Uma Abordagem sobre os Direitos das “Minorias”

09/08/2019

Coluna Práxis / Coordenadoras: Juliana Lopes Ferreira e Fabiana Aldaci Lanke

Este estudo se dedica ao tema das denominadas “minorias”, considerando que os variados grupos e coletivos humanos recebem esta classificação no contexto da sociedade capitalista. Ou seja, comportando a relação de classes intrínseca ao modelo sócio-econômico vigente. Tratar este tema se faz fundamental, especialmente, compreender que os princípios constitucionais de respeito às diferenças e da dignidade da pessoa humana, se estendem as pessoas de modo geral, sem distinção étnica, racial ou econômica. Interessam-se pelo desenvolvimento humano e bem-estar social.

Desde a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945, o tema “minorias” adentra debates em cenário internacional. Gradualmente foram estabelecidas orientações, normas e mecanismos voltados aos direitos daqueles que principalmente, na vigência do terror da Segunda Guerra Mundial foram submetidos à toda sorte de infortúnios, degradação e violência. A atuação da ONU na proteção das “minorias” abrigada no direito internacional impulsionou o Pacto Internacional sobre os direitos civis e políticos em 1966, e, a Declaração sobre os direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais ou étnicas, religiosas e linguísticas de 1992. 

A proteção dos direitos das “minorias” voltada a garantia dos direitos à não discriminação, à igualdade, à educação multicultural consolida-se como objetivo da Oficina do Alto Comissionado das Nações Unidas para Direitos Humanos das Nações Unidas. Foram, então, solidificados estudos no Documento “Derechos de las minorías: Normas internacionales  y orientaciones para  su aplicación” publicado em 2010, que define “minoria” em seu artigo 1º, como  “identidad nacional o étnica, cultural, religiosa y lingüística, y dispone que los Estados protejan su existencia.[1]  Esclarece ainda, que não há definição internacional específica sobre quais são os grupos ou identidades classificadas como minoritárias.[2] A dificuldade de classificação de um grupo como minoritário, motiva-se pelos elementos descritivos de segregação social, a exclusão, a desigualdade social e condicional de sujeição de grupos em relação ao poder hegemônico.

Contudo, essas questões subjetivas do tema lançam desafios para a definição objetiva dos direitos dirigidos aos humanos enquadrados por algum fator descrito como “minoritário”. O jurista Norbert Rouland (2004), na obra “Direitos das minorias e dos povos autóctones” no trato dos direitos das minorias descreve o pluralismo jurídico, como fundamento para suprir lacuna entre o direito como norma, e assim caracterizado como abstrato, e, o direito como decisão, entendido como concreto. Para o autor, a abertura do direito ao caso concreto e à realidade social pelo pluralismo jurídico possibilita aplicação juridica com decisão justa. Para isso, ela deve ser aceita pela sociedade, e utilizar aspectos sociais no texto “rígido” da lei, oferecendo impacto saudável aos fatos não somente vinculados à norma.

As práticas do âmbito da vida privada e das relações interpessoais mostram-se importantes para definição de parâmetros ao direito. Seja pelo aspecto positivo ou negativo, a criação de normas, por si só, não consegue equilibrar unidade e diversidade.  O autor opta por compreender o papel do Estado frente as demandas de proteção aos direitos das minorias e dos povos autóctones com relevância a atuação dos próprios segmentos na construção de normas adequadas aos seus contextos.

No caso das opções dos Estados ao reconhecimento das “minorias”, é possível estabelecer uma escala que opões a recusa ao reconhecimento do fato minoritário e a institucionalização do pluralismo. Esta escala é atravessada por outra, que vai desde reconhecimento minoritário e objetivo pluralista e recusa ou falta de reconhecimento e de assimilação. Escalona-se, portanto, a intencionalidade política que se faz ocultada quando o que se apresenta materialmente são os textos normativos e sua aplicação.

O reconhecimento das minorias apresenta certas dificuldades reais como a impossibilidade de elaborar uma tipologia, vez exige exame aprofundado do direito positivo interno, em todos os níveis da hierarquia das normas, desde a Constituição até a jurisprudencia de um país. Portanto, para apresentar as questões de reconhecimento do Estado ocorrem algumas dificuldades constitucionais.

O reconhecimento jurídico, das “minorias” não dispõe de percepção jurídica objetiva: perpassa e penetra as várias esferas do direito não como um dado, mas como uma construção. Também é fonte de ambiguidade, vez que, pode atribuir à qualidade de sujeito de direito, personalidade juridica e outorga de direitos e constituição de sistema ordenado de proteção.  De fato, o reconhecimento varia em intensidade, pode estar apenas implícito no ordenamento, mesmo que o não-dito tenha limites, salienta Rouland (2004).

            A ausência de reconhecimento, por sua vez, implica diretamente à negação jurídica da existência de minorias os grupos étnicos, religiosos e linguísticos que se apresentam nas estatísticas oficiais dos Estados atestam a existências desses grupos, mas não equivalem ao reconhecimento jurídico. O princípio de não – discriminação, um direito negativo, em sua generalidade típica de um princípio não pode ser considerado como reconhecimento. Tampouco pelo direito e liberdade de consciência e de religião, pois, traz em si, o direito das minorias religiosas, não absorvendo demais áreas.

A garantia do respeito às diferenças tem peso positivo e exige ações concretas, que considerem a vontade de pertencer a um grupo ou identidade “minoritária” como direito exclusivo e inalienável, título coletivo ou título de uma pessoa. Os ordenamentos atuais, no tema em questão, tendem a apresentar textos prolixos e intermediários na, vigente, hierarquia das leis. Contudo, os Estados que se firmaram junto aos princípios de proteção de direitos da ONU,[3]  têm dever de criar estratégias para que em sua jurisdição, o povo, tenha condições de desfrutar dos direitos disponíveis. Isto inclui implantar medidas de redução de desigualdades materiais, sob as quais possam estar submetidas os grupos minoritários. Inclusive pelo fato da distinção entre as próprias “minorias”, vez que, são aspectos linguísticos, territoriais, materiais e culturais que estão envolvidos neste ínterim.

A questão leva a refletir, também, sobre as especificidades dos autóctones.[4] Rouland (2004, p.530) compreende que estes povos se distinguem das “minorias” por seu vínculo ao território e com a história, como os indígenas ou quilombolas no Brasil, ou esquimós e aborígenes em outras nações. Na tradição europeia preserva-se entendimento de “gradualismo” considera a própria cultura como avançada, e a demais povos como os autóctones, ultrapassada. Esta pode ter sido uma das motivações que levaram esses povos a profunda aculturação, fato é, que dada a expansão cultural em partes influenciada pelo processo de globalização economica a tendencia dos autóctones está entre a mumificação em museus e a dissolução na economia de mercado. A organização desses povos, tende a ocorrer com a assimilação da língua do povo dito "superior", para exigir respeito mantendo sua soberania tribal.

Ainda é um fato presente a violência que atinge os povos, também os autóctones são afetados e alguns dizimados. Dentre as prováveis razões para estes atos estão a intolerância e a expansão de territórios com interesses comerciais. Um exemplo atual, é o povo Kanak, colonizado pela França e que habita o arquipélago de Nova Caledónia situado a leste da Austrália. Os Kanak compõem 45% da população do local, a Nova Caledónia e foram as urnas para decidir quanto a autodeterminação local.

O processo iniciou com medidas de descolonização desde a assinatura do Acordo Nouméa entre França e Nova Caledónia em 1998, uma ação para reduzir conflitos entre franceses e os locais. Lutas separatistas atravessaram décadas, com marcas de violência e opressão em sua história, traçando “pano de fundo” do processo do referendo popular.[5]  A situação que pôs à prova as intencionalidades do governo francês sobre o território, vez que se especulavam dados em relação a economia local. O referendo realizado em novembro de 2018, manteve o status político da Nova Caledônia[6]

Constantemente, as relações de grupos autóctones perpassam pela desvalorização. No Brasil, a tragédia que levou a morte o indígena Galdino, da etnia Pataxó[7] em Brasília-DF, ganhou notoriedade midiática no país. Permanece a dúvida, se o assunto possuiu o mesmo teor político e humano na sociedade. Pois, é necessário superar a “comoção” como reprodução do “conformismo”.

O que implica, verdadeiramente, é refletir se a “comoção” remete à ação concreta, visando a construir relações e mecanismos justos. Ou seja, no estabelecimento de outra ordem social que tornem a submissão de povos, um “triste” fatos do passado.  Notório, no entanto, que os canais brasileiros responsáveis pela construção de aspectos normativos que permitam não apenas a inclusão, mas, a democracia assegurada, historicamente pertencem a cultura hegemônica. Reforçando que, a “comoção” por si, pode não ser o caminho adequado, quando se interessa pelo efetivo direito indiscriminado da pessoa humana.

 

Notas e Referências

 

CHAVANNE, Julien. Référendum en Calédonie: les doutes du secteur économique de l'archipel. RFI. 30 nov. 2017. Disponível em: < http://www.rfi.fr/france/20171130-referendum-caledonie-doutes-entreprises-visite-edouard-philippe > Acesso em 22 jun. 2018.

BRASIL. Constituição da   República   Federativa    do    Brasil.    Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>.     Acesso     em agosto de 2016.>. Acesso em: 10 de fevereiro de 2017.

LATTIER, Anthony. Nouvelle-Calédonie: à six mois du référendum, Macron met en garde Nouméa. RFI. 05 mai. 2018. Disponível em: < http://www.rfi.fr/france/20180505-nouvelle-caledonie-six-mois-referendum-macron-met-garde-noumea> acesso em 22 jun. 2018.

O GLOBO. Índio Galdino foi queimado vivo por cinco rapazes em Brasília, em abril de 1997. Disponível em: < https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/indio-galdino-foi-queimado-vivo-por-cinco-rapazes-em-brasilia-em-abril-de-1997-11510805> Acesso em 23 abr. 2019.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/carta/ > Acesso em 22 jun. 2018.

______. Derechos de las minorías: Normas internacionales y orientaciones para su aplicación. 2010. Disponível em: < https://www.ohchr.org/Documents/Publications/MinorityRights_sp.pdf > Acesso em 10 jun. 2018.

ROULAND, Norbert (org). Direitos das minorias e dos povos autóctones.  Brasília: UnB, 2004.

[1] Derechos de las minorías: Normas internacionales y orientaciones para su aplicación. Disponível em: <https://www.ohchr.org/Documents/Publications/MinorityRights_sp.pdf > p. 6.

[2] O documento das Nações Unidas expressa em relação a definição de “minorias” que: “No hay ninguna definición internacionalmente acordada sobre qué grupos constituyen minorías. Muchas veces se subraya que la existencia de una minoría es una cuestión de hecho y que toda definición ha de incluir tanto factores objetivos […] como factores subjetivos.” (2010, p.3)

[3] Derechos de las minorías: Normas internacionales y orientaciones para su aplicación. Disponível em: <https://www.ohchr.org/Documents/Publications/MinorityRights_sp.pdf > p. 17.

[4] De acordo com Mendes (2015): “Autóctone (latim autochthones) vem do grego autos: si mesmo, e chthon: terra, país,ou seja: da mesma terra, do mesmo país, indígena. Autóctonos era como chamavam os gregos aos primeiros habitantes de um país, para diferenciá-los dos povos que se estabeleciam em outra parte. Uma “língua autóctone” é a primeira de um país, aquela falada por seus primeiros habitantes.” Disponível em: http://www.etimologista.com/2015/10/a-origem-do-autoctone.html.

[5] A população da Nova Caledônia se divide quanto à independência local, como é possível constatar na matéria veiculada em: http://www.rfi.fr/france/20171130-referendum-caledonie-doutes-entreprises-visite-edouard-philippe. No entanto, é possível que haja interesses da França com relação ao território em questão.  O Presidente Emmanuel Macron discursou extensamente para sensibilização da população quanto ao referendo. Na oportunidade Macron expressa: “A França não será mais a mesma sem a Nova Caledônia” Disponível em: http://www.rfi.fr/france/20180505-nouvelle-caledonie-six-mois-referendum-macron-met-garde-noumea.

[6] Em referendo, Nova Caledônia diz não à independência da França. Arquipélago do Pacífico que tem uma das maiores reservas de níquel do mundo é parte da França desde 1853. Disponível em:  https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/11/em-referendo-nova-caledonia-diz-nao-a-independencia-da-franca.shtml

[7] O GLOBO. Índio Galdino foi queimado vivo por cinco rapazes em Brasília, em abril de 1997. Disponível em: https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/indio-galdino-foi-queimado-vivo-por-cinco-rapazes-em-brasilia-em-abril-de-1997-11510805.

 

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