Vocês pagaram por isto tudo isso aqui! - Brincadeiras de bilionários  

06/05/2022

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

2021 ficará marcado na história não só pela pandemia de covid-19 e suas variantes que insistiram em circular e seguir fazendo inúmeras vítimas, mas também pelo mais novo método de se gastar dinheiro com um inédito tipo de turismo: o turismo espacial. A exploração de novos ambientes é parte inata do ser humano que desde sempre busca conhecer e desbravar novos lugares. Se alguns buscam fazer trilhas aos finais de semana com foco em fugir da selva de pedra da nossa sociedade cotidiana, outros, mais abonados e arrojados, já miram as estrelas como lugar a ser explorado.

A corrida espacial viveu grandes momentos durante as décadas da Guerra fria, por anos, aparentemente os custos e investimentos para se ir as estrelas pareciam estar adormecidos, mas com a tecnologia cada vez mais presente e sofisticada, aponta-se para um novo tipo de viagem ao espaço, o chamado turismo espacial. No dia 11 de julho de 2021 um primeiro voo suborbital foi realizado pela empresa Virgin Galactic, de propriedade do bilionário britânico Richard Branson, com o próprio dono, três passageiros e dois pilotos [1]. A incursão deu-se com o apoio de um avião acoplado com uma nave espacial. Quando atingiu uma altura de 15km, a nave soltou-se do avião e projetou-se ao espaço. Ficaram por lá por menos tempo que um quarto de hora tem.

Na sequência, poucos dias depois da façanha, Jeff Bezos, atualmente o segundo homem mais rico do mundo, juntamente com seu irmão Mark, uma pioneira da aviação de 82 anos de idade e um holandês de 18 anos, o primeiro passageiro pagante de um tipo de voo como esse também se lançaram a bordo de uma nave da empresa Blue Origin rumo ao espaço. Ao regressar a terra, depois de seus poucos minutos que entraram para a história, Bezos proferiu a seguinte frase: "vocês pagaram por isto tudo aqui".

Vocês, a quem Bezos se refere, está toda a cadeia de compras da Amazon, a empresa criada por ele em 5 de julho de 1994, em Seattle, Estados Unidos, que ao observar a crescente expansão do mercado da internet, viu nele uma alternativa de novo negócio. O foco inicial eram livros, a venda começou na garagem de Bezos e sua esposa, MacKenzie. Por sua qualidade de vendas, a Amazon conseguia manter uma vastidão de títulos em seu catálogo graças a parcerias construídas com atacadistas e distribuidoras. A história da empresa tem altos e baixos, mas com a vastidão de opções que oferece desde a sua criação, focando em diferenciais que façam com que o cliente esteja cada vez mais fidelizado, acompanhando tendências e construindo outras tantas, a fortuna de Bezos foi sendo ampliada fazendo com que, ainda que não tenha conexão forte com a Amazon, a Blue Origin fosse criada.

Os esforços multimilionários de Bezos provêm da Amazon e de seus outros negócios ao longo dos quase 30 anos desde o início na pequena garagem de Seattle, mas a brincadeira de adulto, trazida das inquietações do engenheiro que queria conhecer o espaço, ganhou forma e hoje quer levar todo aquele que possua dinheiro para pagar uma viagem dessas para conhecer aquilo que há fora desse planeta.

Na sociedade capitalista em que nos inserimos atualmente vemos que padrões de consumo são incentivados por meio de comportamentos. O consumo encontra morada em cidadãos comuns, mas como atingir aqueles que não mais se satisfazem com os bens consumíveis médios? Aqueles que agora nem mais tem o céu como limite? Romper o limite é a regra. A criação de novas mercadorias é mandamento! Cria-se, vende-se, irrompe o céu, coloca preço naquilo que não havia preço até então. Não um preço comercial. Mas em números, o bem de consumo torna-se tangível, cativante e deslumbrante. É um norte a ser seguido.

Barber menciona que para aqueles que os bens de consumo básicos já estão superados existe a necessidade de criar outros, pois com a superação dos mesmos há o indicativo de que dinheiro não é um problema e para a circulação do capital, exige-se que novos atrativos sejam postos no mercado [2]. Bauman corrobora com a ideia no que afirma que “os produtos surgem, e só então se buscam aplicações para eles; muitos viajam para o depósito de lixo sem encontrar qualquer utilidade”[3].

É assim com telefones e computadores que surgem a cada piscar de olhos, prometendo mais tecnologia e outras tantas funcionalidades que talvez nem sejam utilizadas pelo usuário. Segue-se com modas passageiras, com comportamentos incitados pela publicidade que estampa em suas diversas mídias que há de se seguir as regras da sociedade de consumo para seguir inserido, pertencente. O ser humano, por sua condição, quer pertencer. Sempre quis.

Na história da humanidade, a virtude quase sempre esteve associada ao comedimento e à renúncia. Desde a Idade Média, para os cristãos o homem virtuoso, honesto e digno era modesto, abominava o luxo e o conforto. Esse costume foi consolidado pelas religiões: os pobres acreditaram durante séculos que, padecendo na Terra, ganhariam o Paraíso. A partir do século XIX, quando a industrialização possibilitou mais conforto à sociedade, surgiu um choque, muitas vezes inconsciente, causado pelo consumo de produtos que ofereciam “prazer”. O “prazer” estava associado ao ”pecado”. Simplificadamente, pode-se dizer que o conforto doméstico ou pessoal contribuiu para diminuir os condicionamentos ou preconceitos que consideravam a felicidade quase um pecado. Mudou a moral, e certos padrões de comportamento foram abandonados, superados ou substituídos por outros mais “modernos” que facilitavam o consumo. Depois de alguns milênios, ficou mais importante, para o grosso da humanidade, “ter” em lugar de “ser” [4].

O que esperar de 2022? A resposta ainda é uma incógnita! Bezos não é mais o homem mais rico do mundo como era quando foi ao espaço. Hoje, quem ocupa o lugar de homem mais rico do mundo é Elon Musk que tal qual Bezos se ocupa de diversas empresas para compor sua fortuna. Na última semana a sua intenção de comprar o Twitter ganhou as páginas de todos os jornais ao redor do mundo. Para os brasileiros, em ano de eleição presidencial, a compra de uma rede social que é conhecida pelo pouco filtro de conteúdo sinaliza que será necessária muita informação baseada em realidade para lidar com as fake News. Musk andou questionando nos últimos meses a falta de liberdade de expressão e foi um dos maiores críticos ao banimento permanente de Donald Trump da plataforma. Os próximos passos serão importantes para a democracia e principalmente para o combate as notícias falsas que vem se difundindo pelos mais diversos meios de comunicação, mas principalmente pelas redes sociais que no momento parecem ser o mais novo brinquedo dos que possuem muito dinheiro.

 

Notas e Referências

[1] G1 Notícias. Jeff Bezos, homem mais rico do mundo, vai ao espaço e agradece a clientes da Amazon: 'Vocês pagaram'. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/tecnologia/inovacao/noticia/2021/07/20/jeff-bezos-voo-espaco.ghtml. Acesso em 30 de abril de 2022.

[2] BARBER, Benjamin R. Consumido: como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos. Tradução de Bruno Casotti. Rio de Janeiro: Record, 2009.

[3] BAUMAN, Zigmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

[4] CHIAVENATO, Júlio José. Ética globalizada & sociedade de consumo. 2 ed.reform. São Paulo: Editora Moderna Ltda., 2004.

 

Imagem Ilustrativa do Post: brown wooden  // Foto de: Sasun Bughdaryan // Sem alterações

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