William, Fátima, eu, você e a separação entre o íntimo e o privado nas redes sociais

31/08/2016

Por Charles M. Machado – 31/08/2016

No dia em que o Congresso nacional assiste ao processo de Impeachment, com a Presidente afastada fazendo sua defesa, o país acompanha com pouco interesse o desfecho, daquilo que por certo estará mudando em maior e menor grau a vida de todos nós.

Eis que uma nova notícia, sacode as redes sócias, e logo todos os meios noticiosos, passam a comunicar que os jornalistas William Bonner e Fátima Bernardes anunciaram, que estão se separando. Os jornalistas, que ficaram juntos por 26 anos, publicaram a mesma mensagem no Twitter na noite desta segunda como forma de comunicado sobre o fim do casamento. Logo a notícia ganha maior audiência do que o futuro do Brasil, afinal quais foram as razões para o fim do enlace do casal mais famoso do Brasil sim, mais famoso do que Lula e Mariza.

Os jornalistas seguindo o melhor guia de relações públicas comunicam:

"Em respeito aos amigos e fãs que conquistamos nos últimos 26 anos, decidimos comunicar que estamos nos separando. Continuamos amigos, admiradores do trabalho um do outro e pais orgulhosos de três jovens incríveis. É tudo o que temos a declarar sobre o assunto. Agradecemos a compreensão, o carinho e o respeito de sempre. Fátima e William", escreveu o casal.

Na nota, amigos, fãs, carinho e respeito, são essas as palavras que estabelecem os limites jurídico dos fatos, para o bem ou para o mal.

Amigos e fã, são pessoas valoradas no campo jurídico, eles pertencem ao privado, e logo ao seu capital intangível. Qualquer que seja o comentário jocoso, sobre a notícia que ponha em risco essa esfera (família, amigo e fãs) pode sofrer a mão dura do estado de Direito.

Quando resolveram publicar a nota, nas redes sociais foi para estabelecer o limite a versão dos fatos, tudo o mais é mera especulação, que pode sim ser capitulada pelo direito penal e civil.

Nesse momento muitas são as reflexões necessárias, afinal onde mora sua privacidade? Qual o limite dela? Qual o limite para o conhecimento de terceiros sobre ela?

No mundo moderno ela pode ser, a qualquer momento, invadida por um hacker, ou pode ser estraçalhada por uma publicação equivocada em rede social ou outros meios noticiosos.

Da adolescente que temos em casa, que compra uma briga se souber que leram o diário dela, seja no papel ou nas páginas eletrônica da sua agenda.

Lembro que, a privacidade é um direito fundamental. Privacidade não pode ser confundida com privativo, nem tudo que é privativo está no campo da privacidade, ou melhor, privatividade. A mesma é um direito subjetivo fundamental, apresentando em sua estrutura básica três elementos: sujeito, conteúdo e objeto, sendo sujeito o titular do direito. O conteúdo da privatividade, como direito, a faculdade de constranger os outros ou de resistir-lhes (caso dos direitos pessoais), ou de dispor, usufruir. O objeto é o bem protegido, que pode ser uma coisa ou um interesse. No direito a privatividade, o objeto, é a integridade moral do sujeito.

Dentro da privatividade, encontramos a intimidade, a mais preciosa joia do conjunto valorativo da pessoa, seja ela física ou jurídica. Nem sempre o interesse da autoridade pode ser confundido com o interesse público, e quem pode sopesar esses valores constitucionais, é o neutro poder judiciário, guardião do princípio mater da isonomia, formador e norteador de uma sociedade justa e igualitária no Estado de Direito

Lembro que, no momento que você iniciou a leitura deste artigo, fez uma escolha privativa, de dedicar alguns minutos do seu dia para a obtenção de informações que sejam do seu interesse. Ao mesmo tempo, diversas outras pessoas iniciam a mesma leitura por razões próprias, que podem ou não ser comuns e iguais as suas, mas se você não externa esses motivos, eles permanecem sendo propriedade do seu íntimo.

A proteção a essas razões é garantida na Constituição Federal no artigo 5°, X. Naquele inciso, protege-se a intimidade, como um valor inalienável, cuja disponibilidade permissiva só você pode autorizar. Na sala ao lado o colega atestou o recebimento do artigo, mas no momento não faz ideia se você o está lendo ou não, afinal a portas fechadas à leitura é um ato privativo seu, e somente passa a ser disponibilizado, se você resolve deixar a porta aberta. No momento em que se abre a porta, disponibiliza-se mais um direito previsto no texto constitucional, o da inviolabilidade da privatividade, artigo 5°, X da Constituição. Nota-se que a simples leitura desse artigo implica no perfeito delineamento das duas esferas circundantes da personalidade garantida na nossa Carta.

A abertura da porta fez com que o ato de ler o artigo, fosse por você retirado da esfera da privatividade, mas as razões que motivam a leitura permanecem na esfera da intimidade, dela só saindo com a sua autorização. Seu colega ao ver você lendo o artigo pode ter diversas conclusões, sobre as razões que motivam a sua leitura, que certamente não saíram do campo quase que especulativo das presunções. As conclusões por ele tiradas podem por certo, serem as mais estapafúrdias, ou até mesmo, correr-se o risco de estarem corretas. O fato é que qualquer que seja a presunção especulativa, não terá força alguma para dela se extrair a verdade, como um valor que permitisse construir qualquer proposição, apenas a de que você passa os olhos sobre um artigo em um site jurídico, afinal concluir pela leitura, seria mais um elemento de presunção. Afinal, infinita é a distância entre ver e ler.

Comunicar a separação, foi abrir a privacidade, saber as razões é querer entrar na intimidade, ambos são valores jurídicos protegidos por nossa Constituição.

O conjunto deles, na relação do Tratado fundante, encontra seu início, no pacto Social que estabelece no artigo primeiro da Magna Carta, a dignidade humana como bem maior.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:....

III - a dignidade da pessoa humana;

A Constituição Federal, como norma fundante é o ponto de partida, para estabelecer que o acordo, que a sociedade escreve, e que se denomina Magna Carta, pretende proteger através da proteção dos Direitos e Garantias Individuais uma sociedade que permite por seus institutos jurídicos, que a relação seja construída de forma digna.

Logo no artigo 5 °, nos Direitos e Garantias Individuais, em nossas Cláusulas Pétreas, logo, não sujeitas a Revisão Constitucional, é protegida a manifestação de opinião e de crença, resguardado o direito de resposta:

“ IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

Logo momento em que o leitor resolve estabelecer seus comentários, sobre a vida privada dos jornalista deve saber, que os comentários anônimos, ou escondidos sob pseudônimos são vedados e e que ele responde civil e criminalmente pelo o que comenta.

A manifestação, intelectual é livre, logo chargistas e outros artistas podem sobre os fatos comentar, mas se por alguma razão forem ofendidos, em sua imagem cabe indenização.

Nota-se que todos os valores protegidos são intangíveis, e sujeitos a reparação.

No mesmo artigo 5° ainda está previsto:

“IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”

Veja que a intimidade, de William, Fátima, sua ou minha são invioláveis, logo aos fofoqueiros de plantão que passam seu tempo cuidando da vida alheia, cuidado com seus comentários, pois a reparação, por meio do instituto da indenização é eminente.

Se isso não bastasse o Direito Penal tratou também de tutelar em três artigos, com três crimes, as condutas:

Calúnia

Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime.

(…)

Difamação

Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação.

(…)

Injúria

Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro.

(…)

É importante estabelecer as diferenças, pois muitas pessoas têm dificuldade de diferenciar um crime do outro na prática. O CNJ diferenciou calúnia, difamação e injúria da seguinte forma:

 Calúnia

Imputação falsa de um fato criminoso a alguém.

Injúria

Qualquer ofensa à dignidade de alguém.

Difamação

Imputação de ato ofensivo à reputação de alguém.

Os crimes contra a honra são de ação penal privada. Se houver lesão corporal leve ou se for injúria discriminatória, é ação pública condicionada à representação. Se houver lesão corporal grave ou gravíssima ação pública incondicionada.

O episódio serve também de referência sobre o que a sociedade atual dá importância, e a maneira como cuida da vida alheia, afinal quando alguém de reputação pública precisa dar explicações dos fatos da sua vida privada, vivemos o compartilhamento das vidas.

Onde mais do que “curtir” a vida de outros, compartilhamos, opinamos e perdemos nosso tempo com a vida alheia, seja ela interessante ou não. Vivemos a época do digital onde a intangibilidade das relações constroem imagens que não sobreviveriam à três perguntas, afinal quantos são seus amigos que publicam tudo com a impressão de que vivem em um cenário da Disney, e como se eles mesmos fossem dela personagem.

As redes sociais fazem o favor de tornarmos muito próximos de pessoas muito distantes, e ao mesmo tempo somos cada vez mais distantes das pessoas próximas, sabemos delas através de suas publicações, não sentamos para um café e quando fizemos isso, interrompemos um bom papo para escrever kkkkkk.

No mundo do kkk, as relações são cada vez mais uma cacaca onde muita coisa, se for olhada com calma não cheira bem, pois entre a forma e o conteúdo, muitos elegem a forma, logo são fotos, flashes e uma distância abismal nas relações, onde o conteúdo fica soterrado nas milhares de curtidas.

No mundo de hoje todos acabam vivendo a à sua vida, sabem o que é melhor e o que é pior prá você, só nem sempre te perguntam.

Proteger você, seja William ou Fátima, dos que pretendem invadir sua privacidade é uma dura tarefa, pois o intimo é cada vez menos íntimo e o privado pode muitas vezes ser uma suave lembrança, dos milhões de internautas que curtem sem ler e compartilham sem saber.

Proteger a intimidade e a privacidade em tempos de rede social é uma é uma tarefa hercúlea que exige um esforço sobre humano, afinal todos sabem da sua vida mais do que você mesmo, e nessas horas pensamos onde vamos parar?


Charles M. Machado é Professor nos Cursos de Extensão da ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing, em Direito das Marcas e Direito do Intangível, é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha, Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também já foi  palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@charlesmachado.adv.com.br


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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