A coisa aconteceu – e já aconteceu por duas vezes – e deu-se tudo por normal, como fato corriqueiro, quando, na verdade, foi um dos maiores desaforos que um\a juiz\a poderia acometer contra a vida cotidiana de milhares de pessoas.
Essa incompensável decisão de suspender as atividades do WhatsApp, que repete outra acometida contra o Facebook, é de um exibicionismo de ego incompatível com o comedimento que se espera do Poder Judiciário.
Evidentemente, ninguém está acima da Lei. Pessoa jurídica ou física, ninguém pode optar inconsequentemente por desobediência a uma ordem judicial. A questão a ser considerada, contudo, é que ordem com quais efeitos o Judiciário pode proferir.
Essa medida de suspender a atividade do aplicativo referido foi um transtorno que transbordou de quem seria desobediente para a população do País. Os utentes do serviço restaram sofrendo a pena imputada ao WhatsApp.
Para que se possa dimensionar o alcance da deletéria ordem judicial, “segundo o WhatsApp, são 38 milhões de pessoas que utilizam mensalmente o serviço de mensagem no Brasil” (FSP, 02jan16).
Ora, o WhatsApp é uma empresa de comunicação que interessa a todos, seja ao apaixonado que tem urgência no recado à amada, seja à firma que usa o meio para estabelecer negócios de vulto. O aplicativo tornou-se de interesse público.
Ademais, é de se conferir se a ordem dada é possível de ser atendida por dirigentes nacionais da empresa. Tratando-se de uma multinacional, é comezinha a informação de que muitas decisões estão fora do alcance das filiais.
Um gerente de uma agência local de empresa bancária internacional, por exemplo, não poderia, mesmo que pretendesse fazê-lo, reverter um depósito feito por internet em agência situada em outro país.
Seria, então, razoável a impetuosidade judicial suspender o funcionamento do banco, ou investir contra o gerente local? Assim, imponderadamente? Quero dizer: um juiz pode fazer absurdos em nome do Estado e tudo ficar por isso mesmo?
A medida tomada pela juíza do processo que envolve o WhatsApp foi liminar, sem ouvir a parte contrária. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo cassou-a incontinente. Mas permanece a questão: o magistrado tem licença legal para tanto?
Não a tem. Primeiro, o Marco Civil da Internet prevê a possibilidade de proibição de exercício de atividades (art. 12) unicamente em casos que violem “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas” (art 10).
Segundo, houve irrazoabilidade. Seja: exagero. Eu diria: abuso de poder. Tanto assim o é que a decisão não perdurou 24 horas. E agora? As consequências? Quem paga? Quem repara as tolices dos juízes?
A Sociedade brasileira não tem pensado nisso. Estabeleceu-se por “costume’’ uma “irresponsabilidade legal” que deixa passar in albis graves erros de procuradores, promotores e juízes.
Com a criação dos Conselhos Nacionais, seja o do Ministério Público, seja o da Magistratura, algo se principiou a fazer, mas só quando o acontecimento é escandaloso.
Desconsideram-se os danos civis decorrentes de acusações vazias e de decisões insubsistentes. É como se adviessem de autoridades inalcançáveis pela legalidade geral. Autoridades, contudo, ou sobretudo, não deveriam estar além da Lei.
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