Uma análise do Wrongful Conception a partir de Caroline Sátiro de Holanda

16/03/2018

Coordenador Marcos Catalan

A figura do wrongful conception – amplamente discutida em países integrantes do sistema do common law – ainda é pouco tratada no Brasil e a literatura jurídica sobre o tema, infelizmente, é pouco significativa apesar de existirem textos deveras consistentes. Durante as leituras realizadas para a redação de minha monografia de conclusão de curso, deparei-me com o texto de Caroline Sátiro de Holanda, intitulado: A gravidez indevida e o consequente nascimento de uma criança podem ser considerados um dano? Uma análise da determinação e da extensão dos danos decorrentes de wrongful conception.

O texto aborda a violação dos direitos reprodutivos como fundamento da responsabilidade civil nos casos envolvendo wrongful conception. Aos iniciantes antecipo que o wrongful conception pode ser traduzido como gestação indesejada, causada pela falha no método contraceptivo eleito em função de defeito que afeta o produto consumido ou a atividade médica. Importante lembrar aqui que aqueles que adotam medidas para evitar a gravidez exercem sua autonomia existencial e, mais concretamente, experimentam a liberdade de não procriar enquanto direito que compõe o universo dos direitos sexuais e reprodutivos. Daí que se o método contraceptivo falha, não há dúvida de que houve violação desses direitos, mais pontualmente, o direito da mulher e (ou) do homem de escolher se terão filhos, ou não[1].

Segundo a autora com quem se busca construir esse pequeno diálogo, os direitos reprodutivos, resguardados no artigo 226, §7º da Constituição Brasileira, são direitos humanos e fundamentais, além de serem direitos de personalidade e a sua violação, consequentemente, poderá ocasionar danos merecedores de reparação civil[2] pelo tão só fato de a gestação não ter sido desejada, pouco importando se o feto é saudável ou não.

Sob este aspecto cabe referir que a wrongful conception action, não se confunde com a wrongful birth action, pois, a última objetiva a reparação aos pais cujo filho possua algum tipo de doença ou deficiência que poderia ter sido identificada – e, de algum modo tratada – durante a gravidez[3].

Outra grande diferença entre as duas ações está atada à liberdade e à autonomia reprodutiva exercida pelos genitores. Na wrongful conception action a liberdade reprodutiva exercida é negativa, pois, os pais tentavam evitar a gravidez por meio do recurso a determinado(s) método(s) contraceptivo(s). Na wrongful birth action, por outro lado, a liberdade reprodutiva dos genitores é positiva, pois, a gravidez é planejada e desejada ou, no mínimo, não era evitada[4].

Retomando o tema que é objeto de nossa investigação é preciso destacar que parte dos julgados que tratam da figura do wrongful conception adotam o argumento do the blessing argument (o evento abençoado) para não conceder a reparação devida aos genitores imersos em tais contextos fenomênicos. De acordo com esta teoria, o nascimento de uma criança é sempre considerado um evento abençoado, independente do fato de ela ter sido desejada pelos pais ou de sua situação financeira. Em outras palavras, “a teoria do evento abençoado ignora por completo a existência de direitos reprodutivos”[5], o que leva Caroline a apontar que o argumento do evento abençoado confunde a quase sempre devida reparação dos danos causados aos pais, durante a gestação e após nascimento da criança, com o irrefutável valor – não o preço, obviamente – atribuído à vida desse filho eis que aqueles que defendem este argumento acreditam – diria o professor  Marcos Catalan, platonicamente – que a maternidade e (ou) a paternidade será sempre importante e linda, ignorando as dificuldades e os fardos que a filiação carrega consigo[6].

Percebam, estimados leitores e leitoras, que não se põe em discussão, aqui, se o filho, a filha são (ou não) evento(s) abençoado(s), mas, sim, se os danos – patrimoniais e extrapatrimoniais – causados aos pais em razão da gestação e nascimento de um ser que não fora planejado naquele momento e que, talvez, sequer fosse desejado, devem ser reparados mante a violação, havida em concreto, da liberdade de não procriar[7].

  

Referências

CATALAN, Marcos. Um pequenino ensaio acerca de contraceptivos ineficazes e da reparação de danos atados a violação de projetos de vida. emporiododireito.com.br. Acesso em: 07/03/2018. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/leitura/um-pequenino-ensaio-acerca-de-contraceptivos-ineficazes-e-da-reparacao-de-danos-atados-a-violacao-de-projetos-de-vida-por-marcos-catalan.

CORSO, Ardala Marta. A teoria do evento abençoado. emporiododireito.com.br. Acesso em: 07/03/2018. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/leitura/a-teoria-do-evento-abencoado-por-ardala-marta-corso.

HOLANDA, Caroline Sátiro de. A gravidez indevida e o consequente nascimento de uma criança podem ser considerados um dano? Uma análise da determinação e da extensão dos danos decorrentes de Wrongful Conception. Revista de Direito Civil contemporâneo, v. 12, p. 253 – 296, jul/set. 2017. p. 4. 

 

[1] HOLANDA, Caroline Sátiro de. A gravidez indevida e o consequente nascimento de uma criança podem ser considerados um dano? Uma análise da determinação e da extensão dos danos decorrentes de wrongful conception. Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 12, p. 253-296, jul./set. 2017. p. 4.

[2] Idem, p. 2.

[3] Idem, p. 3.

[4] Idem, p. 4.

[5] Idem, p. 4.

[6] Idem, p. 10.

[7] Idem, p. 4.

 

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