Uma linha tênue entre o direito à liberdade de imprensa e as influências do punitivismo midiático

17/07/2016

Por Igor Cardoso e Ian Martins - 17 /07 /2016

O direito à liberdade de imprensa é direito constitucionalmente resguardado em nossa carta magna de 1988 e por sua vez, faz parte dos direitos fundamentais de 1ª dimensão. Este direito se perfaz não só como uma evolução, mas sobretudo, como uma negação às violações promovidas, principalmente, em tempos de ditadura empresarial-civil-militar e alude que a todos é garantida a informação e que todas as matérias podem e devem ser noticiadas e levadas ao seu conhecimento.

Pois bem, direito à liberdade é a base, a gênese típica das democracias e característico em qualquer Estado que se pretende democrático de direito, consagrado pela Revolução Francesa que emergiu sob o lema "Liberté", "Egalité" e "Fraternité", que não por acaso deu origem aos direitos fundamentais de 1ª, 2ª e 3ª dimensão respectivamente. Partido desse pressuposto, vemos que em muitas ocasiões os princípios que normatizam o nosso ordenamento se chocam, em maior ou menor gral, isso acontece também entre o direito à liberdade de imprensa e todos os outros princípios que vinculam o ordenamento jurídico pátrio.

Segundo Robert Alexy[1], quando ocorre uma colisão entre princípios, esta deve ser solucionada de forma completamente diversa do conflito entre regras, porque nesta, para uma possível solução uma regra deverá ser considerada inválida para abrir caminho à aplicabilidade da outra, com o mandamento lex posterior derrogat legi priori e lex especialis derrogat legi generali, porém, no conflito de princípios não se deve priorizar um princípio em detrimento de outros, é fato que um dos princípios deverá ceder, mas isso não significa, contudo, que um dos princípios deve ser considerado inválido, mas que um tem precedência em relação ao outro em determinadas condições, o que tem mais peso, tem maior sopesamento sobre o outro. Ou seja, nenhum princípio deve ser considerado inválido para possibilitar a aplicação de outro, mas os princípios que protagonizam essa colisão devem ceder, em maior ou menor grau, para que o conflito seja solucionado e se lesione o menor número de direitos entre os interesses conflitantes.

E é notório - por vezes evidente- que o direito à liberdade de imprensa colide com outros direitos e princípios expressamente tutelados pelo nosso ordenamento jurídico, e se tornou comum, infelizmente, nos depararmos com uma reportagem de um programa policial qualquer que alimenta diuturnamente na população - e reproduzido por muitos membros da comunidade jurídica através do "senso comum teórico dos juristas"[2] - o desejo de maior punição, e o pior é quando a resposta só se dá por satisfeita se esta for uma pena privativa de liberdade, quanto maior melhor, ou seja, nega-se ao fato, ou talvez se desconheça, que a condição minimalista do nosso direito penal não se dá, ou não deveria, ao luxo de responder aos anseios sociais, que a condição de última ratio, coloca o direito penal como sendo o último recurso a resguardar o bem jurídico que foi violado, que só pode ser invocado quando todos os outros ramos do direito foram provocados e não foram suficientemente capazes de tutelá-lo.

Quando na "teletela" (Orwel) é reproduzido e instigado que uma maior e mais severa punição é a solução para o problema da criminalidade, passa-se por cima dos estudos da criminologia crítica.

Quando o noticiário coloca a foto do acusado na capa do jornal semanal, este já perdeu sua condição de acusado e já foi condenado pelo "júri popular" antes mesmo da instauração do processo, ou seja, violam-se os princípios do devido processo legal, violam-se os princípios da presunção de inocência, suprime-se o direito, tudo em nome do princípio da liberdade de imprensa.

O que é o projeto de redução da maioridade da penal, senão uma exteriorização do punitivismo midiático? Na crença irracional de que uma alteração da norma penal prevendo uma maior punição seria a solução para a inibição de praticas delitivas.

Formam opiniões totalmente deturpadas do contexto social, formam vínculos de identidade com a população para que os corpos tornem-se maleáveis e possam ser receptivos da opinião do veículo de comunicação vendido como se notícia fosse, baseiam-se no que chamam de "opinião pública"- que segundo Bourdieu- não passa de uma expressão que disigna algo que não existe.

É evidente que tentar impor limites aos direitos é uma atitude no mínimo perigosa, o mesmo acontece com a liberdade de imprensa, mas nos cabe a pretensão quanto à seguinte indagação: Até que ponto a liberdade de imprensa legitimaria a violação de outros princípios constitucionalmente assegurados?

Galuppo[3] alude que a reflexão sobre a concorrência ou colisão entre princípios deve passar pela reflexão do Estado Democrático de Direito, pois “a concorrência entre princípios constitucionais revela uma característica fundamental da sociedade em que se existe um Estado Democrático de Direito.

Delimitar juridicamente até que ponto a liberdade de imprensa deve atuar se constitui periculum in mora, obviamente sem que isso signifique lesão aos bens jurídicos, torna-se mais que necessária. Os veículos midiáticos não podem, sob nenhum plano mínimo de admissibilidade, influenciar na forma de atuação e aplicabilidade do direito, tendo em vista que esse deve ter um mínimo de autonomia.

Não poderia terminar a propositura de tal texto, que por sua vez é o primeiro  de um longo caminho, certamente, dedicado à pesquisa acadêmica e comprometido com a reflexão do direito como ciência social que de fato é, sem antes citar o brilhante e inspirador professor Lênio Streck[4], mídia e moralismo não são direito, tão pouco fontes do direito, ou seja, o direito não pode ser influenciado e deturpado por anseios midiáticos ou morais, sejam eles quais forem, sob pena de se abdicar ao fumus boni iuris em resposta a um populismo que o devora!


Notas e Referências:

[1] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

[2] WARAT,Luis Alberto. Introdução geral ao direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994.

[3] GALUPPO, Marcelo Campos. Princípios juridicos e a solução de seus conflitos: A contribuição da obra de Alexy. Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, 2º sem. 1998.

[4] STRECK, Lênio. http://www.conjur.com.br/2015-nov-19/senso-incomum-juiz-fez-coisa-certa-midia-moral-nao-sao-fontes-direito.

BOURDIEU, Pierre. http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/50619/mod_resource/content/1/A_Opini%C3%A3o_P%C3%BAblica_N%C3%A3o_Existe_(Pierre_Bourdieu).pdf


Igor Cardoso. . Igor Cardoso é acadêmico de Direito da União Dinâmica de faculdades Cataratas- UDC e atualmente é integrante da equipe Trento & Torres advogados associados. . .. .


Ian Martins.. . Ian Martins é acadêmico de Direito da União Dinâmica de faculdades Cataratas- UDC. . . .. . .

Imagem Ilustrativa do Post: Craig Sunter // Foto de: It was him ! // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/16210667@N02/13453774723

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura