Em 1990 comecei a lecionar na Faculdade Mineira de Direito da PUC-Minas, ano em que foi publicada a primeira edição do pequeno grande livro “Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro” de Nilo Batista. Quando passei a lecionar direito penal (parte geral) em 1991 adotei a obra - que foi escrita segundo o próprio autor quando seus filhos Carlos Bruce, Maria Clara e João Paulo estavam aprendendo a ler – como uma introdução critica obrigatória ao estudo do direito penal, da criminologia e da política criminal.
O trabalho conforme o próprio autor explica em nota prévia foi originalmente apresentado em 1988 ao concurso para a livre-docência de direito penal da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Da banca fizeram parte o saudoso professor Jair Leonardo Lopes – meu orientador na minha tese de doutorado apresentada na Faculdade de Direito da UFMG sobre reincidência criminal - os professores João Marcello Araújo Jr., Luiz Luisi, René Ariel Dotti e Sérgio do Rego Macedo.
Segundo Nilo Batista o livro “se destina a ser a primeira leitura do estudante de direito penal”. Não é sem razão que logo no primeiro dia de aula recomendo sua leitura, como imprescindível, aos que iniciam o estudo do direito penal. Contudo, a obra não é somente para os neófitos do direito penal, mas também para todos aqueles que desejam compreender a relação do direito penal com a criminologia e com a política criminal numa perspectiva crítica, progressista, garantista e humanista. Na citada obra o (anti) penalista crítico Nilo Batista faz uma densa análise dos princípios do direito penal, a saber: princípio da legalidade, da culpabilidade, da lesividade, da intervenção mínima, da humanidade etc.
O sistema penal brasileiro, como bem obseva Nilo Batista é marcado pela seletividade, repressividade e estigmatização. Alerta o autor que “não pode o jurista encerrar-se no estudo – necessário, importante e específico, sem dúvida – de um mundo normativo, ignorando a contradição entre as linhas programáticas legais e o real funcionamento das instituições que as executam”.
Quando da conceituação de criminologia, Nilo recorre aos criminólogos críticos. De Lola Anyar de Castro extrai o conceito de criminologia, para quem criminologia “é a atividade intelectual que estuda os processos de criação das normas penais e das normas sociais que estão relacionadas com o comportamento desviante; processos de infração e de desvios destas normas; e a reação social, formalizada ou não, que aquelas infrações ou desvios tenham provocado: o seu processo de criação, a sua forma e conteúdo e os seus efeitos”.
É justamente aqui, na criminologia crítica que se constrói a ponte para obra “Introdução Crítica à Criminologia Brasileira” de Vera Malaguti Batista. A obra de Vera Malaguti Batista está para criminologia assim como a obra de Nilo Batista está para o direito penal. Em seu trabalho ou no dizer da autora em seu “guia para uma aproximação transdisciplinar à questão criminal e para os alunos de criminologia” a querida e respeitável professora Vera Malaguti Batista (“Verinha”) partindo de uma perspectiva da história social do século XIII, com poder punitivo e do surgimento do direito penal moderno chega até aos dias atuais no epílogo com “histórias tristes”, notadamente, sobre a seletividade do sistema penal.
Em sua indispensável “Introdução Crítica à Criminologia Brasileira” Vera Malaguti Batista salienta que “a criminologia crítica ou abolicionista, aquela que conhece a história do sistema penal (seu fracasso aparente e suas silentes vitórias), foi fértil em produzir projetos coletivos de redução de danos do poder punitivo em seu ápice, mas não conseguiu romper com as barreiras que, por exemplo, a luta antimanicomial conseguiu. Mas é que a questão criminal é fundamental para a governabilidade do capitalismo contemporâneo: trata-se o problema do controle do tempo livre na revolução tecnocientífica do capital videofinanceiro”.
Ao final, com base na lição de Baratta para o direito penal mínimo, Vera Malaguti Batista propõe uma pauta para enfrentarmos os desafios de hoje, entre os pontos destacam-se: 1) mudança radical na política criminal de drogas; 2) despenalização de crimes patrimoniais sem violência contra a pessoa; 3) abrir os muros das prisões para sua comunicação com o mundo, seus amores, suas famílias, seus amigos, seus cronistas; 4) ampliação e fortalecimento da Defensoria Pública, etc.
Hoje não mais leciono na PUC-Minas, mas sinceramente espero e desejo que as alunas e os alunos calouros ou não no estudo do direito penal e da criminologia continuem lendo Nilo Batista e Vera Malaguti Batista.
Nilo Batista em seu amoroso “Prefácio Insubstituível” à obra de Vera Malaguti Batista sugere que os livros “Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro” e “Introdução Crítica à Criminologia Brasileira” ocupem na estante um lugar especial em que cada obra permaneça bem ao lado da outra. Assim eu os coloquei na minha estante.
Vera e Nilo, dois seres humanos, dois professores, dois gigantes na crítica ao direito penal, dois humanistas unidos em um só coração.
Beijo.
Leonardo Isaac Yarochewsky
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