#65 - Arbitramento judicial da verba honorária sucumbencial e critério de equidade: o eterno retorno!

08/06/2020

Coluna Garantismo Processual / Coordenadores Eduardo José da Fonseca Costa e Antonio Carvalho

 

 

 

 

Em data não muito distante, quando se percebeu ter havido um mero transplante, para a versão originária do então Projeto do Novo CPC, das regras previstas nos (atualmente) revogados arts. 127 e 1.109 do CPC/1973, ressurgiu no cenário jurídico-processual o debate acerca do tema jurisdição por equidade. Merecido destaque, aliás, deve ser tributado a Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, que fez chegar ao Congresso Nacional inúmeras sugestões técnico-doutrinárias para o aperfeiçoamento do futuro Código, entre as quais a defesa contundente da supressão da equidade como critério de julgamento.[1]

Embora modesto o resultado geral alcançado,[2] impossível negar o avanço no que concerne ao regime normativo implementado para o arbitramento da verba honorária sucumbencial, sendo relevante que o manejo da via equitativa está hoje autorizado apenas para as causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico e, ainda, quando muito baixo o valor da causa (CPC/2015, art. 85, §8o).[3] Impressiona a eloquência normativa: o CPC/2015 constrangeu juízes e tribunais a não remunerarem advogados em valores aviltantes,[4] uma vitória assaz merecida em favor desses profissionais cuja atividade (a Advocacia), além de indispensável à administração da justiça (CF/88, art. 133), constitui-se em importantíssima garantia contrajurisdicional em prol das liberdades dos cidadãos.[5]

Entretanto, há uma sombra crescente que coloca sob ameaça o ganho legislativo e suas implicações positivas. Parcela dos ministros do Superior Tribunal de Justiça vem resistindo ferrenhamente ao entendimento que ali mesmo se formou após a publicação do CPC/2015, dedicando esforços para revitalizar o critério da equidade e estendê-lo a circunstâncias alheias à previsão legal.[6] Tudo indica que o escopo, embora não alardeado explicitamente, é a criação (por meio da performance judicial) de novos suportes fáticos a serem acoplados ao §8o do art. 85 do Código de Procedimentos Civis. A prevalecer o posicionamento, ter-se-á uma “regra” mais abrangente, talvez trazendo os seguintes contornos: “Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico, quando muito baixo o valor da causa, ou ainda se excessivos o valor da condenação, o proveito econômico e mesmo o valor da causa, o juiz fixará os honorários sucumbenciais por apreciação equitativa, observando-se o disposto nos incisos do §2o”.

É claro que nenhum órgão judiciário está autorizado a tanto. Afinal de contas, se não é inestimável ou irrisório o proveito econômico, ou ainda não sendo muito baixo o valor da causa, simplesmente inexiste espaço para se aplicar o §8o do art. 85 – irretorquível, diga-se em tom elogioso, o voto do Ministro Raul Araújo ao pontuar que a “aplicação da norma subsidiária do art. 85, §8o, verdadeiro “soldado de reserva”, (...) somente será cogitada na ausência de qualquer das hipóteses do §2o do mesmo dispositivo”.[7] Essa obviedade, a propósito, pode ser explicada de várias maneiras: i) o fato (= excessividade do valor da condenação, do proveito econômico ou do valor da causa) não se ajusta (= enquadramento) à regra (CPC/2015, art. 85, §8o); ii) não há subsunção do fato (= excessividade do valor da condenação, do proveito econômico ou do valor da causa) à regra em abstrato (CPC/2015, art. 85, §8o); iii) o fato (= excessividade do valor da condenação, do proveito econômico ou do valor da causa) não tem potencialidade para fazer incidir a regra (CPC/2015, art. 85, §8o); iv) a “interpretação” (= utilização do critério da equidade quando excessivos o valor da condenação, o proveito econômico e mesmo o valor da causa) extrapola os limites sintáticos e semânticos da regra interpretada (CPC/2015, art. 85, §8o); v) a regra (CPC/2015, art. 85, §8o) indica perfeitamente quando empregar o critério de equidade, não havendo nela contradição ou obscuridade, tampouco abertura (= densidade normativa) que justifique a concretização volitiva por intermédio da discricionariedade judicial.

Noutras palavras, não sendo inestimável[8] ou irrisório o proveito econômico, nem muito baixo o valor da causa, a legalidade impele o julgador a utilizar-se dos critérios objetivos prescritos, ou no §2o, ou no §3o, ambos do art. 85 do CPC/2015, a depender ou não da presença da Fazenda Pública como parte no feito. Não há margem legal para escapar dessa interpretação, e quem assim o faz, mormente juízes e tribunais, coloca-se em posição de superior importância à legislatura, a ponto de franquear perigoso acesso à uma janela de subjetividade, dando vazão à prevalência dos próprios juízos e preferências valorativos, daquilo que em seu íntimo crê por “justo” e “adequado”, sobre as regras gerais produzidas via processo legislativo constitucional.

Pois os julgados que adotam o posicionamento aqui hostilizado têm desprezado a racionalidade legislativa – substituem objetividade legal por discricionariedade judicial; e, habitualmente, isso tem ocorrido ao largo de indicações de uma e outra ressalvas de inconstitucionalidade (ou de caducidade,  revogação, não recepção, interpretação conforme à Constituição, nulidade parcial sem redução de texto, inconstitucionalidade com redução parcial de texto, invocação de norma jurídica implícita pré-excludente da aplicação da lei),[9] escorando-se em tergiversações bastante conhecidas pelos estudiosos devotados ao combate do ativismo judicial: demasiado amor ao formalismo; apego excessivo à literalidade das regras; impossibilidade de reduzir à insignificância o poder judicial de alterar ou adaptar as determinações contidas em leis escritas; risco de retorno ao direito antigo, quando era praticamente zero a alternativa de o julgador interpretar as leis e buscar a sua adequação factual; inaceitabilidade de regulamentos incapazes de incorporar ou absorver todos os dados da realidade; princípio da justiça do caso concreto; o julgador não está refém da regra legislada, podendo recorrer, com responsabilidade, ao critério da ponderação fundamentada para resolver questões difíceis.[10]

Em miúdos, um e outros ministros que compõem o Superior Tribunal de Justiça insistem em uma empresa contra legem, não interpretam e sim enjeitam, a partir de argumentos extrajurídicos, o direito objetivo. Um tipo de postura judicial crítica, que conquanto tenha em mira as (supostas) “injustiças da lei”, acaba por solapar violentamente direitos subjetivos, isto é, faz desaparecer, num exercício de prestidigitação retórica, posições de vantagem conquistadas por advogados em razão da incidência de regras existentes, válidas e eficazes (CPC/2015, art. 85, §§2o e 3o).[11]

Mais: tem-se nisso a revelação de certo desamor nutrido pelas autoridades judiciais quanto ao debate parlamentar, este último responsável por estabelecer propositadamente restrições sensíveis ao uso da equidade como critério para fixação da verba honorária, verdadeira salvaguarda contra a remuneração advocatícia desonrosa.[12] Uma atitude descomedida, que usurpa competência do Congresso Nacional, marginaliza a cláusula da separação de poderes, despreza o direito dos cidadãos de se autogovernarem e leva a cabo a edificação de uma “regra” cujas feições são distintas da original, não desejada, não debatida e não elaborada por aqueles, deputados e senadores, eleitos democraticamente pelo povo.

Há um acórdão, também proveniente do Superior Tribunal de Justiça, que merece atenção e enfrentamento particularizados porque foi além, ou seja, trouxe novos fundamentos na tentativa de justificar a resistência ao direito posto. Segue abaixo o trecho do voto de relatoria que interessa ao debate:

“É possível constatar, de plano, que a adoção da equidade como parâmetro para estabelecer a verba honorária foi mantida no novo Código de Processo Civil. No regime do CPC/1973, o arbitramento dos honorários advocatícios devidos pelos entes públicos era feito sempre com base no critério equitativo (art. 20, §4o), tendo sido consolidado o entendimento jurisprudencial de que o órgão julgador não estava adstrito ao piso de 10%, estabelecido no art. 20, §3o, do CPC/1973. A leitura do caput e parágrafos do art. 85 do CPC/2015 revela que, atualmente, o órgão julgador arbitrará a verba honorária atento às seguintes circunstâncias: a) verificação da liquidez ou não da sentença: na primeira hipótese, o juiz passará a fixar, imediatamente, os honorários conforme os critérios do art. 85, §3o, do CPC/2015; caso ilíquida, a definição do percentual a ser aplicado somente ocorrerá após a liquidação da sentença; b) a base de cálculo dos honorários é o valor da condenação ou o proveito econômico; em caráter residual, isto é, quando inexistente condenação, ou o proveito econômico não for passível de mensuração, a base de cálculo corresponderá ao valor atualizado da causa; c) segundo disposição expressa no §6o, os limites e critérios do §3o serão observados independentemente do conteúdo da decisão judicial (podem ser aplicados até mesmo nos casos de sentença sem resolução de mérito ou de improcedência); e d) o juízo puramente equitativo para arbitramento da verba honorária – ou seja, desvinculado dos critérios acima – supostamente estaria reservado para situações em que o proveito econômico se revelar “inestimável” (porque inexistente, seja por outro motivo qualquer) ou “irrisório”, ou quando o valor da causa se revelar “muito baixo”. Não obstante a disciplina legal acima referida, a regra do art. 85, §3o, do atual CPC – como qualquer norma, reconheça-se – não comporta interpretação exclusivamente pelo método literal. Por mais claro que possa parecer o seu conteúdo, é juridicamente vedada a utilização de técnica hermenêutica que posicione a norma inserta em dispositivo legal em situação de desarmonia com a integridade do ordenamento jurídico. Dessa forma, a regra do art. 85, §8o, do CPC/2015 deve ser interpretada de acordo com a reiterada jurisprudência do STJ, que havia consolidado o entendimento de que o juízo equitativo é aplicável tanto na hipótese em que a verba honorária se revela ínfima como excessiva, à luz dos parâmetros do art. 20, §3o, do CPC/1973 (atual art. 85, §2o, CPC/2015). Conforme bem a apreendido no acórdão hostilizado, justifica-se a incidência do juízo equitativo tanto na hipótese do valor inestimável ou irrisório, de um lado, como no caso da quantia exorbitante, de outro. Isso porque, observo, o princípio da boa-fé processual deve ser adotado não somente como vetor na aplicação das normas processuais, pela autoridade judicial, como também no próprio processo de criação das leis processuais, pelo legislador, evitando-se, assim, que este último utilize o poder de criar normas com a finalidade, deliberada ou não, de superar a orientação jurisprudencial que se consolidou a respeito de determinado tema. A linha de raciocínio acima, diga-se de passagem, é a única que confere efetividade aos princípios constitucionais da independência dos poderes e da isonomia entre as partes – com efeito, é totalmente absurdo conceber que somente a parte exequente tenha de suportar a majoração dos honorários, quando a base de cálculo dessa verba se revelar ínfima. Não existe, em contrapartida, semelhante raciocínio na hipótese em que a verba honorária se mostrar excessiva, isto é, gritantemente injustificável à luz da complexidade e relevância da matéria controvertida, bem como do trabalho realizado pelo advogado. Aliás, a prevalecer o indevido entendimento de que, no regime do novo CPC, o juízo equitativo somente pode ser utilizado contra uma das partes, ou seja, para majorar honorários irrisórios, o próprio termo “equitativo” será em si mesmo contraditório. Por fim, acrescento que qualquer exegese que resulte no reconhecimento de que o juízo de equidade somente deve ser utilizado para majorar os honorários advocatícios – quando inexistir condenação ou benefício econômico (ou estes não forem mensuráveis) ou o valor da causa se revelar ínfimo –, ofenderá, além dos princípios constitucionais acima referidos (independência dos Poderes e isonomia processual), a integralidade do ordenamento jurídico pátrio, viabilizando a abertura de precedentes que consagrarão enriquecimento ilícito dos causídicos.”[13]

Na sequência, ponto por ponto, as considerações críticas que merecem ser contrapostas às razões do acórdão: 

  • O descontentamento em relação ao conteúdo imprimido à lei explica a ojeriza pela interpretação literal (= gramatical) nutrida por setores (majoritários) do Judiciário e da doutrina. Afinal, trata-se de método bastante restritivo, que amarra o intérprete e impede rebeldias decisórias. Daí por que não raro enxovalha-se o primeiro, desidratando-o e desqualificando-o, para justificar a desobediência da ordem jurídica. No entanto, a verdade (incômoda para alguns) é que o texto legal, goste-se ou não, refere-se a algo real e autêntico, está lá, positivado do jeito que está, fora do intérprete e apesar dele.
  • Rotineiramente, desdenha o método literal quem, a pretexto de interpretar, deseja fazer política pela via jurisdicional ou doutrinária. Há importantes doutrinadores (uma minoria que precisa ser ouvida) alertando para o fato de que não deve o aplicador (tampouco o doutrinador) tornar-se protagonista no lugar do legislador em defesa de um subjetivismo desejado, que afasta o texto legislativo e seu conteúdo semântico (= interpretação objetivamente correta) para atender aquilo que ele e a sociedade (na visão pessoalizada dele) consideram “adequado”.[14] Aqueles que assim pensam, atentos à própria pretensão e estrutura do direito, sabem bem que o método gramatical tem imperiosa relevância no tracejo do limite da interpretação cognitiva de uma norma, na identificação da moldura dentro da qual a concretização pode materializar-se sem a distorção do texto normativo.[15]
  • Normas com alta densidade (= baixa porosidade) permitem aplicação mais fácil e, as vezes, até mecânica. É o que ocorre, numa variedade de casos, com as regras previstas no art. 85 (incluídos todos os seus parágrafos e incisos), pois elaboradas com cuidado redobrado justamente para minimizar dúvidas e alternativas.
  • Indiscutivelmente, é preciso atenção para que o resultado interpretativo mantenha-se em harmonia com a integralidade do ordenamento jurídico. Aqui algumas premissas são necessárias para não se chegar a conclusões truncadas: i) “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (CF/88, art. 5o, II); ii) só a Constituição pode atribuir característica de lei a preceitos abstratos e gerais, os quais terão, por isso mesmo, aptidão para vincular a todos;[16] e iii) o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça são tribunais que decidem casos concretos, resolvem lides objetivas e subjetivas (CF/88, arts. 102 e 105), de sorte que não têm por papel legislar (= não são tribunais de teses)[17] – excetua-se, por exemplo, o mecanismo de produção de súmulas vinculantes, haja vista expressa previsão constitucional (CF/88, 103-A). O raciocínio exarado no julgado comete o pecado mortal de conferir às decisões judiciais natureza de fonte primária de direito, ou seja, trata como se tivesse força de lei orientação jurisprudencial consolidada (quando vigente o CPC/1973) a respeito do tema verba honorária. E a partir desse (estranho) “empréstimo” do status de lei às suas próprias decisões, bastou um passo bem miúdo para que o Superior Tribunal de Justiça concluísse pela existência de uma “situação de desarmonia com a integralidade do ordenamento jurídico”.
  • Outro equívoco é advogar que o legislador estaria obrigado, frente ao princípio da boa-fé processual, a abster-se de utilizar o poder de criar normas quando já existente orientação jurisprudencial consolidada (= obrigação de não fazer endereçada ao legislador). Algo grave, não apenas porque demonstra miopia sobre as fontes primárias de direito e os procedimentos competentes para criá-las, mas também por se tratar de ponto de vista absurdamente antidemocrático. É aquele desamor pela legislatura já tratado linhas atrás, aqui estampado de modo explícito, com um tribunal superior exortando que à legalidade deve-se preferir um amontoado coerente de decisões judiciais.
  • Causa assombro a notoriedade atribuída pelo julgado à boa-fé processual, fazendo dela espécie “turbinada” de sobrenorma a ser adotada não só como vetor de aplicação das normas, mas igualmente pelo legislador, “no próprio processo de criação das leis processuais”, a fim de evitar a superação de orientação jurisprudencial consolidada. Talvez haja nisso alguma responsabilidade do legislador infraconstitucional, que (equivocada e generosamente) laureou a boa-fé processual com a fundamentalidade inerente às garantias constitucionais – tanto assim que o CPC/2015 a prevê entre as chamadas “Normas Fundamentais do Processo Civil”. Deu-se à boa-fé processual, afinal de contas, mais importância do que ela de fato merece... Indo ao ponto: a leitura da redação atribuída ao dispositivo aludido é mais que suficiente para demonstrar o exagero em que incidiu o acórdão ao sugerir que a boa-fé processual tem aplicação para além do procedimento jurisdicional (“Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”; CPC/2015, art. 5o).
  • Não há, como sugere o voto de relatoria, malferimento à independência dos Poderes na atuação de parlamentares que legislam em oposição à jurisprudência firme. Nada impede que deputados e senadores – muito pelo contrário, aliás – insurjam-se contra os rumos assumidos por orientações de tribunais para construir leis que melhor atendam os interesses daqueles que democraticamente os elegeram. Ao que parece, de quando em vez esquece-se o que há de mais elementar: juízes são agentes políticos, servem e representam o povo, devendo abster-se da soberba e deixar-se iluminar pela luz da humildade, mantendo em mente a ideia nuclear de que a legitimidade dos atos jurisdicionais que praticam exige deles uma “fidelidade canina à Constituição e às leis”.[18]
  • Configura malferimento à independência dos Poderes, isto sim, àquilo que se lê e está atestado pelo julgado. O Superior Tribunal de Justiça decidiu que a única maneira de conferir efetividade a princípios constitucionais (independência dos Poderes e isonomia entre as partes) é adotando a linha de raciocínio de que o juízo de equidade deve incidir também quando exorbitantes o valor da condenação, o proveito econômico ou o valor da causa. A rigor, tem-se aí um juízo de inconstitucionalidade, alcançado ao arrepio da reserva de plenário (CF/88, art. 97 e Súmula Vinculante 10),[19] em que o tribunal, de um lado, negou aplicação à criteriologia normativa de arbitramento da verba honorária prevista no §3o e incisos do art. 85, e, de outro, fez uso (equivocado) do que tecnicamente se denomina efeito aditivo para reescrever o §8o do mesmo art. 85. Irrefragavelmente, o Superior Tribunal de Justiça legislou.

Uma constatação final: até o momento o Superior Tribunal de Justiça não se atentou para os efeitos iatrogênicos, assaz preocupantes, oriundos desse “estilo vanguardeiro” de decidir. Se juízes e tribunais insistem em assumir posturas progressistas e até revolucionárias, arrogando para si papel que não lhes compete, isto é, se deixam de reconhecer que o palco legislativo é o adequado e legítimo para debater amplamente a criação e ou revogação de regramentos gerais e abstratos, preferindo arregaçar as mangas e eliminar as “injustiças da lei”, é de se esperar deles, no mínimo, até por coerência e responsabilidade política, alguma accountability acerca dos impactos negativos das decisões que seguem a linha aqui atacada.[20]

O Supremo Tribunal Federal foi acionado em ação declaratória de constitucionalidade para afastar, de uma vez por todas, a incerteza que paira sobre o art. 85, §§ 3o, 5o e 8o do CPC/2015 (ADC 71). Mais um capítulo, enfim, da eterna “queda de braço” entre ímpeto jurisdicionalista criativo e dignidade da legislação, duas conhecidas figuras que cotidianamente enfrentam-se no Brasil em torno de uma multiplicidade de temas.

 

Notas e Referências

[1] Em interessante artigo o autor apresenta um apanhado de todas as sugestões que fez chegar à Câmara dos Deputados: CARVALHO DIAS, Ronaldo Brêtas de. Projeto do novo Código de Processo Civil aprovado pelo Senado – exame técnico e constitucional. In: O futuro do processo civil – uma análise crítica ao Projeto do novo CPC. Organização: ROSSI, Fernando; RAMOS, Glauco Gumerato; GUEDES, Jefferson Carús; DELFINO, Lúcio; RIBEIRO MOURÃO, Luiz Eduardo. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011. p. 551-566.

[2] É de se destacar o empenho em dar solução ao problema da jurisdição por equidade da então comissão de juristas (Paulo Henrique dos Santos Lucon, Alexandre Freitas Câmara, Arruda Alvim, Dorival Pavan, Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Luiz Henrique Volpe Camargo, Marcos Destefenni e Sérgio Murtib), que prestou auxílio técnico à Câmara dos Deputados quando estava sendo gestado o atual Código de Processo Civil. Tanto assim que o chamado “Relatório Paulo Teixeira” trouxe avanços ao propor a supressão do texto previsto no art. 120 do “substitutivo”, originado do Senado Federal, que autorizava juízes a decidir por equidade nos casos previstos em lei. Ao fim e ao cabo, porém, os parlamentares optaram pela manutenção das regras admitindo a utilização da equidade em dadas circunstâncias.

[3] Que fique claro: a equidade é sempre um critério questionável por ser arbitrário e excepcionar a legalidade (CF/88, art. 5o, II – “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”). Recorde-se, aliás, a clássica lição de Pontes de Miranda: “A rigor, equidade é apenas palavra-válvula, com que se dá entrada a todos os elementos intelectuais ou sentimentais que não caibam nos conceitos primaciais dos métodos de interpretação. Para que se atenue a rigidez exegética, a prática e os legisladores têm recorrido a essa noção ambígua, se não equívoca, com que se manda tratar com igualdade sem se definir de que igualdade se trata, nem se dizerem os seus começos e os seus limites. No fundo, a vantagem, se vantagem realmente há, de tal expressão, em povos estranhos à tradição do nosso direito, tem sido semelhante à de todas as outras expressões vagas. A vaguidade serve sempre quando se quer o arbítrio, ou quando se pretende deixar a alguém determinar a norma, sem se confessar que se quis o arbítrio, ou que se deu a alguém esse poder.” (MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. I. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1947. p. 412-413).

[4] STRECK, Lenio Luiz; DELFINO, Lúcio. Arbitramento de honorários sucumbenciais em casos de improcedência. Consultor Jurídico. 10/10/2016. Disponível: .

[5] Nas palavras de Eduardo José da Fonseca Costa, “a advocacia é uma garantia de liberdade contrajurisdicional, isto é, uma barreira de contenção anti-arbitrária aos juízes. A representação da parte por um letrado legalmente habilitado permite que os atos do juiz sofram fiscalização técnica e, se errôneos, sejam impugnados. Portanto, onde se debilita a advocacia, ali a magistratura tende a perder-se. Pois que, onde a garantia falha, ali se abrem brechas a desgovernos. Daí a necessidade de se vigiarem incansavelmente as prerrogativas dos advogados (EOAB, artigo 7o), sem as quais a garantia se despotencia numa quase inutilidade. No dizer de Izio Masetti, “advogado sem prerrogativas é a mesma coisa que um soldado sem o fuzil.” Elas são a condição mínima de garanticidade da advocacia. Arranhadas, mais do que se vilipendiar o advogado, vulnera-se o jurisdicionado. Como bem pontuava Franco Cipriani, «[...] tutte le limitazioni che si pongono all’opera processuale degli avvocati si ritorcono contro i cittadini». (FONSECA COSTA, Eduardo José. A advocacia como garantia de liberdade dos jurisdicionados. Empório do Direito. 09/05/2018. Disponível: .

[6] É o que se verifica, por exemplo, nos seguintes julgados: REsp 1.771.147/SP, Primeira Turma, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgamento: 25/09/2019, disponível: ; REsp 1.789.913/DF, Segunda Turma, rel. Min. Herman Benjamin, julgamento: 11/03/2019, disponível: ; AgInt no AREsp 1.487.778/SP, Segunda Turma, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgamento: 26/09/2019, disponível: ; REsp 1.864.345/SP, Primeira Turma, rel. Min. Benedito Gonçalves, julgamento: 17/03/2020, disponível: .

[7] Confira-se todo o fragmento desse voto certeiro e muito bem elaborado pelo Min. Raul Araújo: "Logo, em face de redação tão expressiva, a conclusão lógica é a de que o §2o do art. 85 do CPC de 2015 veicula a regra geral e obrigatória de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de 10% a 20%: (I) do valor da condenação; ou (II) do proveito econômico obtido: ou (III) não sendo possível mensurá-lo, do valor atualizado da causa. Nessa ordem de ideias, o Código de Processo Civil relegou ao §8o do art. 85 a instituição de regra excepcional, de aplicação subsidiaria, para as hipóteses em que, havendo ou não condenação: (I) for inestimável ou irrisório o proveito econômico obtido; ou (II) for muito baixo o valor da causa. Assim, em regra: a) os honorários devem ser fixados com base no valor da condenação; b) não havendo condenação ou não sendo possível valer-se da condenação, utiliza-se (b.1) o proveito econômico obtido pelo vencedor ou, como última hipótese, (b.2) recorre-se ao valor da causa. A aplicação da norma subsidiária do art. 85, §8o, verdadeiro "soldado de reserva", como classificam alguns, somente será́ cogitada na ausência de qualquer das hipóteses do §2o do mesmo dispositivo. Assim, a incidência, pela ordem, de uma das hipóteses do art. 85, §2o, impede que o julgador prossiga com sua análise a fim de investigar eventual enquadramento no §8o do mesmo dispositivo, porque a subsunção da norma ao fato já́ se terá́ esgotado.” (REsp 1.746.072-PR, Segunda Seção, rel. Min. Nancy Andrighi, julgamento: 13/02/2019, disponível: ).

[8] Não é correto correlacionar a palavra “inestimável” com o que “tem enorme valor”, tentando-se assim atribuir a ela significado de algo mensurável economicamente. Ensina Francisco Fernandes que “inestimável” é sinônimo de inapreciável, incalculável, impagável, valioso“A inestimável honra que sua Majestade da Suécia se dignava fazer-me” (Vieira).” (FERNANDES, Francisco. Dicionário de sinônimos e antônimos. 10 e. São Paulo: Editora Globo, 1955. p. 527). Ora, aquilo que é calculável ou avaliável, que tem “enorme valor”, é certamente estimável. De resto, em seu voto memorável o Min. Raul Araújo, escorado em seguro ensinamento de Plácido e Silva, demonstra cabalmente o que de fato significa “inestimável”, apontando o equívoco de se utilizar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como maneira de superar a clareza normativa – conferir: REsp 1.746.072-PR, Segunda Seção, rel. Min. Nancy Andrighi, julgamento: 13/02/2019, disponível: .

[9] A lição é de Eduardo José da Fonseca Costa: “(...) a parte pode acionar ou excepcionar contra texto expresso de lei ou de dispositivo de lei mediante as ressalvas de inconstitucionalidade, caducidade, revogação, não recepção (revogação de lei pré-constitucional por incompatibilidade com a nova Constituição), interpretação conforme a Constituição, nulidade parcial sem redução de texto e inconstitucionalidade com redução parcial de texto. Outra ressalva possível é a invocação de norma implícita pré-excludente da aplicação da lei [ex.: insignificância como excludente supralegal de tipicidade no direito penal] (...). Como se percebe, trata-se de situações nas quais se deixa de aplicar uma norma legal por força de outra norma editada por vontade humana. Nesse sentido, as ressalvas supracitadas operam em quadrantes positivistas por excelência.” (FONSECA COSTA, Eduardo José. Processo: garantia de liberdade [freedom] e garantia de «liberdade» [liberty]. Empório do Direito. 21/08/2018. Disponível: ).

[10] Nesse sentido: STJ, REsp 1.771.147-SP, Primeira Turma, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgamento: 05/09/2019, disponível em: <www.stj.jus.br> (semelhante orientação: REsp 1.864.345-SP, Primeira Turma, rel. Min. Benedito Gonçalves, julgamento: 17/03/2020, disponível em: <www.stj.jus.br>).

[11] É pertinente a lição de José da Silva Pacheco: “Direito objetivo é sistema lógico de regras jurídicas. O direito subjetivo é a posição de vantagem originada da incidência da regra, vista do lado do titular ou dos sujeitos. É efeito do fato jurídico. Toda posição jurídica que a incidência beneficia, em caráter individual, tornando a vantagem precisa e localizada constitui direito subjetivo. De fato jurídico, sobre o qual incide a regra, dimana, em favor de alguém (titular da vantagem), o direito específico, individuado e localizado, de usar e gozar da vantagem dessa posição. Pode inovar o uso o gozo dessa posição, dessa vantagem, do beneficio decorrente do fato jurídico (direito subjetivo). Ao poder jurídico de exigir a satisfação dessa vantagem, dá-se o nome de pretensão e à atividade do titular para obter a vantagem, caso haja qualquer infração, dá-se o nome de ação. Direitos subjetivo, pretensão, ação são conceitos derivados do fato jurídico, sobre o qual incidiu regra jurídica (direito objetivo). (…).” (PACHECO, José da Silva. O atentado no processo civil. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1958. p. 15).

[12] Como mostra Jeremy Waldron, “construímos (...) um retrato idealizado do julgar e o emolduramos junto com o retrato de má fama do legislar. (...) Como seria construir um retrato róseo das legislaturas, que correspondesse, na sua normatividade, talvez na sua ingenuidade, e, certamente na sua qualidade de aspiração, ao retrato dos tribunais – “o fórum do princípio”, etc. – que apresentamos nos momentos mais elevados da nossa jurisprudência constitucional?” Em outra passagem, o jurista explica: “As pessoas convenceram-se de que há algo indecoroso em um sistema no qual uma legislatura eleita, dominada por partidos políticos e tomando suas decisões com base no governo da maioria, tem a palavra final em questões de direito e princípios. Parece que tal fórum é considerado indigno das questões mais graves e mais sérias dos direitos humanos que uma sociedade moderna enfrenta. O pensamento parece ser que os tribunais, com suas perucas e cerimônias, seus volumes encadernados em couro e seu relativo isolamento ante a política partidária, sejam um local mais adequado para solucionar questões desse caráter.” (WALDRON, Jeremy. A dignidade da legislação. São Paulo: Martins Fontes, 2003. pp. 02-05).

[13] REsp 1.789.913/DF, Segunda Turma, rel. Min. Herman Benjamin, julgamento (por unanimidade): 12/02/2019, disponível em: <www.stj.jus.br>.

[14] DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico. Teoria da validade e da interpretação do direito. 2a ed. Curitiba: Livraria do Advogado Editora, 2018. Pp. 151-153.

[15] DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico. Teoria da validade e da interpretação do direito. 2a ed. Curitiba: Livraria do Advogado Editora, 2018. Pp. 151-153.

[16] JUNIOR, Nelson Nery; ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil Comentado. 17a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 2052.

[17] JUNIOR, Nelson Nery; ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil Comentado. 17a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 2052. Sugere-se, em reforço, a consulta do excelente artigo: ROSSI, Júlio Cesar. A interpretação do direito é monopólio das cortes supremas? Empório do Direito. 04/05/2020. Disponível: .

[18] A lição é de Eduardo José da Fonseca Costa: “(...) para se abarcar o ofício dos juízes e tribunais no conceito de democracia, é preciso redefini-la em termos mais realistas. Não é possível mais a definição tradicional de democracia como o sistema das normas gerais e abstratas que são criadas pelo povo ou por representantes por ele eleitos. Na verdade, ela é «apenas» um sistema de poder - não circunscrito ao âmbito legislativo - exercido em nome do povo. Extraordinariamente, o poder é exercido de maneira direta pelo próprio povo; ordinariamente, o poder é exercido de maneira indireta por meio de representantes, dos quais só alguns são eleitos (cf. TROPER, Michel. Le Pouvoir Judiciaire et la Démocratie. <https://ejls.eui.eu/wp-content/uploads/sites/32/pdfs/Autumn_Winter2007/Le_Pouvoir_Judiciaire_et_la_Démocratie_%20Michel_Troper_.pdf>: «[...] a démocratie [...] n’est plus ni un système d’autonomie, ni le pouvoir exercé par le peuple à travers des représentants élus, mais seulement un pouvoir exercé au nom du peuple par des représentants dont certains seulement sont élus»). A DEMOCRACIA JURIDICAMENTE POSITIVADA nada mais é do que isso. Em outros termos: a democracia é uma categoria jurídico-positiva definida pela Constituição, não uma fórmula política supranacional. Gostem ou não alguns juristas criativos de soluções mirabolantes, que têm no democratismo igualitário radical um superprincípio suprapositivo capaz de desautorizar o próprio texto constitucional, como se a democracia não fosse da Constituição, mas apesar dela. Ora, a um só tempo, o sistema brasileiro de direito constitucional positivo vigente introduz o princípio democrático e atenua-o a circunstâncias particulares do País (o que demonstra, dentro outras coisas, que o controle de constitucionalidade é menos um instrumento da democracia que um limite a ela). Nesse sentido, a democracia - tal como plasmada nas constituições em geral e na constituição brasileira em particular - não é «o» ideal político-abstrato da democracia teórica. Afinal, o subsistema constitucional jurisdicional contém um quid ineliminável (quase um «mal necessário») de ARISTOCRATICIDADE. Não obstante, esse quid impede a degradação do Judiciário por um «despotismo eleitoreiro». Evita que juízes e tribunais se desvistam da imparcialidade e da independência e, em lugar de aplicarem corretamente o direito positivo, se curvem à pressão e à opinião imponderada de seus eleitores. Nesse sentido, juízes e tribunais são representantes populares não eleitos, escolhidos não pela vontade popular, mas por aprovação em concurso ou nomeação política. Isso faz do sistema constitucional como um todo, se não propriamente um sistema misto, ao menos em sua gênese um «sistema democrático não-puro» ou um «sistema democrático com algum resquício aristocrático». Assim, o Poder Judiciário padece do «pecado original da aristocraticidade crônica». Uma vez instituído pela CF/1988, ele já nasce sob e em privação primordial de democraticidade. Daí a necessidade de uma «compensação», que se faz exigindo-se de juízes e tribunais - seja no julgar, seja no proceder - uma FIDELIDADE CANINA À CONSTITUIÇÃO E ÀS LEIS. Para que o País se constitua num pleno Estado Democrático de Direito (CF/1988, art. 1º, caput), é preciso que os seus juízes e tribunais adotem uma ortodoxia constitucional e legal antidiscricionária (o que já seria bastante, por exemplo, para expulsar do sistema o «julgamento por equidade», que não passa de um resto inconstitucional de detrito medieval). Faltando-lhes democraticidade constitutiva, extraem-na apenas dos textos preexistentes de direito positivo aprovados pelos representantes eleitos democraticamente pelo povo (cf. DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Legitimidade dos atos jurisdicionais no Estado Democrático de Direito. VirtuaJus. Belo Horizonte. v. 13. n. 1. 1º sem.-2017, p. 17: «[...] a legitimidade democrática dos atos praticados pelos órgãos competentes ao exercício da função jurisdicional prestada pelo Estado exige assentamento rigoroso nas normas emanadas da vontade popular, debatidas, votadas e aprovadas pelos representantes das pessoas do povo no parlamento, as quais devem fiscalizá-lo, normas tais que compõem o ordenamento jurídico vigente, após sancionadas pelos governantes eleitos». V., ainda, ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 112-114). Noutras palavras: o Poder Judiciário não ganha democraticidade diretamente de seu modo de composição [legitimidade estrutural], mas indiretamente de seu modo de atuação [legitimidade funcional]. Enfim, «compensa» a sua aristocraticidade organizativa com a democraticidade da Constituição e das leis, que aplica à risca. Frise-se: com a democraticidade da lex populi emitida pelo Poder Legislativo, não da vox populi emitida pelas ruas.” (FONSECA COSTA, Eduardo José da. O Poder Judiciário diante da soberania popular: o impasse entre a democracia e a aristocracia. Empório do Direito. 13/02/2019. Disponível: ).

[19] Súmula Vinculante 10: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF/88, art. 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”

[20] Daí o alerta de Daniel Penteado de Castro no sentido de que a interpretação feita na contramão da inteligência do art. 85 do CPC/2015 é limitada porque deixa de considerar as seguintes questões: i) “a condenação da verba sucumbencial constitui ônus financeiro do processo, a desestimular a litigância informada por pedidos dotados de valores exorbitantes, sabedor o autor da demanda (ou o réu, que resiste indevidamente à pretensão autoral) que eventual sucumbência há de incidir em percentual sobre a soma financeira de tais pedidos ou o valor da causa, a se materializar, em respeito à boa-fé e cooperação, a formulação de pedidos responsáveis e alinhados com a medida daquilo que o autor efetivamente acredita que tem razão”; ii) “demandas cujos valores envolvidos soam exorbitantes podem por vezes ser resolvidas mediante meios alternativos de autocomposição, porquanto os litigantes, cientes de que eventual verba sucumbencial proporcional aos valores em disputa será alta, por meio de composições mútuas, podem chegar a um denominador comum em acordo que evitará o litígio judicial e risco de incidência de elevada verba honorária advocatícia sucumbencial”; iii) “a verba honorária sucumbencial fixada em parâmetros elevados (em verdade, cumprindo-se a regra do art. 85, §2o, CPC/2015), também desestimula a recorribilidade protelatória, porquanto sobre referida verba arbitrada, na eventualidade de manutenção da decisão impugnada, há de ser majorados os honorários sucumbenciais (art. 85, §11o, do CPC/2015)”; iv) “sob tal prisma, atinge-se um dos desideratos do CPC/2015, voltado a desestimular (...) ações e a interposição desenfreada de recursos (ou a cultura de se recorrer sempre)”; v) “o subjetivismo do julgador, (…) cambiante para se subsumir que a verba honorária advocatícia seria excessiva (que varia ano tempo, espaço e cultura do magistrado), (…) impactará no estímulo a recorribilidade, a se tornar mais um tema que congestionará a pauta dos tribunais e tribunais superiores (…)”; vi) “o subjetivismo interpretativo (…) traz como efeito pernicioso a coexistência de decisões díspares, senão contraditórias e divorciadas de uniformização (…), a se macular a própria imagem da jurisdição”, já que presentes “insegurança jurídica, ausência de previsibilidade e quebra da isonomia (…)”; vii) o “desincentivo a contratação de honorários ad exitum, que favorece o acesso à justiça àqueles que, de plano, não têm condições de arcar com o pagamento de honorários contratuais.” (CASTRO, Daniel Penteado de. Honorários advocatícios por equidade além da previsão legal: 1a e 4a Turmas do STJ já afastaram interpretação extensiva. Agora ação declaratória de constitucionalidade perante o STF. Migalhas. 07/05/2020. Disponível: <www.migalhas.com.br>).

 

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