VESTIDO DE FESTA

07/07/2023

Coluna Direito e Arte / Coordenadora Taysa Matos

Eu adoro roupas. Vestido, calça, short, camisa (branca já virou mania!), biquíni, maiô ou echarpe, tudo me interessa. Sapatos são um capítulo à parte, outro momento conversamos sobre eles. Por vezes, creio que sou um híbrido de Homonidae com Scolopendridae. Traduzindo do biologiquês: mistura de humana com centopeia. Dou muita importância ao meu guarda-roupa, mesmo que nem sempre possa atualizá-lo às novidades da última tendência ou ao meu biotipo. Peculiaridades femininas de quem nasceu no século passado e a meia idade denomina “ser chique aos 50 anos”.
Hoje vou compartilhar a minha relação com um certo vestido. Não um vestido qualquer, apesar de todos serem especiais, este é um “vestido de festa”. Várias festas acontecem em nossas vidas e nem sempre conseguimos juntar nossa expectativa (imagem) com a realidade (orçamento, moda, corpo) para todos eventos. Já fui a muitos eventos me sentido feia porque não consegui comprar uma roupa que me agradasse. E quem não? Só as princesas... Opa! Eu sou princesa! Não de nascença, reconheço... Nem todas princesas sabiam de sua filiação real desde sempre. Afinal, Cinderela teve sua fase Gata Borralheira.

Então, uma festa é sempre um evento especial... Uma roupa bafônica, nos códigos atuais, é o que procuramos. Uma sintonia entre o seu e os outros olhares. E de preferência regado a muitos elogios! Linda, elegante, charmosa, perfeita... O vestido e você se con-fundem. A festa acaba, não por nossa vontade... Quem nunca esticou uma noitada até o raiar do astro rei, que atire a primeira pedra!
E O vestido passa a ser meu amuleto particular de felicidade, de poder, de aceitação... de amor. Várias festas e momentos felizes são vividos com O vestido. Fotos, elogios, danças pelos salões, amassos durante e depois...   Ah! Poderosa é ela! Que lindo e perfeito casal!

A vida tão generosa comigo, passa. E altera meu corpo, minhas pupilas... O vestido já não me cabe tão bem! Ele é meu amuleto de felicidade! Nada que uma mulher de iniciativa, independente e cheia de opinião não possa dar um jeito! Corri na costureira e fizemos uns ajustes. Tira uma pinça aqui, solta uma costura lateral, faz uma DR acolá. Isso mesmo, discutimos relação. Ressuscitamos O vestido.

Será que o ressuscitamos? Ele já não tem o mesmo efeito em mim e nem nos outros. São tantas lembranças, fotos, filhos, amigos e aventuras que o apego é muito grande. Por honrar nossa história, decidi fazer um regime! Vou emagrecer o quanto for necessário para caber nele novamente! Tirar do meu corpo o que o tempo me acrescentou, gordura, conhecimento (principalmente o auto), cicatrizes, sonhos…

Como reformar a consciência da perenidade da vida? Onde esconder a certeza que a vida está passando e não temos mais todo tempo do mundo? Busco me territorializar com a cotidianidade dos filhos, da família, das tarefas domésticas e escondo numa gaveta O vestido, pulsão de vida. São tantas distrações q acredito “não ter tempo para nada”. Procrastino o essencial me cobrindo de acessórios. E quem nunca?

Isso funciona até a página 4 do livro da vida. Porque o mundo não deixa de se relacionar contigo só porque você não sabe o quê fazer. O inconsciente é um credor implacável e não deixa passar seus afetos. E aparecem as estranhezas. Um mal-estar, sem causa própria, mas permanentemente bafeja a tristeza, a melancolia. Ah! O stress do mundo moderno! Se fosse mais jovem, seria a TPM! Como na meia idade, culpo a menopausa e sua montanha-russa hormonal! Nada como o lugar-comum quando não queremos ir a fundo nas gavetas da vida. Sei da verdade destas doenças, e não apequeno sua seriedade e necessidade de tratamento, mas questiono a forma leviana como as utilizamos para não submergir nas verdades do caminho. Doenças são desalinhos energéticos que se expressam no corpo físico. Precisam de tratamento tanto consequências como as causas originais. Tira O vestido da gaveta e resolve.

Sim, tiro O vestido e olho para ele. O que fazer? O evento se aproxima, já fiz até regime. Dureza não se consolar com as guloseimas. Regime duro. Low carb. Low cerva, meu deleite particular. Tudo vale a pena quando a alma não é pequena! E por falar em clichês... Sou cheia deles!
Enfim, tomei coragem! Vesti O vestido.

Um gesto bobo e de tanto significado. Ansiedade, medo, nostalgia, alegria, cheiro de mofo. Ele coube perfeitamente! Ou quase. Tudo bem com o zíper já meio frouxo, com os bordados que perderam as pedrarias ou com o cumprimento, já um pouco exagerado para o meu novo normal. Tudo bem com a falta de imaginação na relação, com a ausência da beijos e aconchego na cama ou com a total dedicação ao futebol e à cervejinha com os amigos. Podemos negociar tudo.
Podemos negociar tudo? Não me reconheço quando me olho no espelho. E nem O vestido parece tão bonito. Não lembrava da intensidade do brilho do tecido ou como o modelo já está ultrapassado. E percebi quão formal ele era para um evento casual. Seu modelo não se adequava às minhas necessidades e nem ao meu tamanho atual.

No primeiro momento, tive raiva de mim por tanto sofrimento à toa! Ajustes nele e em mim. Tanto que me encolhi, tanto que fingi não ver. Quase desapareci. Minha vida acabou! Dramática? Pode ser, mas é assim que me sinto. Sem O vestido, sem rumo. O tempo zomba do quanto eu chorei. Recordo um amor que perdi e ele ri...

O vento sopra pela janela trazendo folhas e cheiros. Lembra-me que o fim de um ciclo é abertura para outras tantas possibilidades. Quanto tempo fiquei ali, não sei. Recordei o passado, os planos de envelhecermos juntos. Sorri e chorei. Por mim, por ele, pelos nossos filhos e sonhos.
Arrumei o cabelo, peguei a bolsa e sai para comprar um vestido novo.

 

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