O ano de 2023 foi marcado pelo estreitamento dos vínculos entre a Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Brasil. A nova fase do Estado brasileiro nas relações internacionais ficou evidente ainda no início do ano, quando, por meio da Advocacia Geral da União, reconheceu perante a Corte IDH a violação de direitos das comunidades quilombolas do município de Alcântara, no Maranhão[1]. Além do pedido formal de desculpas à população envolvida, o advogado-geral da União, Jorge Messias, anunciou medidas concretas já tomadas pelo Estado brasileiro, com base no relatório da Comissão Interamericana sobre o caso.
Refletindo essa mudança de postura, ao longo do ano foram firmadas importantes parcerias entre instituições brasileiras e o órgão interamericano. A convite do juiz brasileiro Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch, que integra a Corte IDH desde 2022, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso[2], a Escola da Magistratura Federal da 1ª Região[3], o Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal[4], a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados[5] e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios[6] realizaram missões oficiais para acompanhar os trabalhos em San José, na Costa Rica, sede do tribunal interamericano.
Das visitas resultou a celebração de acordos de cooperação entre essas instituições e a Corte Interamericana, visando promover a difusão de informações e conhecimentos sobre direitos humanos e, mais especificamente, sobre os mecanismos internacionais de proteção, incluindo a realização de palestras, seminários, treinamentos, intercâmbios profissionais e cursos, para capacitar membros e servidores dos tribunais brasileiros. Os acordos entabulados visam dar efetividade à Recomendação nº 123 de 2022 do Conselho Nacional de Justiça[7], a qual “recomenda aos órgãos do Poder Judiciário brasileiro a observância dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos e o uso da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos”.
Também visando a disseminação de informações sobre a jurisprudência em direitos humanos e o aprimoramento da atuação institucional, a Defensoria Pública da União[8] e o Conselho Nacional do Ministério Público[9] firmaram acordos de cooperação com a Corte. A Ordem dos Advogados do Brasil[10] e a Fundação Getulio Vargas[11], por meio do Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento, já haviam formalizado parcerias semelhantes em 2022.
Em outubro, uma delegação de juízes da Corte Interamericana visitou o país para realizar audiências de casos contenciosos e supervisionar o cumprimento de medidas provisórias no território Yanomami[12]. Durante a visita, o Presidente do tribunal, Juiz Ricardo C. Pérez Manrique, o Vice-Presidente, Juiz Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot, a Juíza Nancy Hernández López e o Juiz Rodrigo Mudrovitsch participaram de reuniões com representantes do Supremo Tribunal Federal[13], do Superior Tribunal de Justiça[14], do Ministério da Justiça[15], da Advocacia Geral da União[16] e do Ministério das Relações Exteriores.
No STF, ficou acordado que serão reforçadas as comunicações ao Supremo de todas as decisões do tribunal interamericano sobre o Brasil. Definiu-se, ainda, que a Corte IDH realizará uma sessão no país no primeiro semestre de 2024, com auxílio do próprio STF e do Conselho Nacional de Justiça na organização do evento.
Já a AGU firmou convênio com o tribunal interamericano visando aprimorar o intercâmbio de informações entre as instituições, bem como o aprofundamento e a difusão de conhecimentos sobre a jurisprudência do tribunal internacional de direitos humanos. O acordo também prevê o desenvolvimento de atividades jurídicas e de pesquisa conjuntas e de interesse mútuo, realização de congressos e de estágios profissionais de membros da AGU na Corte.
Mais recentemente, em novembro, uma missão do Ministério Público do Trabalho[17] foi recebida na Costa Rica, também a convite do juiz brasileiro. Na ocasião, foi firmado um Acordo de Cooperação Mútua, que prevê programas de intercâmbio entre integrantes das instituições, compartilhamento de informações e cooperação técnica.
Todos os acordos têm em comum a iniciativa do juiz Rodrigo Mudrovitsch, que tem desempenhado papel salutar nas tratativas, engajado em atuar como um facilitador do diálogo interinstitucional – papel este que deve ser ainda mais ampliado, agora que Mudrovitsch foi eleito vice-presidente da Corte para o período 2024-2025[18].
As parcerias firmadas, visando sobretudo o aprimoramento técnico das instituições brasileiras e a celeridade e efetividade no cumprimento das decisões proferidas pelo tribunal interamericano, certamente fortalecerão os mecanismos nacionais de proteção dos direitos humanos. São, assim, muito bem-vindas.
Notas e referências
[1] https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/brasil-reconhece-violacao-de-direitos-e-pede-desculpas-a-comunidades-quilombolas-de-alcantara-ma. Acesso em 14/12/2023.
[2] https://www.tjmt.jus.br/noticias/74047. Acesso em 14/12/2023.
[3] https://portal.trf1.jus.br/portaltrf1/comunicacao-social/imprensa/noticias/institucional-escola-de-magistratura-federal-da-1-regiao-assina-acordo-historico-de-cooperacao-com-a-corte-interamericana-de-direitos-humanos.htm. Acesso em 14/12/2023.
[4] https://www.cnj.jus.br/pioneirismo-justica-eleitoral-do-df-assina-acordo-de-cooperacao-com-a-corte-idh/. Acesso em 14/12/2023.
[5] https://www.enfam.jus.br/enfam-assina-acordo-de-cooperacao-com-corte-interamericana-de-direitos-humanos/ . Acesso em 14/12/2023.
[6] https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2023/setembro/tjdft-celebra-acordo-de-cooperacao-com-a-corte-interamericana-de-direitos-humanos. Acesso em 14/12/2023.
[7] https://atos.cnj.jus.br/files/original1519352022011161dda007f35ef.pdf. Acesso em 14/12/2023.
[8] https://direitoshumanos.dpu.def.br/dpu-e-corte-interamericana-de-direitos-humanos-assinam-acordo-de-cooperacao/. Acesso em 14/02/2023.
[9] https://www.cnmp.mp.br/portal/atos-e-normas/norma/9625/. Acesso em 14/02/2023.
[10] https://www.oab.org.br/noticia/60131/oab-e-corte-interamericana-de-direitos-humanos-selam-acordo-de-cooperacao. Acesso em 14/12/2023.
[11] https://conhecimento.fgv.br/noticia/fgv-firma-parceria-com-corte-interamericana-de-direitos-humanos. Acesso em 14/12/2023.
[12] https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/visita-da-corte-interamericana-de-direitos-humanos-ao-brasil-23-a-27-de-outubro-de-2023. Acesso em 14/12/2023.
[13] https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=517246&ori=1. Acesso em 14/12/2023.
[14] https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/26102023-STJ-recebe-visita-de-delegacao-da-Corte-Interamericana-de-Direitos-Humanos.aspx. Acesso em 14/12/2023.
[15] https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/ministro-flavio-dino-recebe-o-presidente-da-corte-interamericana-de-direitos-humanos. Acesso em 14/12/2023.
[16] https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/agu-e-corte-interamericana-de-direitos-humanos-celebram-compromisso-para-estreitar-intercambio-entre-instituicoes. Acesso em 14/12/2023.
[17] https://www.prt3.mpt.mp.br/procuradorias/prt-belohorizonte/2887-mpt-assina-acordo-de-cooperacao-mutua-com-corte-interamericana-de-direitos-humanos. Acesso em 14/12/2023.
[18] https://www.oab.org.br/noticia/61782/rodrigo-mudrovitsch-e-eleito-vice-presidente-da-corte-interamericana-de-direitos-humanos. Acesso em 14/12/2023.
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