2017 – Um ano de ofensa aos direitos humanos

01/01/2018

O ano de 2017 foi marcado, além da intensificação de uma crise política, econômica, ética e institucional, pelas graves e diversificadas formas de agressão aos direitos humanos, direitos estes consagrados na nossa Constituição Federal que norteia nossa sociedade, o Estado e deveria nortear os governos da República nas suas esferas federativas.

Após o impeachment de 2016, que mais assemelhou-se a um golpe parlamentar infundado, entrou em pauta política nacional uma agenda reformas que podem vir a prejudicar ainda mais os direitos em vários aspectos. Entre os atos e omissões do governo relacionadas a temática cita-se a reforma trabalhista, reforma política, redução da previsão do salário mínimo em 2018, reforma da previdência, venda de ativos de empresas estatais. Outros fatos relacionados a omissões dos governos também demonstraram ululante atentado contra direitos humanos, que é o caso das agressões contra os povos indígenas, massacres contra trabalhadores do campo e integrantes de movimentos de reforma agrária e a crise carcerária juntamente com a situação inconcebível dos presídios nacionais.

A reforma trabalhista, vista pelos defensores do projeto já em vigor como uma alternativa para a manutenção da existência das empresas, alterou inúmeros pontos da Consolidação das Leis Trabalhistas. Entre os pontos alterados cita-se como exemplo a permissão para gestante trabalhar em ambiente insalubre, fim do imposto sindical, terceirização irrestrita, aumento da possibilidade de negociação coletiva entre empregador e empregado, a dificuldade para obtenção do benefício de justiça gratuita entre outros pontos. Todavia a Constituição Federal prevê direitos classificados como sociais entre seu artigo 7º e 11º e observa-se uma ofensa direta a muitos deles na reforma. Do mesmo modo fica demonstrado uma indiferença da nova lei com convenções da Organização Internacional do Trabalho a qual o Brasil foi um dos membros fundadores e é signatário de muitas convenções. As convenções possivelmente violadas pelo governo brasileiro ao efetuar a reforma são: a 144, que exige audiências entre os representantes dos trabalhadores, dos empregadores e do governo, de modo a procurar um número maior de soluções e acordos a serem compartilhados por ambas as partes, seguidas das convenções nº 98, 111, 115 e 154, que tratam do direito à sindicalização, da terceirização, da negociação coletiva e da proteção dos funcionários da administração pública no que se refere ao exercício dos seus direitos sindicais. Assim sendo, a reforma coloca em risco direitos previstos por convenções que buscaram, todavia, assegurar os direitos humanos do trabalho e representa indubitavelmente um retrocesso jurídico-legal sobre o tema.

O ano de 2017 começou com uma série de rebeliões em diversos presídios brasileiros, que resultaram em violentos massacres advindos da guerra entre facções. Apenas em 2017 o número de mortes ultrapassou os dados do trágico Massacre do Carandiru, onde morreram 111 pessoas. Diante da exposição midiática, o governo garantiu a construção de novas prisões. Ato este insuficiente e que não atinge as raízes no problema. O fato do governo brasileiro, na esfera federal e estadual conforme a lei, ser omisso no que se trata da questão carcerária é algo público e notório. A apatia a Constituição Federal, a Lei de Execuções Penais e a documentos internacionais tais como o Pacto San José da Costa Rica, assinado em 1969 e que foi aderido pelo Brasil em 09 de julho de 1992, ratificando-o em 25 de setembro de mesmo ano, é constante. O Pacto citado prevê, assim como nossa Constituição Federal, em seu artigo 11, a proteção da honra e da dignidade, afirmando que 'toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade".

Um dos grandes problemas da situação prisional é a superlotação. A Resolução de 31 de agosto de 1955 das Nações Unidas, que trata das Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos, foi ratificada pelo Brasil em 1989 e preconiza que as celas ou locais destinados ao descanso  não serão ocupadas por mais de um preso, além de prever regras que concerne a questão da higiene, alimentação, vestuário e saúde dos presos. Fato este completamente ignorado pelo Brasil diante do status quo do sistema prisional. Ainda sobre o tema é importante abordar a questão que envolve os presos provisórios e as violações de direitos humanos os quais são vítimas constantemente. Segundo o Conselho Nacional de Justiça havia no Brasil até o início de 2017 um total de 654.372 presos, sendo 221.054 presos provisórios, o que equivale a cerca de 34% do total de presos no país. A adoção de medidas alternativas para os presos provisórios, além de melhoria das condições no cárcere, é essencial para que se proteja os direitos humanos dos presos e se supere o sentido primitivo de apenas punitivisom e retribuição da pena e se adeque

O presidente Michel Temer sancionou um projeto de lei em 06 de outubro, chamado popularmente de reforma política, onde entre várias alterações eleitorais criou-se o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), vulgo "fundão" como ficou conhecido no Congresso Nacional. Trata-se de um fundo de financiamento público de campanha eleitoral que terá cerca de R$ 1,7 bilhão de reais estimados para financiar as candidaturas. O fundo será dividido entre os partidos políticos conforme critérios específicos. Ora o volume aprovado consiste eu um ultraje aos cidadãos do país e uma grave ofensa aos direitos humanos, uma vez que a Educação no ano de 2017 sofreu uma redução de 4,3 bilhões de reais no orçamento, conforme dados do Ministério do Planejamento. Observa-se que o descalabro da aprovação de um fundo bilionário para financiamento de campanhas eleitorais possui maior importância do que por exemplo direitos básicos como a universalização do saneamento e esgoto para a população mais pobre. Segundo os dados de 2015 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), apenas cerca de 50,3% dos brasileiros têm acesso à coleta de esgoto, ou seja, mais de 100 milhões de pessoas utilizam medidas alternativas para lidar com os dejetos, o que muitas vezes além de danos à saúde causa danos ambientais como no depósito de esgoto direto em rios e lagos. No que se refere ao acesso a água, 34 milhões de brasileiros seguem sem conexão com o sistema. Portanto a aprovação de um fundo de tamanha quantia significa uma indiferença com necessidades maiores que os entes estatais possuem o dever de tutelar e fornecer aos cidadãos. Nessa mesma ótica da "manutenção" da pobreza e desigualdade, faz-se necessário citar que somente entre junho e julho deste ano o Governo Federal cortou 543 mil beneficiários do Programa Bolsa Família, sendo este o maior corte desde a criação do programa que é tão essencial no combate à miséria nacional.

O ano de 2017 já registrou vários atos de violência contra povos indígenas. Segundo o Conselho Indigenista Missionário, em relatório divulgado em outubro, o número de assassinatos de indígenas vendo sendo contínuo. No ano de 2015 foram registrados 54 assassinatos de indígenas, já em 2016 o número aumentou para 56 no ano seguinte. No que concerne a mortalidade infantil as informações são mais assustadoras pois de 599 casos de morte infantil de crianças de zero a cinco anos o número aumentou para 735 em 2016. Verifica-se que a parte dos casos envolve o povo yanomami. Tal violência está relacionada, segundo especialistas, a violência perpetrada por latifundiários e pela omissão do poder público em efetivar as demarcações de terra tão essencial para a sobrevivência pacífica desses povos.

Na seara da segurança pública de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em outubro o Brasil registrou cerca de 61 mil mortes violentas no ano de 2016, número este que representa um crescimento de 3,8% em relação ao ano anterior. As estatísticas são alarmantes: no ano de 2015 entrou em vigor a lei que determinou que assassinatos cometidos contra mulheres em razão de gênero seriam agravantes do homicídio. Em 2016 foram registrados 533 casos de feminicídio por todo país.Os crimes violentos contra mulheres somaram 4,6 mil casos em 2016, estatisticamente um assassinato a cada duas horas. Os estupros contabilizaram 49,5 mil ocorrências, um crescimento de 3 % comparação com 2015. Os dados em sua maioria são contabilizados no ano seguinte após análises e estudos.

Ainda sobre o tema da segurança pública, somente no Rio de Janeiro foram registrados até novembro a morte de 114 policiais assassinatos e o perturbador número de 813 mortes resultantes do que o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro chama de "oposição à intervenção policial". É fundamental apontar o perigo que é a manutenção de uma polícia militar no país nesse caso que, nos moldes das forças armadas (equivocadamente convocadas para intervenções em áreas mais pobres, fato anômalo às suas funções constitucionais e digno de um Estado de Exceção permanente), são treinadas diariamente para "combater o inimigo" e não neutralizar ações e proteger os cidadãos como parte de uma polícia em consonância com a democracia e cidadania. Em relação aos números apenas em 2017 foram 4.974 mortes registradas, somando homicídios dolosos, latrocínios e tais mortes referentes à resistência policial, o mesmo período em 2016 tinha sido de 4.485, portanto aumento de cerca de 10%.

É de extrema importância citar também as agressões contra templos de religiões de matrizes africanas e outras crenças que ocorreram em vários lugares do país em especial no Rio de Janeiro e cuja autoria se deu a grupos reacionários que ferem a dignidade humana e a liberdade de culto em atos que tem como finalidade impor uma crença única. 

Poderíamos ainda citar a recente diminuição do salário mínimo nacional em uníssono ao aumento desenfreado de combustível, gás e comida e como isso contraria a previsão constitucional do Artigo 7º, IV de um salário "capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim". Fato que distinto também da dignidade da pessoa humana prevista no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais em seu Artigo 7º, tratado este que o Brasil é signatário. Tudo isso em detrimento do perdão bilionário de dívidas fiscais de latifundiários, isenções e desonerações para empresas estrangeiras exploradoras do petróleo brasileiro. Poderíamos citar que a reforma da previdência que torna mais árduo a obtenção de aposentadoria para os trabalhadores em contraposição ao perdão de dívidas de instituições financeiras, entre tantos outros exemplos. Mas ao invés de citar, aguardaremos os próximos capítulos de 2018. E que possamos construir uma esperança coletiva para os direitos humanos no Brasil.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Direitos Humanos // Foto de: Conselho Nacional de Justiça - CNJ// Sem alterações

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