#51 - O samba da vida. Do samba para a vida

02/03/2020

  Coluna Garantismo Processual / Coordenadores Eduardo José da Fonseca Costa e Antonio Carvalho

 

 

 

Manchete de jornal anuncia

Jurado de escola de samba de São Paulo

Flagrado em momentânea folia

Por abandono da terceiridade

Terá sua nota descartada

No quesito alegoria

 

Assim foi determinado

O juízo estava contaminado

A valoração comprometida

Presunção outra não haveria

Sob pena de afronta à imparcialidade

E de malferir a isonomia

 

Inexistiu hesitação

O instrumentalismo não constituía premissa

Outro fosse o cenário

Decerto algum sujeito teria dito

Se a decisão puder ser favorável

A quem a nulidade aproveitaria

Tudo se resolve

Ao abrigo de mais essa tirania

Ou quem sabe outra alegoria

 

Tudo tem limites

Manchete diversa assentaria

Mesmo no samba

Palco da irreverência

Notas musicais e figurino livres

Pode até desfilar sem fantasia

Enredo de mau gosto também é permitido

As funções é que não podem ser confundidas

 

Quem julga não é parte

Porque julga, não cede à folia

Sequer torce ou se contorce

Tampouco distorce a lógica ou a ordem jurídica

Não favorece por ímpeto de verdade

– formal, material ou empírica –

ou por sentimento de justiça

E se indevassável a psiquê

À prova de retidão

Segue a cartilha do processo devido

Leia-se, das garantias

 

Uma vez julgador

Não baralha função

Tem no “reparto de papeles”

A própria dignidade de sua missão

Conforta-se na ciência

Reconforta-se na Constituição

 

A dança do jurado ensejou censura

A notícia ecoou preocupação legítima

A mente deu sobressaltos

Tomei-a como “leitmotiv”

Vou escrever sobre o tema, pensei

A prosa foi liminarmente descartada

Compor uma poesia

 

Consultei dileto amigo e coordenador

Da conveniência em explorar o veredicto

Na forma aqui sugerida

Não por acreditar

Que tão incomum notícia

Pedisse meio inconvencional

Crer que a prosa seja séria

Hesitando a grandeza da poesia

 

Não queria fazer troça

Malgrado o carnaval permita

Questão de liturgia

Dosagem do humor

Sem desfazer a seriedade na crítica

 

A ideia não é original

Um “plágio” de sentença penal lírica

Cujo fato típico, aliás

Se a memória não me trai

Remetia a ilícito comum nos carnavais

E se até a estrutura formal do decreto condenatório

Poderia ser convertida

Cá com meus botões

Tudo aceita a poesia

 

No que ele me respondeu

Que o ônus não era seu

Tal como as partes de um procedimento judicial

Não compartilham encargos com o julgador

– acréscimo meu –

Ele segue coordenador

Eu, escritor

Quem avalia é o leitor

 

A astúcia venceu

Rompeu a tradição

Fazer verso da prosa

Redescobrir tema caro aos garantistas

A começar por aquele versado em bruxaria

Que à imparcialidade dedicou tese

Temática pouquíssima estudada

Razões mais que conhecidas

 

A comédia é horizonte apropriado

A pesquisa científica um dos pontos de partida

De passagem, diga-se

Sobre o tema em testilha

A única até então conhecida

Que não se engane o leitor

Onde há “comunidade de trabalho”

Fatalmente

O enredo será enviesado

 

Eis que o samba não imita a vida

Bem que a vida poderia

 

Ao derradeiro, nada precisaria ser dito

O verdadeiro poeta havia antevisto

“Quem não gosta [da notícia] do samba, bom sujeito não é

“É ruim da cabeça ou doente do pé...”

 

Imagem Ilustrativa do Post: GRAND THEATRE DE BORDEAUX // Foto de: didier.camus // Sem alterações

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