Vacina e direito de resistência

27/08/2018

A história do Brasil demonstra que o direito de resistência à vacinação já foi exercido muito tempo atrás. Um grande exemplo foi a Revolta da Vacina, acontecida em 1904, contra a política sanitarista proposta por Oswaldo Cruz.

Atualmente, tornou-se comum encontrar pessoas que se recusam ao uso de vacinas, apresentando alegações variadas, tais como questões filosóficas, religiosas e ideológicas. Um fundamento também existente é que a vacina potencializa casos de autismo.

Segundo Benci, isso surgiu em razão de um estudo equivocado divulgado há anos pela famosa revista The Lancet, que publicou em 1998 um artigo do médico britânico Andrew Wakefield – com outros doze coautores – fazendo a vinculação da vacina tríplice com o autismo[1]. Em um primeiro momento, a comunidade científica aceitou a tese. Contudo, posteriormente ficou constatado que os pesquisadores falsificaram dados na pesquisa, razão pela qual o desfecho não era adequado[2].

E na era da pós-verdade, as fake news propagam-se com velocidade supersônica, principalmente nas redes sociais. Isso gerou um movimento mundial antivacina, como se verifica na Itália[3] nos EUA[4] e também no Brasil.

Assim, um ponto interessante é saber se o direito de resistência pode ser exercido como recusa à vacinação. A resposta somente seria positiva, em tese, diante de evidências científicas apontando o nexo de causalidade entre a vacinação e a propensão ao autismo. Nesta hipótese, possivelmente seria providenciada a suspensão da sua aplicação pelos próprios entes públicos.

Como inexiste evidência científica da alegação, deve-se prestigiar a política pública, que tem por finalidade a prevenção e a promoção da Saúde, incluindo aí, obviamente, o combate a várias doenças.

Inclusive há decisões judiciais obrigando os pais a incluir seus filhos nas políticas de vacinação. Cite-se o exemplo da Comarca de Garopaba/SC[5].

O fundamento adotado nas decisões judiciais geralmente reside na necessidade de conferir-se atenção integral à pessoa, especialmente quando é menor de idade, pois merece tutela maior, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente que estabelece, neste tema: “É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”[6].

Assim, a despeito das polêmicas posições contrários, diante da ausência de evidência científica que fixe contraindicação, deve-se prestigiar a política sanitária, de modo a evitar epidemias e fomentar a maior concretização do Direito Fundamental à Saúde.

 

Notas e Referências

[1] BENCI, Luca. Tutela la salute. Il diritto alla salute negato, privatizzato e mercificato. Reggio Emilia: Imprimatur srl, 2017, p. 142.

[2] BENCI, Luca. Tutela la salute. Il diritto alla salute negato, privatizzato e mercificato. Reggio Emilia: Imprimatur srl, 2017, p. 142.

[3] Na Itália, o movimento antivacina contaminou até o atual Governo, liderados pelos partidos populistas Cinco Estrelas e Liga, que alterou sua política para não mais exigir a carteira atualizada de vacinação das crianças como requisito para a matricula escolar.

[4] https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/02/ciencia/1506938178_101257.html

[5] Jornal Notícias do Dia. Justiça obriga pais a vacinar os filhos em Garopaba, no Sul de Santa Catarina Casal tem dez dias para cumprir a medida sob pena de multa; cabe recurso à decisão liminar. Redação ND, Florianópolis (SC) [..] – disponível em https://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/justica-obriga-pais-a-vacinar-os-filhos-em-garopaba-no-sul-de-santa-catarina. Acesso em: 23 Ago. 2018.

[6] BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Artigo 14, §1º. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm. Acesso em: 23 Ago. 2018.

 

Imagem Ilustrativa do Post:(2017.05.13) Dia D da vacina contra Gripe // Foto de: Prefeitura de Itapevi // Sem alterações

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