pela ideia de processo justo próxima à justiça substancial. Não há uma preocupação muito significativa com a intenção do legislador democrático assim como há com uma concepção de justiça substancial que fundamenta a ideia do processo justo.

A aproximação da dogmática processual com a noção de justiça chama ainda mais a atenção pelo fato de que ela é utilizada como fundamento para determinar uma série de consequências jurídicas. Adicionar um caráter valorativo ao processo seria mais do que apenas um adorno estético nos capítulos introdutórios dos manuais da disciplina; da conexão entre processo e justiça substancial são derivados deveres bastante controversos. Um exemplo é o dever de cooperação, cujo mandamento de colaboração entre todos os sujeitos do processo passa a ser alçado à categoria de modelo processual. Segundo Daniel Mitidiero, o “fim da colaboração está em servir de elemento para organização de um processo justo idôneo para alcançar uma decisão justa. (...) Para que o processo seja organizado de forma justa os seus participantes têm de ter posições jurídicas equilibradas ao longo do procedimento”.[12] O processo justo então se ajusta ao modelo de cooperação processual que exige da autoridade judiciária o cumprimento de deveres específicos de colaboração - esclarecimento, diálogo, prevenção e auxílio para com as partes[13] -, ainda que não estejam estabelecidos em lei as sanções específicas que decorreriam de eventual descumprimento.[14] Mesmo assim, a concepção de processo justo permanece disseminada no Direito Processual brasileiro.

 

II. “Processo justo”: mas qual deles? (03)

A doutrina do processo justo inegavelmente ocupa posição de destaque quantitativo na dogmática processual brasileira atual. Sua vasta disseminação e forte carga atrativa pelo apelo à justiça não podem ser desconsideradas. Por isso, é necessário um olhar mais pormenorizado e atento aos detalhes que circundam a tese do processo justo. Se fizermos o raciocínio de aceitar a tese do processo justo, o que exatamente teremos em mente? Do que estamos falando quando utilizamos essa categoria jurídico-processual? E mais, como saber quais os deveres (não-positivados em lei) e sua respectiva metódica que derivam dessa nova concepção de processo, tendo em vista que a expressão – devido processo legal – seria mais bem compreendida como processo justo?

Essas perguntas não causam perplexidades apenas naqueles que à primeira vista não tendem a se sentir convencidos pelo argumento do processo justo. Deveria, contudo, causar perplexidade nos seus próprios defensores. Isso porque, por meio de uma simples visão panorâmica na literatura especializada, constatamos que há tudo menos consenso sobre a definição da expressão “processo justo”. Se quisermos ser ainda mais enfáticos, podemos afirmar que parece nem sequer existir uma posição majoritária entre os seus defensores, mas uma diversidade de definições que se aproximam em alguns aspectos e se afastam em outros. Vejamos, e.g., os casos brasileiro e italiano.

 

a) O caso brasileiro

Não há uma definição bem-estabelecida e amplamente compartilhada na dogmática processual brasileira. É possível encontrar alguns aspectos gerais compartilhados entre os defensores da concepção de processo justo, mas também aspectos substantivos presentes na definição de alguns autores e não na de outros. Também chama a atenção que, para a definição de uma expressão tão vaga e geral como o “processo justo”, a doutrina faça referência a outros termos tão imprecisos quanto, como “estado ideal”, “núcleo forte ineliminável” ou “conteúdo mínimo essencial”, o que apenas posterga a problemática.

O processo justo é por vezes definido como uma espécie de decorrência da proteção de direitos. Nas palavras de Humberto B. Ávila, “(...) o direito a um processo adequado ou justo é uma decorrência indireta e externa da proteção de direitos, e impõe a adoção de comportamentos que contribuam para a existência dos bens jurídicos que compõem o estado ideal de protetividade dos direitos de liberdade e de igualdade”.[15]

Já para Luiz G. Marinoni e Daniel Mitidiero, uma definição dessa mesma expressão não é, em abstrato, nem sequer possível. Conforme os processualistas, “(...) não é possível definir em abstrato a cabal conformação do direito ao processo justo. Trata-se de termo indeterminado. O direito ao processo justo constitui cláusula geral – a norma prevê um termo indeterminado no seu suporte fático e não comina consequências jurídicas à sua violação. No entanto, é possível identificar um ‘núcleo forte ineliminável’, um ‘conteúdo mínimo essencial’ sem o qual seguramente não se está diante de um processo justo”.[16] 

Aparentemente mais otimista em relação a definição de processo justo, Renzo Cavani conecta a definição de processo justo à criação de determinados fatores concretizadores. “Isso faz exatamente com que a decisão (...) só possa ser qualificada como justa diante da convergência de, pelo menos, três fatores: (1) procedimento em respeito dos direitos fundamentais e da legalidade; (2) adequada apuração (accertamento) dos fatos relevantes da causa com o fim da busca pela verdade; e (3) adequada individualização do segmento normativo, interpretação do texto (enunciado normativo) ou do elemento não textual e aplicação da norma ao caso concreto. A justificação de (1) e de (2) deve seguir parâmetros lógicos e ser o suficientemente argumentada”.[17]

 

b) O caso italiano

Se a doutrina do processo justo não oferece uma definição precisa e amplamente aceita no Brasil, a situação não parece ser diversa no estrangeiro. Ao menos se tomarmos o caso italiano como padrão de comparação, identificamos também uma pluralidade de definições em relação à decisão justa, umbilicalmente conectada ao processo justo. Na Itália, as razões para os desacordos teóricos causam ainda mais perplexidade, uma vez que o próprio Art. 111 da Constituição Italiana menciona expressamente o “processo justo regulado por lei” (giusto processo regolato dalla legge). No entanto, nem mesmo a existência de expressa cláusula de reserva legal impede os desacordos teóricos em torno da definição do giusto processo.

Na lição do e em homenagem ao falecimento do prestigiado processualista Michele Taruffo, processo e decisão justos estão intimamente conectados em uma ordem tríplice de valores ainda mais gerais: “La teoria della decisione giusta che qui si propone si fonda sul presupposto che non esista un singolo ed unico criterio idoneo a costituire il punto di riferimento per le valutazioni attinenti alla giustizia della decisione giudiziaria. (…) Come si vedrà meglio in seguito, allora, la giustizia della decisione assume la forma di un algoritmo che ricomprende e collega tre ordini di valori. I tre criteri ai quali si allude sono i seguenti: a) correttezza della scelta e dell’interpretazione della regola giuridica applicabile al caso; b) accertamento attendibile dei fatti rilevanti del caso; c) impiego di un procedimento valido e giusto per giungere alla decisione”.[18]

Para Sergio Chiarloni, por sua vez, uma decisão jurídica pode ser qualificada como justa por meio de um critério duplo de verdade, considerando a correta interpretação normativa e factual: “La sentenza è giusta quando passa l'esame di un doppio criterio di verità. Quando cioè è il frutto di una corretta interpretazione delle norme coinvolte e di un'esatta ricostruzione dei fatti”.[19]

Aurelio Gentili, por sua vez, parece defender uma posição menos idealista em relação a essa expressão. A justiça de uma decisão jurídica seria essencialmente relativa: “La giustizia della decisione è dunque essenzialmente 'relativa'. È una giustizia limitata all'orizzonte del rapporto processuale que si è instaurato, e legata al disegno che le parti tracciano. Vive dei soli elementi che l'opera delle parti acquisisce al processo (...) il concetto di decisione giusta si mostra sotto un'altra luce: giusta tutto considerato”.[20] Similar, mas enfatizando a necessidade da existencia de regulação legal, Luigi Comoglio assim refere: “Qualsiasi ‘processo’ (o modello e tipo di ‘Processo’) è (o può essere) ‘giusto’, solo se ed in quanto la ‘legge’ vi abbia previsto o comunque ‘regolato’ um’adeguata attuazione di tutte quelle condizioni minime coessenziali, che (in base all’art. 111, 2.º comma) si intendono all’uopo, in termini assoluti e inderogabili, necessarie e sufficienti”.[21]

 

c) Intersecção com a Metaética

O processo justo, nos moldes da atual doutrina processual, não se contenta com a concepção de devido processo legal estabelecida no texto constitucional, mas reivindica um conteúdo adicional de justiça substancial. Esse conteúdo, por um lado, não parece ser deduzido de uma tábua transcendental, de um paraíso de conceitos;[22] por outro, também não quer assumir uma posição empirista e relativista. Na verdade, a doutrina do processo justo não parece definir exatamente o conteúdo dessa expressão – processo justo – a qual ela mesma estabelece como o fundamento para o seu modelo de processo brasileiro. E a explicação mais plausível e caridosa para esse silêncio parece ser esta: não são as Ciências Jurídicas que tradicionalmente se ocupam com a definição do conceito de justiça, mas a Filosofia Moral. Ainda que as Ciências Jurídicas – seja em nível teórico, dogmático ou prático[23] – tenham a capacidade de ressignificar conceitos compartilhados com outras disciplinas,[24] a doutrina do processo justo não se vale dessa atribuição. Com essa expressão ela se refere à justiça em sentido substancial. Portanto, é preciso indagar à Filosofia Moral sobre a definição desse conceito. Nessa disciplina, essa tarefa incumbe a um ramo específico chamado Metaética.

 

III. Desafios Metaéticos

A partir do início do século XX a Metaética surge como disciplina relativamente autônoma no terreno da Filosofia Moral de tradição analítica,[25] emancipando-se da Ética convencional. Metaética é a disciplina que investiga, inter alia, os estatutos ontológico, epistemológico e semântico do fenômeno moral. Seu campo de investigação diz respeito à conexão entre valores, conhecimento, linguagem e motivação de juízos éticos. Ela inclui questionamentos como: a moralidade é uma questão mais próxima a gosto ou à verdade? Padrões éticos são culturalmente relativos? Existem fatos morais? Se sim, qual a sua influência para motivar ações diante da existência concomitante de outros fatos decisivos para a tomada de decisão, como convenções sociais e estados psíquicos (felicidade, raiva, empatia etc.)? Essas questões estão diretamente relacionadas à noção de justiça em que se sustenta a doutrina do processo justo.

Em linhas gerais, a Metaética se ocupa com questões de segunda ordem, isto é, questões sobre as questões de primeira ordem que compõem a Ética. Trata-se de dois níveis de racionalidade distintos: juízos que fazemos sobre a Ética, por um lado, e o que pensamos e fazemos na Ética, por outro. Questões de primeira ordem (Ética) dizem respeito à correta avaliação de ações, pessoas e instituições do ponto de vista do certo e errado, do bom e mau, do justo e injusto. Questões de segunda ordem (Metaética), ao contrário, não pretendem encontrar respostas a questões “como devemos agir?” ou “como devemos viver?”. Elas não se preocupam em prescrever um modelo de ação para casos práticos, mas em investigar os conceitos utilizados em juízos éticos. Ao passo que a Ética é essencialmente prática e normativa, a Metaética tem caráter teórico e descritivo.[26]

Questões metaéticas são levantadas a partir de um ponto de vista eminentemente teórico devido à posição de distanciamento de debates substanciais de primeira ordem. A Metaética pode assim investigar e identificar visões, afirmações e comprometimentos daqueles que empregam de alguma maneira conceitos éticos e se engajam no debate ético-substancial. No início do século XX, a ênfase nesse distanciamento fez com que alguns metaeticistas[27] afirmassem que suas investigações não proporcionavam qualquer repercussão sobre questões de primeira ordem, não geravam quaisquer implicações práticas. No entanto, atualmente essa afirmação tem sido questionada.[28]  Atualmente, não há consenso sobre qual o grau de impacto que afirmações metaéticas exercem sobre juízos éticos, i.e., o impacto de questões de segunda ordem sobre questões de primeira ordem.[29]

Seja como for, no cenário jurídico-processual o conceito de justiça é empregado pela doutrina do processo justo com a pretensão de gerar efeitos jurídicos práticos. Como vimos, o processo justo é formulado como um modelo de fundamentação de um modelo de processo no qual são extraídos deveres específicos não expressamente previstos na legislação brasileira. Por isso, os questionamentos levantados em Metaética podem ser trazidos para a Ciência Processual como forma de esclarecer à comunidade jurídica quais são as implicações e comprometimentos do conceito de justiça. Quer dizer, uma vez que o processo justo representaria o fundamento teórico para um modelo de processo por supostamente refletir um ideal de justiça substancial, a demonstração e plausibilidade dessa tese fica assim submetida aos mesmos desafios e questionamentos da Metaética. Esses desafios são, pelo menos, três.[30]

 

 a)  Desafio ontológico

Toda Ciência pressupõe um objeto de investigação. Por mais trivial que possa parecer, é necessário antes de tudo que esse objeto exista. Ou seja, é necessário que existam propriedades – objetos, eventos, estado de coisas etc. – sobre as quais é possível fazer afirmações verdadeiras ou falsas. A Filosofia reserva à Ontologia, enquanto subárea da Metafísica,[31] o estudo da existência de propriedades no mundo. Segundo Willard van Orman Quine, a Ontologia investiga uma questão tão simples que pode ser resumida em três palavrinhas: “o que existe?”.[32]

Se perguntarmos aos físicos, eles responderão que, no limite, tudo o que existe são léptons e quarks, partículas subatômicas que compõem a estrutura mais elementar da matéria. Objetos físicos e corpóreos – incluindo o autor e os leitores deste artigo científico – existem porque são compostos por um imenso conjunto dessas partículas básicas e indivisíveis. A pergunta que fica é: todas as propriedades existentes podem ser reduzidas ao universo subatômico? Ou será que, além delas, existem outras propriedades? Se sim, como explicar a existência de tais propriedades que simplesmente ultrapassam o mundo físico?[33] Propriedades morais desafiam essas perguntas. Ao passo que a existência é uma questão ontológica, a existência de propriedades morais é uma questão de ontologia moral. Sua tarefa é explicar se existem e, caso afirmativo, do que se tratam tais propriedades morais, i.e., qual é exatamente seu status ontológico.[34] Trazendo a questão para o debate jurídico-processual: na medida em que a doutrina do processo justo se compromete com a noção de “justiça” no processo, seu primeiro desafio teórico é explicar a existência dela e qual seu status ontológico.

Em outras palavras, a afirmação que o modelo processual brasileiro reflete de algum modo a ideia de processo justo pressupõe a existência de uma propriedade como “a justiça”. A doutrina do processo justo precisa dar uma explicação sobre a existência dessa propriedade moral para que sua tese possa ser teórica e cientificamente válida. Ela precisa mostrar que propriedades morais existem e do que elas consistem de fato. Certamente os físicos também estão curiosos em saber. Até agora não há nada nos textos da doutrina do processo justo que tenha indicado essa ontologia moral; no entanto, sem essa explicação o processo justo simplesmente não existe.

 

b) Desafio epistemológico

A doutrina do processo justo está comprometida com a existência de propriedades morais e no que elas de fato consistem. Essa, evidentemente, não é uma tarefa simples. Ela precisa de uma ontologia moral que explique essa afirmação para ser levada à sério. Vamos pressupor que essa explicação tenha sido dada. Pressupomos que os adeptos da doutrina do processo justo estão amparados por uma ontologia moral e que por algum lapso ou bloqueio seus adversários não haviam conseguido identificá-la. Nesta hipótese, os problemas jurídicos estariam resolvidos e os processualistas poderiam ir para casa satisfeitos? A situação parece não ser tão simples.

Ainda que exista uma ontologia moral apta a explicar a existência de propriedades morais, a doutrina do processo justo ainda precisaria explicar como é possível conhecê-las. É necessária uma explicação convincente sobre como seres humanos sem as capacidades sobre-humanas da figura de Hércules[35] podem ter acesso epistêmico a tais propriedades tão controversas. Ao desafio metafísico soma-se o epistemológico, que indaga sobre a possibilidade do conhecimento de propriedades morais. Afinal, como é possível obter conhecimento moral? Para as exigências teóricas e científicas atuais, não basta afirmar simplesmente que a justiça se refere a “ideias gerais”, ao “bem comum” ou a alguma “vontade” ou “espírito do direito”. Se elas de alguma forma existem, torna-se necessária ainda uma teoria que explique como conhecemos essas propriedades. Até por volta da metade do séc. XX a definição clássica de conhecimento aceita pela comunidade filosófica era crença verdadeira e justificada. Atualmente, porém, essa própria definição é objeto de desacordo entre epistemólogos.[36]

Do mesmo modo que recai sobre a doutrina do processo justo a exigência em relação à existência de propriedades morais, também ocorre sobre a possibilidade de conhecimento moral. A doutrina do processo justo necessita de uma epistemologia compatível com as exigências científicas contemporâneas para podermos nos certificar de que estamos diante de crenças verdadeiras e justificadas. Sem uma epistemologia, uma ontologia seria ainda insuficiente para as pretensões da doutrina do processo justo.

 

c) Desafio semântico

Além dos desafios metafísico e epistemológico, ainda pode ser levantado o questionamento sobre como identificar o significado de conceitos morais. A teoria do significado tradicional baseia-se na concepção de verdade como correspondência com o mundo, de modo que conceitos e enunciados são verdadeiros se correspondem aos seus referentes, i.e., às entidades por eles designadas.[37] A questão metaética ligada à linguagem valorativa quer saber se o vocabulário ético obedece a essa relação correspondencial tradicional. Na hipótese em que o desafio ontológico é respondido negativamente, ou seja, negando-se a existência de um referente no mundo que corresponda à conceitos éticos – uma entidade real como “a justiça” –, então a teoria semântica tradicional parece não dar conta do recado. O desafio aqui é: juízos morais são aptos à verdade e falsidade? Embora sejam questionamentos distintos, semântica e ontologia estão intimamente conectadas.

Diante desta questão, algumas correntes metaéticas sustentam que conceitos éticos não são referenciais, mas expressivos; não correspondem a fatos, mas a emoções. Eles não designariam entidades objetivas no mundo, mas expressariam estados subjetivos daqueles indivíduos ou grupos que os proferem.[38] Ainda outras correntes menos radicais preferem explicar a linguagem moral como um fenômeno que “torna público” certas atitudes subjetivas dos interlocutores, de modo que esses conceitos não teriam seu significado determinado nem completamente por entidades objetivas nem por subjetivas, mas pelo seu uso contextual.[39] Entretanto, o uso contextual envolve situações nas quais interlocutores empregam conceitos com significados diferentes. Em Metaética, uma das questões centrais é justamente “(...) fornecer um tipo de semântica a conceitos valorativos que nos permita identificar que falamos sobre a mesma questão em discussões valorativas”, de modo que “interlocutores competentes usem os mesmos critérios em divergências sobre aspectos importantes”.[40] Além de uma ontologia e uma epistemologia adequadas, a doutrina do processo justo necessita de uma explicação convincente do significado de conceitos morais. Se ela negar a existência de fatos morais, recorrer à teoria semântica correspondencial não irá ajudá-la em muita coisa.

 

IV. Considerações finais

Na visão de grande parcela doutrinária, o Direito Processual brasileiro incorpora valores que refletem a noção de “processo justo”. Ela operaria como fundamento para determinar a interpretação e a aplicação de decisões judiciais e seria a razão pela qual se derivariam, por exemplo, obrigações da autoridade judiciária para com as partes, ainda que não estejam estabelecidas em lei. No entanto, o “processo justo” é também fonte de alta controvérsia, despertando o interesse da dogmática processual pela Filosofia Moral. Assim, os questionamentos sobre conceitos morais passam a ser relevantes para o Direito Processual, em especial aqueles levantados pela disciplina que os coloca como seu objeto de investigação: a Metaética.

Uma vez que o processo justo representaria o fundamento teórico para um modelo de processo por refletir um ideal de justiça substancial, a demonstração dessa tese fica submetida a pelo menos três desafios metaéticos: ontológico, epistemológico e semântico. Enquanto o desafio ontológico questiona a existência de propriedades morais – “justiça” enquanto qualidade do processo –, o desafio epistemológico indaga pela possibilidade de conhecimento moral. Ainda que exista uma ontologia moral apta a explicar a existência de propriedades morais, a doutrina do processo justo ainda precisaria explicar como é possível conhecê-las. Além disso, é preciso uma teoria semântica que explique a conexão entre a conceitos morais e os seus referentes no mundo, principalmente se a questão em relação ao desafio ontológico for respondida negativamente.

Aguarda-se, na expectativa de um produtivo debate acadêmico e desenvolvimento científico e dogmático da Ciência Processual, uma resposta da doutrina do processo justo aos desafios metaéticos. Afinal de contas, trata-se também de uma questão de justiça.

 

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  • Este texto é uma versão modificada e atualizada do original, cf. DALLA BARBA, Rafael G. Desafios Metaéticos à Doutrina do Processo Justo. Revista de Processo – RePro, Vol. 308, No. 1, 17-31, 2020. Agradeço a Igor Raatz dos Santos e a William Galle Dietrich pela enriquecedora interlocução, revisão e críticas necessárias. Sem essa colaboração, este texto não existiria.

[1] Reconhecido como principal expoente da tese instrumentalista, cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. Passim.

[2] Id. ibid. p. 22-23.

[3] Para a mais evidente e precursora defesa do formalismo-valorativo na dogmática processual brasileira, ver ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no Processo Civil: Proposta de um formalismo-valorativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Passim.

[4] ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. O Processo Civil na perspectiva dos Direitos Fundamentais. Cadernos do Programa de Pós-Graduação Direito/UFRGS, v. 2, n. 4, 119-130, 2004, p. 120 – Grifos nossos.

[5] Id. Ibid. 130 – Grifos nossos.

[6] “(...) é um equívoco imaginar o direito ao processo justo como uma simples garantia. (...) A legislação infraconstitucional constitui um meio de densificação do direito ao processo justo pelo legislador”. MITIDIERO, Daniel. A justiça civil no Brasil entre a Constituição de 1988 e o código reformado. In: LUCON, P.; FARIA, J.; MARX NETO, E.; REZENDE, E. (Orgs.). Processo Civil contemporâneo: Homenagem aos 80 Anos do Prof. Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 51. Grifos nossos. No mesmo sentido, “o processo do Estado Democrático de Direito contemporâneo ‘não se resume a regular o acesso à justiça, em sentido formal. Sua missão, na ordem dos direitos fundamentais, é proporcionar a todos uma tutela procedimental e substancial justa, adequada e efetiva. Daí falar-se, modernamente, em garantia de um processo justo, de preferência à garantia de um devido processo legal’”. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo justo e contraditório dinâmico. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), v. 2, n. 1, 64-71, 2010. p. 65. Grifos nossos.

[7] Ver e.g., MITIDIERO, Daniel. A justiça civil no Brasil entre a Constituição de 1988 e o código reformado. op. cit., 2018, pp. 49-62; MARINONI, L. G.; MITIDIERO, D. Direitos Fundamentais Processuais. In: MARINONI, L. G.; MITIDIERO, D.; SARLET, I. Curso de direito constitucional. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 835 e segs.; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direito Fundamental à duração razoável do processo. In: ARMELIN, Donaldo (coord.). Tutelas de urgência e cautelares: Estudos em Homenagem a Ovídio A. Baptista da Silva. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 676-691; Id. Direito Fundamental à duração razoável do processo. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, v. 5, n. 29, p. 83-98, 2009. p. 88; Id. Processo justo e contraditório dinâmico. op. cit., 2010. p. 65; BEDAQUE, José R. dos S. Efetividade do processo e técnica processual. 3.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. p. 63; ZANETI JÚNIOR, Hermes. A Constitucionalização do Processo: o modelo constitucional da Justiça Brasileira e as relações entre processo e Constituição. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 118-119; GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais do processo: O processo justo. JurisPoiesis, v. 7, n. 6, 3-49, 2004.

[8] Para as bases da construção jurídico-dogmática do conceito de processo enquanto um direito de defesa nos moldes da dogmática dos direitos fundamentais alemã, ver DALLA BARBA, Rafael G. Se o processo é uma garantia de liberdade, ele é um direito de defesa. Emporio do Direito, 2020. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/46-se-o-processo-e-uma-garantia-de-liberdade-ele-e-um-direito-de-defesa; também RAATZ DOS SANTOS, Igor. Processo, liberdade e direitos fundamentais. Revista de Processo - RePro, Vol. 288, No. 44, 21-52, 2019.

[9] Para escapar de uma discussão puramente terminológica, preferimos o termo “doutrina do processo justo” ao invés de “instrumentalismo” já que nem todos os autores que defendem a tese do processo justo se autodenominam instrumentalistas. Na visão desses autores, o instrumentalismo seria uma terceira fase no processo brasileiro, superada por uma quarta fase contemporânea, denominada Processo Civil no Estado Constitucional em preferência aos epítetos neoprocessualismo ou formalismo-valorativo, e.g. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil: Pressupostos sociais, lógicos e éticos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 48-52.

[10] Com esse termo aparece na tradução do documento para a língua portuguesa. Disponível em: https://www.echr.coe.int/documents/convention_por.pdf.

[11] BVerfGE 109, 13-38 - Bundesverfassungsgericht (2003); BVerfGE 130, 1 - Verwertungsverbot Wohnraumüberwachung (2011); BVerfGE 133, 168 - Verständigungsgesetz (2013); fazendo referência também aos Arts. 2 Abs. 1 e 3 da Lei Fundamental, BVerfGE 140, 317 - Identitätskontrolle Materielle Begründung (2015).

[12] MITIDIERO, Daniel. A colaboração como modelo e como princípio no Processo Civil. Revista de Processo Comparado, v. 2, n. 1, 83-97, 2015. p. 3.

[13] Id. ibid.

[14] Defendendo doutrinariamente que o descumprimento do dever de cooperação no processo não gera nenhum tipo de sanção jurídica por sua insuficiência deontológica, ver STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e teorias discursivas. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 619-620; para uma crítica detalhada do modelo da cooperação processual, ver CREVELIN DE SOUSA, Diego. O caráter mítico da cooperação processual. Emporio do Direito, 2017. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/abdpro-10-o-carater-mitico-da-cooperacao-processual-por-diego-crevelin-de-sousa. Acesso em 10 dez. 2020; para uma leitura específica da divisão de tarefas entre juiz e partes, ver Id. Do dever de auxílio do juiz com as partes ao dever de auxílio do juiz com o processo: um giro de 360º. Emporio do Direito, 2019. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/17-do-dever-de-auxilio-do-juiz-com-as-partes-ao-dever-de-auxilio-do-juiz-com-o-processo-um-giro-de-360. Acesso em 10 dez. 2020; mostrando também as restrições com a criação de deveres não previstos em lei na dogmática processual portuguesa, ver RAATZ DOS SANTOS, Igor. Revisitando a “colaboração processual”: uma autocrítica tardia, porém necessária. Revista de Processo – RePro, Vol. 309, No. 1, 41-71, 2020.

[15] ÁVILA, Humberto B. O que é “devido processo legal”? Revista de Processo - RePro, v. 33, n. 163, 50-59, 2008. p. 55.

[16] MARINONI, L. G.; MITIDIERO, D. Direitos Fundamentais Processuais. In: MARINONI, L. G.; MITIDIERO, D.; SARLET, I. Curso de direito constitucional. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 838.

[17] CAVANI, Renzo. “Decisão justa”: mero slogan? Por uma teorização da decisão judicial para o Processo Civil contemporâneo. Revista de Processo - RePro, Vol. 236, No. 1, 1-27, 2014. p. 2.

[18] TARUFFO, Michele. Idee per uma teoria della decisione giusta. Notiziario Giuridico. Disponível em: http://www.notiziariogiuridico.it/micheletaruffo.html. Acesso em 08 dez. 2020.

[19] CHIARLONI, Sergio. Giusto processo (Diritto Processuale Civile). Revista de Processo - RePro, Vol. 219, No. 38, 119-152, 2013. p. 126.

[20] GENTILI, Aurelio. Contraddittorio e giusta decisione nel processo civile. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. n. 2. p. 745-762. Milão: Giuffrè, jun. 2009. p. 748-749; mesmo trecho em GENTILI, Aurelio. Il Diritto come Discorso. Milão: Giuffrè Editore, 2013. p. 527.

[21] COMOGLIO, Luigi Paolo. Il “giusto processo” civile in Italia e in Europa. Revista de Processo - RePro, Vol. 29, No. 116, 97-158, 2004. p. 131.

[22] A expressão advém do conceito alemão Begriffshimmel, tornado famoso por Rudolf von Jhering na ocasião de uma crítica ao pandectismo do qual ele próprio, anos antes, teria sido representante, cf. JHERING, Rudolf von. Scherz und Ernst in der Jurisprudenz. 9. ed. Leipzig: Breitkopf & Härtel, 1904. p. 245 e segs. Sobre pandectismo e sua relação com a práxis jurídica, Cf. HAFERKAMP, Hans-Peter. Pandektistik und Gerichtspraxis. In: Quaderni Fiorentini per la Storia del Pensiero Giurico Moderno. Giudici e Giuristi. Il problema del Diritto Giurisprudenziale fra Otto e Novecento. Milão: Giuffrè Editore, 2011. p. 177-211. Tomo I.

[23] Trazendo a contribuições da Teoria da Ciência Jurídica (Rechtswissenschaftstheorie) alemã ao palco do Direito Processual brasileiro, ver DIETRICH, William G. Ciência Jurídica e garantismo processual - 1ª, 2ª e 3ª partes. Emporio do Direito, 2020. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/perfil/william-galle-dietrich. Acesso em 09 dez. 2020; para uma análise do texto original de inspiração, ver JESTAEDT, Matthias. Wissenschaftliches Recht - Rechtsdogmatik als gemeinsames Kommunikationsformat von Rechtswissenschaft und Rechtspraxis. In: KIRCHHOF, G.; MAGEN, S.; SCHNEIDER, K. (Hrsg.). Was weiß Dogmatik? Tübingen: Mohr Siebeck, 2012, pp. 117-137.

[24] Para uma explicação detalhada sobre a prática de compartilhamento de conceitos, ver POSCHER, Ralf. A mão de Midas: Quando conceitos se tornam jurídicos ou esvaziam o debate Hart-Dworkin. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito - RECHTD, v. 10, n. 1, 2-13, 2018. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/RECHTD/article/view/rechtd.2018.101.01/60746253.

[25] Para uma introdução a Metaética como um dos desdobramentos da Filosofia Analítica, cf. SCHWARTZ, Stephen P. A brief history of Analytic Philosophy: From Russel to Rawls. Chichester: Wiley-Blackwell, 2012. p. 264-298.

[26] Para uma introdução à Metaética, cf. MENDONÇA, Wilson. Questões metaéticas. In: BRUM TORRES, João Carlos (Org.). Manual de Ética: Questões de Ética teórica e aplicada. Petrópolis: Vozes, 2014. p. 153-172; relacionando Metaética com a Filosofia do Direito, ver FERREIRA NETO, Arthur M. Metaética e fundamentação do Direito. Porto Alegre: Elegantia Juris, 2015. p. 95-140; tangenciando aspectos metaéticos com o Direito Processual, ver DELFINO, Lúcio. O processo é um instrumento de justiça? (desvelando o projeto instrumentalista de poder). Emporio do Direito, 2019. Disponível em: http://www.luciodelfino.com.br/enviados/201951105546.pdf. Acesso em 09 dez. 2020.

[27] Cf. AYER, Alfred. J. Critique of Ethics and Theology. In: Language, truth and logic. Londres: Gollanz, 1946. p. 64; e STEVENSON, Charles L. The emotive meaning of ethical terms. Mind, v. 46, n. 181, 14-31, 1937.

[28] Defendendo que o projeto metaético repercute negativamente sobre questões éticas a ponto de dever ser completamente rejeitado, cf. DWORKIN, Ronald. Justice for hedgehogs. Cambridge: Harvard University Press, 2011. p. 68; objetando essa postura, cf. SHAFER-LANDAU, Russ. The possibility of Metaethics. Boston Law Review, v. 90, n. 2, 479-496, 2010.

[29] Porém, apesar da natureza teórica e descritiva da Metaética, suas questões tendem a surgir espontaneamente na prática. Essa naturalidade pode ser identificada nos diálogos platônicos. No Livro I de A República, a reivindicação de Polemarco de que ser um cidadão justo melhora nossa vida logo se transforma em uma intensa discussão metaética sobre a origem e natureza da justiça. Ver PLATÃO. Livro I. In: A República. Trad. de Maria Helena da Rocha Pereira. 7 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. p. 10 [331e].

[30] São mencionadas as três questões mais centrais no debate metaético, mas a elas se somam outras que dizem respeito à psicologia, fenomenologia, filosofia da mente e o conceito de objetividade. Ver MILLER, Alexander. Contemporary Metaethics: An introduction. 2. ed. Cambridge, Polity Press, 2013. p. 24.

[31] Para uma introdução à Ontologia, ver NEY, Alissa. Metaphysics: An introduction. Londres/Nova Iorque: Routledge, 2014. p. 30-59.

[32] QUINE, Willard v. O. On what there is. In: From a logical point of view. Cambridge: Harvard University Press, 1953. p. 1-19.

[33] Contrapondo-se à ontologia de Quine e Russell e defendendo a referência à objetos não-existentes, ver PARSONS, Terence. Referring to nonexistent Objects. In: JAEGWON, K.; SOSA, E. (Eds.). Metaphysics: An anthology. Oxford: Blackwell Publishing, 1999. p. 36-44.

[34] Assim como a ontologia pergunta sobre a existência de propriedades em geral, a ontologia moral pergunta sobre a existência de propriedades morais. Para algumas posturas metaéticas realistas proeminentes, cf. SHAFER-LANDAU, Russ. Moral realism: A defense. Oxford: Oxford University Press, 2003; ENOCH, David. Taking morality seriously: A defense of robust realism. Oxford: Oxford University Press, 2011; e BLOOMFIELD, Paul. Moral reality. Oxford: Oxford University Press, 2001. p. 25-55.

[35] Na Teoria do Direito de Ronald Dworkin, a figura de Hercules representa um jurista com capacidades sobre-humanas de aprendizado, paciência e julgamento. Ele é usado como modelo de decisão para os chamados “casos difíceis” nos quais até experts no assunto divergem sobre o que o Direito exige. Cf. DWORKIN, Ronald. Hard cases. In: Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1977. p. 105 e segs.

[36] Para introdução à Epistemologia, cf. PRITCHARD, Duncan. Epistemology. 2. ed. New York: Palgrave Macmillan, 2016. p. 3 e segs.; para introdução à Epistemologia Moral, cf. FISHER, Andrew. Metaethics: An Introduction. Durham: Acumen, 2011. p. 141-157. GETTIER, Edmund L. Is justified true belief knowledge? Analysis, Vol. 23, No. 6, 121-123, 1963.

[37] Uma tentativa de explicar o significado de conceitos valorativos em uma semântica correspondencial, cf. MOORE, Michael S. Can objectivity be grounded in semantics? In: VILLANUEVA, Enrique (Ed.). Law: Metaphysics, meaning, and objectivity. Nova Iorque/Amsterdam: Editions Rodopi, 2007. pp. 235-260.

[38] Exemplo clássico de emotivismo, ver STEVENSON, Charles L. Facts and values: Studies in ethical analysis. New Haven/Londres: Yale University Press, 1963; de expressivismo, ver GIBBARD, Allan. Thinking how to live. Cambridge: Harvard University Press, 2003.

[39] Cf. SCHROETER, L.; SCHROETER, F. A third way in Metaethics. NOÛS, v. 43, n. 1, 1-30, 2009.

[40] Id. ibid. p. 1.

 

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