“VINCULATIVIDADE NORMATIVA NO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE”: resenha do 1º capítulo da obra A poética na escrita dos juízes da Justiça da Criança e do Adolescente: uma literatura a serviço da proteção integral

23/07/2024

Coluna Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens / Coordenadores Assis da Costa Oliveira, Fernando Albuquerque, Ilana Paiva, Tabita Moreira e Josiane Petry Veronese

A obra A poética na escrita dos Juízes da Justiça da Criança e do Adolescente: uma literatura a serviço da proteção integral, foi publicada no ano de 2022 pela editora Habitus. A obra apresenta um compilado de artigos científicos e produções textuais, por vezes, artísticas de autoria diversa, as quais foram organizadas por Josiane Rose Petry Veronese, Joana Ribeiro e Hugo Gomes Zaher.

O artigo selecionado foi o de título Vinculatividade normativa no direito da criança e do adolescente, o qual é de autoria de Josiane Rose Petry Veronese e Geralda Magella de Faria Rossetto, e consta na obra como o capítulo primeiro da segunda parte.

O capítulo conta com um sumário denso no que diz respeito à titulação dos capítulos, tendo por tópicos de seu desenvolvimento: O alcance, a abrangência, a sistematicidade e a crítica da recepção jurídica estatutária: direitos e vinculatividade normativa; As ordens de recepção normativa no Estado Democrático de Direito: texto e contexto da gramática de direitos; O núcleo do regime de salvaguarda de proteção de direitos, liberdades e garantias na perspectiva do Estatuto da Criança e do Adolescente; e a conclusão: Reconstruir uma mudança de diagnóstico a favor da “inflação legislativa” e da tutela jurisdicional. Além da introdução que os precede e as referências finais.

 

Resenha:

Inicialmente discute-se a vinculatividade normativa no direito da criança e do adolescente, destacando a importância de um arcabouço legal robusto para assegurar a proteção e os direitos daqueles que nos são mais caros, as crianças e os adolescentes. O trabalho como um todo, objetiva apontar diversos pontos na ideia de fornecer “indicativos de uma gramática de direitos, liberdades e garantias, tendo a criança e o adolescente como foco”.

Sublinha-se que a Doutrina da Proteção Integral, incorporada no Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que todas as crianças e adolescentes têm direitos próprios e especiais devido à sua condição de desenvolvimento, necessitando de uma proteção especializada, diferenciada e integral.

Nesse sentido, a base normativa do Estatuto da Criança e do Adolescente e sua aplicação prática são fundamentais para garantir a efetividade dos direitos da criança e do adolescente, reforçando a necessidade de uma abordagem sistemática e abrangente para a proteção desses direitos, numa perspectiva de cooperação tecnológica fraterna, conferindo validade, eficácia, efetividade, concretização e reafirmação dos direitos.

Dessa forma, as autoras se utilizam de um conceito de Reinhart Koselleck (2015), de uma linha do tempo histórica de normas que visam a proteção da criança e do adolescente, ressaltando sempre a universalidade do tempo natural em paradoxo com a história universal de longo alcance, frisando perguntas importantes ao longo do artigo no tocante a coercibilidade da norma Vs o convencimento legal populacional; e de que forma essa imposição traz validade, eficácia e efetividade, num perspectiva de concretização e reafirmação da norma.

Diante desse cenário, objetiva-se nortear uma apurada análise, em meio a contemporaneidade, em meio a um prognóstico considerado pelas autoras como sombrio, uma vez que crianças e adolescentes têm seus interesses menosprezados e, por vezes, engolidos pelas questões econômicas, políticas e sociais de uma sociedade marcada pelas questões históricas.

Em um primeiro momento, as autoras expõem a normatização, inclusive a estatutária, referindo-se ao Estado Democrático de Direito e de que forma isso se deu em nosso ordenamento pátrio, seja em termos formais, materiais ou, até mesmo, procedimentais, no que se refere à norma. Dessarte, o primeiro capítulo do desenvolvimento do artigo, tem como propósito o fornecimento de sustentação às questões normativas, pertinentes ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

Diante do contraste histórico a qual as normativas referentes à criança e ao adolescente possuem, as autoras compreendem como imperativa a necessidade de não se negar ou desconsiderar o tempo histórico, em vista de uma capacidade tardia de “sermos guerreiros, antes que visionários". Em outras palavras, aborda-se a temática de avanços sociais de forma internacionais, envolvidos em questões humanitárias, a citar a igualdade, crises climáticas, saúde pública global, o impacto da inteligência artificial, em especial no tocante à privacidade, e ao próprio desenvolvimento global, temas esses que foram associados como pertencentes a uma nova vanguarda de temas com potencial de impacto nas gerações presentes e futuras.

Nesse sentido, o artigo cita a importância especial que a Convenção sobre os Direitos da Criança, da Organização das Nações Unidas de 1989, por se tratar do “instrumento de direitos humanos mais aceito na história universal”, uma vez que foi ratificado por 196 nações (UNICEF, 2021).

Um interessante quadro comparativo feito neste trabalho, aponta algumas temáticas que resultaram em expressões e direitos abordadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de “Boletins de Jurisprudência Internacional-BJI” (STF, BJI, 2021). Dentre os temas foram selecionadas algumas decisões pertinentes relativas ao “Trabalho Escravo”; “Educação Domiciliar” e o “Direito ao Esquecimento”.

A título de exemplo, cita-se o caso Siliadin versus França, o qual é apontado como primeiro caso em que a Corte Europeia de Direitos Humanos (European Court of Human Rights – ECHR) se pronunciou acerca da temática tráfico de pessoas, colocando como “Dever do Estado de incorporar norma contra a servidão e o trabalho escravo no ordenamento interno”:

Caracteriza-se como forçado ou obrigatório o trabalho realizado sob ameaça de qualquer punição e para o qual a pessoa não tenha se apresentado voluntariamente. A servidão refere-se a uma forma particularmente grave de violação à liberdade, pois inclui a noção de trabalho forçado prestado na propriedade do empregador, sem que a vítima tenha possibilidade de alterar sua condição. A extrema vulnerabilidade equivale à ameaça de punição para os efeitos do conceito de trabalho forçado e servidão previsto na Convenção Europeia de Direitos Humanos. O conceito de escravidão previsto no artigo 4 da Convenção contra a Escravatura de 1926 refere-se à definição clássica do exercício legítimo do direito de propriedade e da redução do indivíduo a condição de objeto. (STF. BJI, 2021).

Além disso, também foi objeto de estudo a “Pesquisa de Jurisprudência Internacional – PJI”, tendo sido selecionado os seguintes pontos: “Pensão Alimentícia”; “Direito à Creche”; e “Vacinação Compulsória” (STF, BJI, 2021).

Nesse sentido vemos a cobertura e a inclusão de diversas situações e contextos dentro do escopo das normas estatutárias. No caso do Estatuto da Criança e do Adolescente, a abrangência envolve todas as áreas que afetam direta ou indiretamente os direitos das crianças e adolescentes, como educação, saúde, proteção contra abuso e exploração, entre outros aspectos essenciais para o desenvolvimento integral, elencados em tratados e normas internacionais recepcionadas pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Do conjunto de direitos relativos especificamente às liberdades e garantias de direitos fundamentais e de direitos humanos que se extrai das normativas internacionais citadas no artigo, destacam-se a infância centrada até os 18 anos; o legítimo interesse superior da criança; o direito à vida e ao desenvolvimento; ao desenvolvimento da personalidade da pessoa natural; e a identidade performativa (seja o tocante a linguagem e identidade ou a voz e participação da criança e do adolescente).

Assim, o alcance da recepção jurídica estatutária refere-se à extensão e à aplicabilidade das normas jurídicas dentro do Estado Democrático de Direito. Isso inclui como essas normas são implementadas e cumpridas no contexto dos direitos da criança e do adolescente. O alcance implica a efetividade das leis e seu impacto na proteção e promoção dos direitos desses grupos vulneráveis.

O denso artigo também cita uma gama de marcos importantes na história dos direitos da criança e do adolescente, cujas recepção normativa se deu nos principais dispositivos legais nacionais, dando destaque sempre para o Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual norteia o comando linguístico das legislações nacionais pela sua especificidade. A citar: Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança (1924); e a Declaração dos Direitos da Criança (1959), entre tantos outros.

No tocante à temática da infância e adolescência, o Estatuto da Criança e do Adolescente, regulamentado pela Lei Federal nº 8.069, de 1990, é colocado como marco legal e regulatório dos direitos das crianças e dos adolescentes em nosso país, em que pese a própria definição consta do artigo 1º, o qual define como destinatário da lei, a criança e o adolescente e sua proteção integral.

A crítica envolve uma análise profunda sobre como as normas estatutárias são recebidas e aplicadas na prática. Isso inclui a avaliação de sua eficácia, a adequação das políticas públicas e a resposta das instituições às necessidades das crianças e adolescentes, abordando questões como a "inflação legislativa" e a real proteção que as normas oferecem em termos práticos, além de discutir possíveis melhorias no sistema jurídico.

Num sentido fraterno de proteção aos direitos da criança e do adolescente, encarando esta como sendo uma responsabilidade comum entre o Estado e a comunidade, as autoras apontam ainda uma terceira via, cuja percepção da criança perpassa algo mais profundo, colocando-a como credora de direitos, uma vez que sua expressão protetiva estaria concentrada em níveis múltiplos de direitos, distribuídos ao longo dos artigos da Convenção sobre os Direitos da Criança (UNICEF, 2021). Nesse sentido, cita-se a:

[...] proteção social, a oportunidade e as facilidades, sobretudo, os melhores interesses da criança; um nome e uma nacionalidade; os benefícios da previdência social, se necessário, cuidados e proteção especiais, alimentação, recreação e assistência médica adequadas; a receber educação, gratuita e compulsória, promotora de cultura geral e de capacidades.

Ainda, aponta-se que, no caso de crianças com deficiência seja de natureza física, mental ou social, deve-se proporcionar também o tratamento, educação e os devidos cuidados especiais exigidos pela sua condição, além das demais considerações pontuadas.

Esses são alguns “direitos”, apontados com uma condição especial de prioridade, em cuja diretriz deve nortear não apenas a visão presente, mas também uma projeção futura de suas aptidões, em um esforço contínuo quanto a promoção e o usufruto de direitos, relativos ao desenvolvimento de garantias e estabilidade das relações jurídicas, objetivando os melhores interesses da criança e do adolescente.

Em segundo plano, no tocante ao segundo tópico de explanação do artigo, denominado de As Ordens de Recepção Normativa no Estado Democrático de Direito: Texto e Contexto da Gramática de Direitos, as autoras impõem três premissas básicas para uma reflexão inicial. A primeira premissa diz respeito à destinação da norma estatutária, face à conceituação e reconhecimento da criança e do adolescente. A segunda premissa aborda a dinâmica normativa no âmbito da aplicabilidade da norma. Por fim, uma terceira premissa tocaria a esfera interpretativa e o sentido emprestado e impresso à norma.

Nesse sentido, aponta-se de maneira significativa a distinção da expressão “controle”, a qual, em absoluto, é tida como rígida demais. Assim, o presente artigo não brinda ao exercício da força e da coação institucional, mas sim, a necessidade de imprimir no ordenamento jurídico uma perspectiva regulativa como condição natural da lei.

Nesse sentido, a primeira pontuação crítica diz respeito a quem a norma estatutária se destina, especialmente no contexto dos direitos da criança e do adolescente. Segundo o estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente: “Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”. (Brasil, 2021).

Não obstante, faz-se necessário reforçar a linha do tempo histórico, ressaltando a importância de se “remontar o tempo” como fonte de Direito. (Ost 2001, p. 104). Esta análise implica na conferência do fundamento de composição da base normativa fundadora do Estado Democrático de Direito, uma vez que sua pauta interpretativa é vista como elemento de proteção e de aplicação normativa, como um “produtor de significados e de função do Direito”. Nessa perspectiva, ressalta-se o estudo de Bobbio no tocante às várias funcionalidades do direito, detendo de função positiva e questionando seu exercício. Deste pensamento decorrem outros questionamentos, como a possível perda da função do direito ou a realização de um processo de “desjuridificação”, qual seja, a perda da função repressiva.

De toda forma, os anseios sociais, políticos, históricos ou jurídicos não são deixados de lado, uma vez que, segundo Alves, as leis nunca acompanham o desenvolvimento da sociedade, cabendo aos legisladores o compromisso com os valores atuais de cada tempo, ainda que, no futuro, sejam objeto de revisão.

Sob tais prismas o artigo investiga alguns sentidos, os quais devem ser considerados em relação à norma jurídica, conferindo-lhe validade. A expressão “validade das normas jurídicas”, é entendida pelas autoras como a aptidão para “vir a ser” numa perspectiva de aplicação da tutela jurisdicional, conferindo reconhecimento e recepção da norma no ordenamento jurídico.

Dentro do contexto de interpretação e validade normativa, aponta-se a eficácia e seu par coordenado, a efetividade. A eficácia, assim sendo, é compreendida como o sentido impresso na norma, com possibilidade de produzir resultados e satisfazer a entrega normativa. Por outro lado, a efetividade traduz na fórmula de eficiência do mundo jurídico, no qual pode-se exprimir como o ato de realizar algo que deve ser feito, ou seja, atingir os objetivos impostos, proporcionando concretização da norma (a entrega do direito na sua realidade).

No entanto as autoras traçam um singelo, porém importante paralelo entre a preferência entre uma sociedade voltada para a concretização das normas ou uma sociedade voltada a reafirmação da grande obra, ou seja, aquilo que se forma com o tempo, e sua renovação perante a constante necessidade de atualização. A grande diferença, portanto, entre reafirmação e concretização é de escala de tempo e não de realidade.

Todas essas expressões (validade, eficácia, efetividade, concretização e reafirmação) têm um sentido de dar entrega, acessibilidade e exequibilidade a norma e a entrega jurídica do direito, a fim de que a meta para a qual tende o Estado, qual seja o Estado Democrático de Direito, pese para este processo de realização de direitos. Tais questões dão ênfase ao macro e ao micro, tendo como pano de fundo o direito, sendo que as questões ilustrativas da “inflação legislativa”, bem como do consumo jurídico, controle constitucional e legal, conferindo tutela jurisdicional, marcam o ponto central na composição do Estado Democrático de Direito.

 Cada um dos sentidos propostos são apontados como detentores de distintos pontos de vista, ou seja, distintos meios de se compreender o que seja o próprio Direito. São concepções e compreensões de quem observa e descreve a norma, os quais elegem sentidos, seja pela dimensão do legislador, quanto sob a lógica de quem prescreve normas.

Por fim, no último capítulo do desenvolvimento do artigo, denominado de O núcleo do regime de salvaguarda de proteção especial de direitos, liberdades e garantias na perspectiva do Estatuto da Criança e do Adolescente, passa-se a examinar as questões essenciais acerca da garantia e acessibilidade de direitos, relacionadas ao Estatuto da Criança e do Adolescente, seja de ordem nacional ou internacional, de forma mais específica. 

Ambas as ordens normativas, nacionais ou internacionais, atendem a máxima estabelecida, qual seja, a da proteção integral, atendida por seus campos normativo-jurídico, a qual fez, e ainda faz, crescer o nível de proteção dos direitos da infância e da adolescência.

Convém destacar que, dadas as ferramentas legais que hoje dispomos no Brasil, tem seu verdadeiro começo com a Constituição Federal, de 1988, em especial os dispositivos contidos no art. 227. O disposto neste referido artigo é apontado pelas autoras como pressuposto norteador ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesse sentido, ressalta-se o RE 778.889, o qual aborda a temática da proteção integral: “em virtude da condição de fragilidade e de vulnerabilidade das crianças, devem elas sujeitar-se a um regime especial de proteção, para que possam se estruturar como pessoas e verdadeiramente exercer a sua autonomia”.  (Brasil. STF, 2021).

Em vista disso, o artigo destaca um interessante conceito emitido pela Corte Constitucional Colombiana, expresso pelo Boletim de Jurisprudência Internacional, sentença T–439-09, entendendo o interesse superior da criança como aquele que se caracteriza como real, “[...]independente dos critérios arbitrários dos demais e, portanto, sua existência e proteção não dependem da vontade ou capricho dos pais, pois são interesses juridicamente autônomos”.

No princípio das normas internacionais, reputa-se a Carta das Nações Unidas, de 1945, como uma base principiológica, além desta é possível identificar a Carta da ONU, a Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), a Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Decreto 99.710, de 21 de novembro de 1990.

De fato, por mais que ainda haja muito a construir e reconstruir em termos normativos, como bem é apontado pelas autoras no referido artigo, é evidente a importância da ocupação com o direito. Utilizamos a linguagem jurídica, sua aplicação, e recorremos aos seus efeitos, desde a validade, eficácia, efetividade, concretização até a reafirmação das normas.

Sob essa perspectiva, o programa estatutário, incluindo o projeto de reconhecimento de novos direitos, como aqueles emergentes das necessidades tecnológicas e do ambiente digital, deve estar comprometido com uma cultura afirmativa de direitos, destacando o problema central da negação de direitos.

A elaboração legislativa, a interpretação e a aplicação das normas no contexto educacional e prático são cruciais. Quando bem-sucedidas, essas ações atendem perfeitamente aos objetivos propostos, orientando a pesquisa e a recepção normativa, especialmente no campo do direito da criança. Nesse sentido, as autoras lançam uma crítica, considerando intrigante a difusa antipatia que assombra os defensores do Estatuto da Criança e do Adolescente, considerando a constante resistência decorrente de uma avaliação inadequada do papel dos “promotores, dos defensores e dos protetores dos direitos, os quais, à moda de educadores e de artífices de direitos, necessitam cumprir um programa de explicação, exemplo, estímulo, experiência e ambiente”.

Nesse sentido, este último capítulo dissertativo conclui que, à primeira vista, seria possível supor que juristas, doutrinadores ou, até mesmo, legisladores teriam funções restritas, tendo em vista a aparente cristalização do texto da lei e sua inflexibilidade doutrinária. As autoras não concordam com essa ideia, uma vez que diversas discussões precedem as convenções e padronizações normativas, honrando a tarefa jurídica jurisdicional. Essas discussões são as bases sólidas nas quais se apoia o Estatuto da Criança e do Adolescente e suas contínuas e necessárias correções normativas.

Há, contudo, uma consideração importante: a publicação de uma lei estrangeira não rivaliza com a produção nacional, mas propicia um ambiente adequado para que a doutrina e o meio jurídico de um país absorvam o que a tornará competitiva e assimilável internacionalmente. A esfera normativa e das leis, seja por meio de suas publicações, traduções ou interpretações, não é suficiente para garantir seu reconhecimento. A participação qualificada no debate da comunidade científica e de jurisconsultos é essencial para contribuir e aperfeiçoar o debate normativo.

Com base no entendimento das autoras no decorrer do presente artigo que isso requer, antes de tudo, uma cultura normativa, promovida pelo debate nacional e internacional, que qualifica a produção nacional e facilita sua assimilação internacional. A importância de erigir direitos e elevá-los à condição de pertencimento se dá pela abertura ao reconhecimento de direitos, mesmo que inicialmente por debate, antes da formalização escrita.

Dessa forma, o artigo parte para sua conclusão, baseando-se em uma ideia de necessidade de “Reconstruir uma Mudança de Diagnóstico a Favor da ‘Inflação Legislativa’ e da Tutela Jurisdicional”.

Dos casos analisados no presente artigo, extraiu-se o que foi chamado de “função promocional”, o qual não se posiciona favorável ou contrário a qualquer “lado” específico, seja Estado ou uma de suas instituições. A função é fornecer todas as informações necessárias para que as pessoas possam fazer escolhas informadas sobre os casos. Percebendo os riscos e a crise, com foco nos interesses das crianças, os recentes Relatórios Globais de Riscos do Fórum Econômico reforçam as ameaças e violações constantes de direitos, destacando a importância dessas questões na economia global.

Nos tempos atuais, de busca por novas fórmulas para uma economia melhor e mais humana, fraterna e solidária, cabe a cada um decidir embarcar nesse processo, sendo este não apenas um caminho a ser trilhado pelos Estados, mas também, individualmente. Optar por enfrentar o período atual com a esperança de recuperação do sistema global traz o risco de perder oportunidades. Em um cenário global instável, em questões como economia, meio ambiente, tecnologia, saúde pública e reconhecimento de leis, é essencial agir com rapidez e propósito. Conclui-se fraternalmente, portanto, encarando nossas crianças e adolescentes como seres detentores de direitos e garantias que visem não apenas seu bem-estar presente, mas também seu bem-estar futura, correndo o risco de serem excluídas ou perdidas no processo civilizador, o qual ameaça negar seus direitos historicamente adquiridos.

 

Notas e referências:

BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos da Teoria do Direito. Tradução Daniela Beccaccia Versiani. Barueri-SP: Manole, 2007.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Trabalho Escravo. Boletim de Jurisprudência Internacional Disponível em: http://portal.stf.jus.br/textos/ verTexto.asp?servico=jurisprudenciaBoletim.

BRASIL. Convenção sobre os Direitos da Criança. Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/l8069.htm.

BRASIL.  Supremo Tribunal Federal (STF). Direitos da criança e do adolescente [recurso eletrônico]: jurisprudência do STF e bibliografia temática. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2017. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoPublicacaoTematica/anexo/Direito_da_Crianca.pdf.

KOSELLEK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução Wilma Patrícia Maas, Carlos Almeida Pereira, revisão da tradução César Benjamin. 4ª. reimpressão. Rio de Janeiro: Contraponto, Editora PUC Rio, 2015.

OST, François. O tempo do direito. Tradução Maria Fernanda Oliveira. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.

UNICEF. Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança: História dos Direitos da Criança. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/ historia-dos-direitos-da-crianca.

UNICEF. Íntegra da Convenção sobre os Direitos da Criança e dos protocolos facultativos. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca#protocolo_venda.

VERONESE, Josiane Rose Petry; ROSSETTO, Geralda Magella de Faria. Vinculatividade normativa no direito da criança e do adolescente. In: VERONESE, Josiane Rose Petry. A poética na escrita dos juízes da justiça da criança e do adolescente: Uma literatura a serviço da proteção integral. [S. l.]: Habitus, 2022. cap. 1. E-book. Link: https://www.habituseditora.com.br/index.php?q=inf22

 

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