Por Leonardo Isaac Yarochewsky - 10/09/2015
No último dia 09 (quarta-feira), na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado da República foi realizada Audiência Pública para discutir o Projeto de Lei 402/2015, que altera o Código de Processo Penal. O referido Projeto, assinado pelos senadores Roberto Requião (PMDB-PR), Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), Álvaro Dias (PSDB-PR), Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Ricardo Ferraço (PMDB-ES), elaborado a partir de proposta da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), antecipa a possibilidade de prisão dos réus condenados por crimes hediondos, corrupção, peculato e lavagem de dinheiro. De acordo com o PL os condenados pelos citados crimes estariam sujeitos à prisão antes da sentença transitar em julgado.
O Projeto de Lei, autoritário e inconstitucional, foi defendido pelo juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, pelo Presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe) e por uma representante da Procuradoria-Geral da República.
Do outro lado, defendendo os direitos e garantias fundamentais, defendendo a Constituição da República e em defesa do Estado democrático de direito, destacaram-se os juristas Rubens R. R. Casara (Juiz de Direito no Estado do Rio de Janeiro e processualista penal), Elmir Duclerc Ramalho Junior (Promotor de Justiça na Bahia e professor de direito processual penal), Marcelo Semer (Juiz de Direito em São Paulo e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia) e Maurício Stegemann Dieter (Professor de Criminologia da Faculdade de Direito da USP).
Um dos principais defensores do projeto criticou a compreensão atual de que o cumprimento da pena só possa ocorrer depois do processo transitar em julgado. De acordo com o juiz Federal defensor do projeto, o processo penal no Brasil é moroso e “nenhum sistema de justiça pode funcionar com recursos infinitos” que acaba contribuindo, na fala do magistrado, para a “impunidade”.
Os supostos “paladinos da justiça” revelaram completo desprezo pela doutrina, pelo direito constitucional e processual penal, bem como pela academia, apesar de um deles ser também professor.
Apesar da lamúria de alguns, o autoritarismo do projeto, que remete ao fascismo, é evidente. Como bem salientou Rubens R. R. Casara, “O estado democrático de direito se caracteriza por limites no exercício do poder. Cada vez que uma garantia constitucional é relativizada, o estado caminha para o autoritarismo, o estado policial, para o estado total. (...) No fascismo clássico italiano, no nazismo alemão, no stalinismo soviético, em todos esses períodos a presunção de inocência foi relativizada”. No mesmo sentido de Casara, Elmir Duclerc afirmou que: “Há uma tendência autoritária perigosa que lembra, sim, períodos autoritários da história da humanidade”, afirmou. Ele destacou que a população carcerária brasileira cresceu 16 vezes mais do que a população do país. “Não há malabarismo hermenêutico possível para dizer que não há a incorporação de um pensamento autoritário neste projeto”. Aqui, reside a primeira verdade que não pode ser escondida.
Outra verdade nada secreta foi dita pelo juiz de Direito Marcelo Semer, para quem “os juízes têm sido permissivos com a prisão preventiva”. Ressalta-se que no Brasil (terceira maior população carcerária do mundo) 40% desta população carcerária é composta por presos provisórios, ou seja, que ainda não foram condenados definitivamente.
Ressalta-se, ainda, mais uma verdade nada secreta, de que a maioria desta população carcerária é composta pelos mais vulneráveis da sociedade e que de algum modo foram selecionados pelo sistema penal.
O criminólogo e professor Mauricio Dieter também não poupou críticas ao projeto e aos que o defenderam. Dieter trouxe à colação mais verdades nada secreta como a de que o citado projeto é radicalmente incompatível com a Constituição. Afirmou, com toda autoridade, que reserva “aos corruptos e corruptores o mesmo desrespeito que guardo aos delatores e inquisidores”.
Os guardiões da Constituição da República que se opuseram ao projeto autoritário, que fere de morte o princípio da presunção de inocência, foram unânimes em reconhecer o seu apelo populista, bem como a influência da mídia em matéria penal.
Enquanto os defensores do PL 402/2015 centraram seus argumentos em sofismas, os verdadeiramente comprometidos com os direitos fundamentais foram na origem histórica, política e jurídica do princípio da presunção de inocência. Com propriedade, demonstraram que o projeto é inconstitucional e que a presunção de inocência é um princípio que não pode ser relativizado como pretendem os punitivistas.
Como já disse Luigi Ferrajoli, o princípio da presunção de inocência é um princípio fundamental de civilidade “fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que ao custo da impunidade de algum culpado”.
Rubens Casara, Elmir Duclerc, Marcelo Semer e Mauricio Dieter foram verdadeiros heróis na defesa intransigente do princípio da presunção de inocência e do Estado democrático de direito, como já salientou o eminente processualista Alexandre Morais da Rosa, no seu instigante e genial Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos, “presumir a inocência, no registro do Código de Processo Penal em vigor, é tarefa hercúlea, talvez impossível, justamente pela manutenção da mentalidade inquisitória”. Mais adiante, afirma o processualista e juiz de Direito que “o processo penal, como garantia, precisa ser levado a sério, sob pena de se continuar a tratar a ‘Inocência’ como figura decorativo-retórica de uma democracia em constante construção e que aplica, ainda, processo penal do medievo, cujos efeitos nefastos se mostram todos os dias”.
Não bastasse isso, os quatro Cavaleiros da Esperança tiveram que lutar em defesa das garantias em um ambiente hostil e antigarantista. No ambiente onde predomina interesses individuais e demagógicos. Na Casa que deveria ser a principal na guarda da Constituição da República, mas que é a primeira a maculá-la.
Por fim, como disse o poeta “O Cavaleiro da Esperança faz a hora acontecer. Faz punho armado. Faz pujança. Mas combate pela paz pro povo não morrer”.
. Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado Criminalista e Professor de Direito Penal da PUC Minas.
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