1984: Reflexos da Ordem e a ditadura atemporal do “Big Brother”

11/07/2015

Por Alfredo Copetti Neto e Felipe Halfen Noll - 11/07/2015

A obra intitulada “1984” de George Orwell, publicada em 1948, apresenta uma sociedade futurística (ao seu tempo) e hipotética, marcada pela violação de direitos em uma sociedade oligárquica/ditatorial. É possível afirmar, entretanto, que a obra foi uma crítica aos sistemas de governo que tomaram notoriedade ao término da Segunda Guerra Mundial. Apresentou o temor do autor diante do cenário polarizado que assumiu a política mundial nos tempos decorrentes, com o jogo de influências entre o eixo capitalista e aquele socialista.

A história se desenvolve em um contexto catastrófico de guerra constante e de escassez, sendo ambas as calamidades programadas e asseguradas pela ditadura do “Grande Irmão”, figura representativa de uma classe arraigada ao poder que fez prevalecer seus interesses por meio de intenso controle do pensar e do agir da população. Esse controle, tão eficaz que anula qualquer ameaça ao poder do partido, se dá por intensa difusão de informações mentirosas, educação restritiva e alienadora, além de uma coerção efetivada pela combinação de policiamento intenso e um aparato punitivo desumano. Os problemas abordados por Orwell se tornaram universais e acabaram por instigar a reflexão acerca dos dilemas atuais da sociedade.

As “teletelas”, por exemplo, representação máxima da mídia de controle na sociedade descrita, bombardeia diretamente a população com informações deturpadas e propagandas militares a fim de promover e reafirmar a dominância do partido. Jornais e quaisquer outros informativos estão sujeitos às alterações do “Ministério da Verdade” para tornar inequívocas as afirmações e previsões do Grande Irmão (este, que pode ser tratado como a personificação do próprio partido).

Cabe notar que, no âmbito educativo, o próprio conhecimento (entenda-se o estudo das ciências e consequente consciência social) só é repassado aos membros mais privilegiados da sociedade, no caso, os membros do “Partido Interno”, as “Cabeças do Partido”. Aos membros do partido externo, a classe trabalhadora dos setores administrativos, é ensinado o básico para o desempenho de sua atividade e a “arte” de obedecer.

A violência, tanto psicológica quanto física, é desempenhada pela Polícia do Pensamento. Mais que qualquer tipo, a manifestação contrária aos dogmas do partido é crime máximo e resulta em pena severa que inclui tortura, pena de morte e culmina num total “esquecimento” da existência do indivíduo. Sim, todos os registros de sua existência são apagados, “Não criamos mártires”. Mesmo que sobreviva ao aparato punitivo, o indivíduo acaba adestrado, incapaz de regredir ao “crime” por puro trauma.

Não raro nos deparamos com situações Orwellianas em nosso cotidiano. A mídia brasileira atua diretamente na manipulação da opinião pública. Enquanto a maioria dos canais de informação assumem determinada postura política, alguns a exercem com sensacionalismo exacerbado, proliferando a ignorância e o ataque ao diferente: ao diferente étnico, ao diferente cultural, ao diferente econômico, ao diferente político, ao diferente religioso, etc. Promove-se a metafísica do idêntico, em nome de uma pretensa igualdade que exclui.  Cenas fortes, vozes exaltadas e uma opinião que exacerba a promiscuidade do pensamento acabam por não apenas influenciar, mas manipular e romper com a subjetividade do sujeito.

Obviamente esse vilipêndio ao sujeito não ocorre à toa, mas é evidenciado por um déficit estrutural na produção do conhecimento. Na mesma medida em que se investe intensivamente no Ensino Superior, a partir de inúmeros programas governamentais, deixa-se de lado o Ensino Fundamental e Médio. Uma piscina de areia que, inexoravelmente, tende a permanecer seca. A carência, sem sombra de dúvidas, será cobrada logo adiante. Profissionais (sic.) atuando às avessas, sem formação adequada e com capacidade fina para negligenciar aquilo que lhes constitui. Em outras palavras, pessoas sem capacidade de reflexão adequada acerca do mundo e das coisas, as quais tendem à midiatização, de modo inconsciente, face à covardia da venda da facilidade compreensiva.

Por outro lado, com os processos seletivos mais exigentes, a Universidade Pública destina suas vagas à elite que pode investir no ensino, fundamental e médio, privado. Delas não raro saem os protagonistas que determinam (ou mantém) os rumos, conservadores e elitistas, da esfera pública pátria.

Acontecimentos recentes comprovam a violência com que o Estado brasileiro responde a qualquer manifestação (inclusive pacífica) contrária ao rumo das decisões políticas ou de cunho reformista. Não é recente a concepção equivocada e persistente de que a punição – e redefinições em sua abrangência, vide a questão da redução da maioridade penal – é a saída para evitar futuras transgressões.

Como bem colocado pelo Professor Marcelo Neves[1]: “No âmbito da retórica do reformismo constitucional, os programas de governo ficam reduzidos a programas de reforma da Constituição; esses são frequentemente executados (quer dizer, as emendas constitucionais são aprovadas e promulgadas), contudo as respectivas estruturas sociais e relações de poder permanecem intocáveis.”.

A mídia deturpada, defendendo interesses de fiadores e partidos políticos, invadindo as casas com eloquência alienante; o ensino de qualidade destinado à elite e a primazia do ensino mecânico (que ocupa espaço das ciências e artes) aos estudantes da rede pública e um policiamento violento, aplicado mesmo a manifestações de pensamento, ajudam a classificar a crítica de George Orwell como atemporal e, no caso brasileiro, perfeitamente aplicável.


Notas e Referências:

[1] NEVES, Marcelo. Constitucionalização Simbólica. In: GOMES CANOTILHO, J.J; et. al. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 72.


Rede Garantismo Brasil, disponível em: www.garantismobrasil.com 11121231_1607881519495631_524568245_n


alfredo

Alfredo Copetti Neto é Doutor em Direito pela Università di Roma, Mestre em Direito pela Unisinos. Cumpriu estágio Pós-Doutoral CNPq/Unisinos. Professor PPG-Unijuí. Unioeste e Univel. Advogado OAB-RS.

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FELIPE (1)

Felipe Halfen Noll é acadêmico do Curso de Direito da UNIJUÍ-RS e bolsista voluntário no projeto de pesquisa "Direito e Economia às Vestes do Constitucionalismo Garantista", coordenado pelo Prof. Dr. Alfredo Copetti Neto.

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Imagem Ilustrativa do Post: 1984 George Orwell Graffito - Placa de George Orwell - Barrio Gotico - Barcelona - Spain // Foto de: Adam Jones // Com alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/adam_jones/14141896840

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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