Durante a pandemia COVID-19 faltaram vagas de UTI em vários Municípios.
Diante disso, surge a seguinte pergunta: na falta de vagas, é possível fixar regras discriminatórias para escolha?
No período da normalidade a questão está resolvida na Resolução 2.156/2016 do Conselho Federal de Medicina (artigo 9º), que preserva a isonomia vedando a escolha por critérios discriminatórios (cor, raça, religião, sexo, condição social, deficiência, etc).
No período de exceção, em que os leitos são escassos, algumas pessoas ficarão sem tratamento. Na Itália, o critério foi etário (idosos não eram admitidos em UTI). Em Pernambuco, o Conselho Regional de Medicina criou um Escore Unificado para Priorização (EUP-UTI), que fixa critérios clínicos para definir a admissão em UTI de pessoas com COVID-19[1].
O fluxo criado pelo ato normativo permite definir quem vai para a UTI e quem vai para cuidados paliativos, cuidados em enfermaria ou para isolamento domiciliar.
Uma discussão interessante é saber se o autocuidado[2] pode ser um critério de escolha. O Secretário de Saúde do Estado da Bahia sugeriu que as pessoas contrárias ao isolamento social deveriam assinar um termo de renúncia ao respirador artificial e ao leito de UTI[3]. É o exemplo típico de autocuidado. No caso, a restrição poderia ser enquadrada na Lei 13.979/2020 que trata das medidas para enfrentamento da pandemia[4]. E como as limitações a direitos fundamentais podem ser estabelecidas em tempos de pandemia, inclusive permitindo a sanção criminal (artigo 289 do Código Penal), haveria possibilidade para adotar o autocuidado.
Mas o tema não é assim tão simples.
Primeiro, porque não é politicamente correto debater tal questão (fim da vida e como definir a escolha trágica de quem será excluído da vaga).
Segundo, porque não faz parte da cultura jurídica fazer este tipo de exclusão.
Terceiro, porque a decisão final será médica e de difícil controle posterior (judicial, democrático ou político).
De qualquer forma, é importante que os profissionais de Saúde que atuam na linha de frente tenham capacidade e liberdade para realizar as escolhas do modo mais técnico possível, a fim de preservar o maior número de pessoas.
Notas e Referências
[1] Conselho Regional de Medicina de Pernambuco. Recomendação 4 de 28 de Abril de 2020. Recomenda a utilização do Escore Unificado para Priorização (EUP-UTI) de acesso a leitos de terapia intensiva, assistência ventilatória e paliação, como meio de hierarquização da gravidade dos pacientes, na ausência absoluta de leitos suficientes para atender a demanda terapêutica. Disponível em http://www.cremepe.org.br/2020/04/28/cremepe-publica-recomendacao-no-05-2020/. Acesso em: 08 Mai. 2020.
[2] São condutas que o cidadão deve adotar para preservar sua Saúde.
[3] Disponível em https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/secretario-de-saude-sugere-renuncia-a-leitos-de-uti-a-quem-e-contra-isolamento/. Acesso em: 08 Mai. 2020.
[4] BRASIL. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Disponível http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm. Acesso em: 08 Mai. 2020.
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