Por Paulo Lenzi - 25/03/2016
A Constituição da República Federativa do Brasil em seu Art. 5º, inciso XII, determina a inviolabilidade da comunicações inter personas, SALVO “no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal”. Pois bem, a lei a que este inciso se refere é a Lei nº 9.296/96, que regulamente as interceptações telefônicas.
O que interessa nesta lei, para o momento é o texto do seu Art. 8º, vejamos:
Art. 8° A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.
Parágrafo único. A apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório da autoridade, quando se tratar de inquérito policial (Código de Processo Penal, art.10, § 1°) ou na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto nos arts. 407, 502 ou 538 do Código de Processo Penal.
O caput do citado artigo é nítido em nos colocar que processo da interceptação telefônica deve ser feito em autos apartados, ou seja, com um número diverso do processo principal em um outro caderno inquisitivo, e, este, deve estar sob sigilo. O que se pode compreender sobre esta previsão de “autos apartados” é que mesmo a violação do inciso X do Art. 5º, da CF, o legislador quis garantir a vida privada do investigado, de forma que somente o que for conexo ao crime investigado seja utilizado e o que não o for que seja descartado, consoante o dispositivo seguinte, da lei em comento, que prevê a eliminação daquilo que não for conveniente para a investigação[1].
Em outras palavras é evidente que o legislador entendeu que a exceção ao inciso X do Art. 5º, da CF, tem a finalidade, única e exclusiva, de instruir o inquérito policial ou a ação penal, sempre em ultima ratio.
Prosseguindo a análise, agora sobre o parágrafo único, onde o legislador temporaliza a ação de apensar os autos da quebra de sigilo aos autos principais. Na fase inquisitória os autos devem ser apensados no momento em que não se vislumbrar mais diligências por parte da autoridade policial e for para a lavratura do relatório investigativo, ou seja, antes de ir às mãos do judiciário (primeira parte). Seguindo a leitura do parágrafo único (segunda parte) dá a entender que quando o pedido de interceptação telefônica for feito para fins de instrução do processo, o apensamento dos autos só se dará quando for arguida a exceção de suspeição, prevista no Art. 95, I, do CPP. Isto na interpretação conjunta dos dispositivos legais 407, 112 e o próprio 95, todos do diploma processual penal.
Ou seja, nestes termos vislumbra-se que o processo de interceptação telefônica é um procedimento exclusivamente sigiloso e portanto, ao ser apensado ao IP ou a Ação Penal, estes devem seguir o rito sob segredo de justiça, garantindo, sempre, o livre acesso ao defensor constituído (súmula vinculante nº 14 do STF)[2].
No que tange o procedimento regulamentador do processo em segredo de justiça, a Resolução 59, do CNJ, prevê a responsabilidade do agente público (servidor e/ou magistrado) quando da publicização do conteúdo que vige sob a égide do segredo de justiça; assim preconiza o Art. 17, da citada resolução:
“Art. 17 - Não será permitido ao magistrado ou ao servidor fornecer quaisquer informações, direta ou indiretamente, a terceiros ou a órgão de comunicação social, de elementos contidos em processos ou inquéritos sigilosos, sob pena de responsabilização nos termos da legislação pertinente.”[3]
Inclusive o novo CPC, em seu Art. 189, III, prevê que deve tramitar em segredo de justiça os processos que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade, e em se analisando o Art. 3º, do CPP, que prevê a sua interpretação extensiva e análoga, só há fatores que garantem o sigilo do processo em que se contém interceptações telefônicas.
Neste viés entende-se que se o procedimento jurídico se encontra em segredo de justiça decorrente da interceptação telefônica, assim deverá permanecer e o conteúdo não deve ser vazado em circunstância alguma, visando a intimidade do cidadão, mesmo que esteja sendo investigado e/ou processado. Em tempo, entendo que a resguarda é muito mais voltada para o terceiros de boa-fé que em contato com o investigado também são submetidos à escuta, algo natural num procedimento desta estirpe, mas como já mencionada, em não tendo relação com o fato apurado e não constituindo fato típico deve ser desentranhado e destruído.
O Juiz Federal da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, Sergio Moro, quem preside o caso “Lava-Jato”, que compreende inúmeros processos conexos, dos quais derivam inúmeras “delações premiadas”, que, segundo a Lei de Organizações Criminosas (Lei nº12.850/13), há a garantia de sigilo à requerimento da autoridade judicial competente, visando assegurar o bom andamento das investigações, recentemente determinou a quebra de sigilo telefônico do ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a que tudo indica, dentro dos ditames legais.
Até então, nenhum problema técnico, tendo em vista que Lula era investigado por inúmeras suspeitas, porém, na data do dia 16 de março, do corrente ano, quando saiu a noticia de que o ex-presidente viria a assumir o cargo de Ministro Chefe da Casa Civil, o que possivelmente lhe conferiria prerrogativa de foro, devendo as investigações da “Lava-Jato” serem remetidas ao STF (no todo ou em parte, a depender a oscilosa vontade dos Mins. Do Supremo), consoante disposição constitucional, quase que automaticamente o Exmo. Juiz Sergio Moro revogou o sigilo do processo e, por ele admitido, “vazou” as gravações realizadas em (pleonasmo) segredo de justiça, que em instantes estavam circulando em todas as redes de comunicação social (Canais de Tv, rádio, internet etc.).
Consoante todo o exposto acima, ao que tudo indica é que o Juiz Moro, num ato, até então cheio de interpretações motivacionais mas sem confirmação, infringiu norma constitucional, complementar, infra-constitucional e resolução do CNJ, quando publicizou as gravações feitas sob segredo de justiça (novamente pleonasmo). Nos arquivos de áudio “vazados” por completo não se encontra indício de fato típico nas conversas e, pior, há uma gravação da conversa dele, Lula, com a Presidente da República, o que por si só já configura fato tipico previsto na Lei de Segurança Nacional, tendo em vista que ao expor gravações do ex-presidente com a Presidente da República, em frágil momento politico que passa o país, Moro incitou à subversão da ordem política[4], atentou contra a liberdade pessoal da Presidente[5], garantida pelo inciso X, Art. 5º, CF.
Num ato de irresponsabilidade e descomprometimento jurídico constitucional, além de violar o próprio código de ética da magistratura, o Juiz Sergio Moro, infringiu vários diplomas legais e supra legais, inclusive atentando contra a Segurança Nacional.
No meu entender o afastamento e a apuração das ações de Moro devem ser providenciadas com a máxima urgência pelo bem da mínima sanidade jurídica que nos resta.
Notas e Referências:
[1] Art. 9° A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada.
Parágrafo único. O incidente de inutilização será assistido pelo Ministério Público, sendo facultada a presença do acusado ou de seu representante legal. – Lei nº 9.296/96
[2] “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.” - http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1230
[3] http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/resolucao/rescnj_59.pdf
[4] Art. 23, Lei de Segurança Nacional
[5] Art. 28, idem 4
. . Paulo Lenzi é Advogado criminal em Curitiba, graduado na Universidade Positivo. . . .
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